129. 1984 - AyeAkk (Eclipse)

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{Um agradecimento especial para @lloprs por pedir por AyeAkk (FirstKhao)}

Desde que conheceu Ayan, o mundo de Akk virou de ponta-cabeça.
A atração inegável que ele lhe causava desafiava todos os seus princípios e obrigações de inspetor, tornando seu trabalho muito mais difícil do que de costume. O prazer que antes vinha com as regras e o poder também foi aos poucos desaparecendo, dando espaço para todo o fardo e a pressão que vinham com o cargo.
Por muito tempo Akk resistiu, agarrando-se às suas crenças que lhe serviam como base e como âncora, e que até então acreditara serem a definição da sua identidade; mas quanto mais ele se aproximava de Ayan, mais as coisas mudavam, e mais de suas antigas certezas perdiam o sentido. Ele se sentia mais perdido e angustiado do que nunca.
Sua curiosidade o fez ir atrás do livro que Aye levava pra todo lado: 1984, do George Orwell. Akk acompanhou uma palestra sobre a obra, e quando Ayan disse que o via como alguém tão alienado quanto o personagem principal, ele não conseguiu evitar a aflição.
"Por que diabos ele pensa isso? Eu não chego nem perto..." Ele repetia para si mesmo, tentando se convencer. No entanto, sua inquietação não o deixaria em paz até que ele de fato lesse o livro e tentasse descobrir seus motivos.
Akk reservou sua hora livre antes de dormir para a leitura durante a semana, e o sábado inteiro para finalizá-la. Algumas vezes, enquanto lia, ele sentia necessidade de parar e passar pelo menos meia hora encarando o teto, em crise existencial. O livro era mais intrigante e aterrorizante do que ele imaginava, chegando a revirar seu estômago em algumas cenas.
Mesmo depois de horas após finalizar a obra, Akk não conseguia se sentir melhor. Ele estava ansioso e intrigado. Ele se sentia um idiota depois de perceber tantas coisas em suas reflexões. A sensação era péssima, e ele precisava muito desabafar tudo para alguém. Por algum motivo, a única pessoa que lhe parecia adequada era Aye.

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Ayan se surpreendeu quando abriu a porta de casa e encontrou Akk do outro lado, com o olhar mais angustiado que ele já tinha visto.
- Akk? Tá tudo bem?! - Ele perguntou, preocupado. - O que aconteceu?
Como resposta, Akk apenas mostrou sua cópia de 1984, antes de desabar em lágrimas. Mesmo confuso, Aye não hesitou em puxá-lo para um abraço apertado, e encaminhá-lo até o seu quarto.
- O que você está sentindo? No que está pensando? - Ele questionou, tentando entender melhor a situação.
- Você tinha razão! - Akk soluçava. - Esse tempo todo... você tinha razão! Eu não passo de um peão no jogo de controle deles...
- Ei... respira... - Aye o ajudou a se sentar na cama, acompanhando-o em cada movimento. Akk parecia estar tendo um ataque de pânico. Suas mãos tremiam e sua respiração acelerava enquanto as lágrimas rolavam pelas suas bochechas. - Preste atenção... eu vou contar até quatro três vezes. Na primeira vez vamos inspirar juntos, na segunda seguramos o ar e na terceira a gente expira. Okay? Vamos repetir isso algumas vezes.
Akk assentiu com a cabeça e seguiu as instruções de Aye, respirando devagar de acordo com a contagem. Algumas contagens depois, ele já se sentia mais calmo e mais seguro, e enfim parou de chorar.
- Melhor agora? - Aye questionou, e ele assentiu mais uma vez. - Então... você leu o livro?
- Sim...
- O que você achou? Como te fez se sentir?
- Eu achei... assustador. Faz muito sentido. Sinto como se tivesse passado pelas experiências junto com o personagem - Akk contou. - Mas acima de tudo, me fez pensar muito. Me fez pensar sobre Suppalo... sobre toda essa valorização de ordem e sobre a maldição. Me fez pensar que viver sob tanto controle pode ser angustiante para muitas pessoas... até pra mim.
- Pois é... agora você entende que aqueles alunos não querem protestar só pra criar caos, não é?
- Sim... eu entendo. Eu nunca quis que nada ruim acontecesse com eles... eu só queria fazer um bom trabalho em manter a ordem na escola. Mas agora eu entendo que não é ordem que a coordenação valoriza... é controle. Por todo esse tempo... eu realmente sofri uma baita lavagem cerebral. Eu me sinto tão idiota... e incompetente... e violado...
- Ei! Olha aqui! - Ayan levou as mãos ao rosto de Akk e o fez olhá-lo nos olhos. - Você não é incompetente. Você foi usado, Akk. Eles te usaram e te manipularam esse tempo todo. Eu sei que é difícil, mas tenha um pouco de compaixão consigo mesmo... eu acredito em você!
- M-mas... mas... eu fiz todas aquelas coisas ruins e ajudei a impor o sistema que você odeia! Como você aguenta olhar na minha cara, ou ser tão gentil comigo?! Eu me odiaria se fosse você! Eu... meio que estou me odiando nesse momento.
- Eu não te odeio... você sabe que eu gosto de você! Talvez até mais que isso. Você é muito mais do que o chefe dos inspetores, Akk. Isso não te define! Você acha que eu teria me apaixonado por você se definisse? Você não deve se odiar! Nunca! Você não é uma pessoa ruim, okay? Eu te prometo.
Akk voltou a chorar, dessa vez em silêncio, e tudo que pôde fazer foi se jogar nos braços de Aye, que o abraçou apertado e acariciou seus cabelos para confortá-lo.
- Eu não sei o que fazer, Aye! Se eu deixar de ser inspetor, vou perder minha bolsa de estudos e isso vai arruinar tudo! Eu não vou conseguir ir pra universidade, e meus pais vão ficar tão tristes! Eles trabalharam tanto a vida inteira pra que eu pudesse ter oportunidades, e eu não quero decepcioná-los... a minha vida inteira está em jogo.
- Eu... não sabia dessa questão - Aye respondeu, melancólico. - Agora as coisas fazem mais sentido. Eu entendo que isso é sério, e que você não pode jogar isso fora. Acontece que eles estão te usando de forma mais cruel do que eu imaginava. Isso não é nada certo. Eu vou fazer de tudo pra te ajudar... você merece ter oportunidades, mas também merece ser livre dessa tortura. Por enquanto não se preocupe, okay? Nós vamos dar um jeito.
- Okay... - Akk afastou-se um pouco, e Aye secou suas lágrimas. Os dois se contemplaram em silêncio por alguns segundos, como se hipnotizados, até que Akk enfim tomasse iniciativa para o que desejava havia tanto tempo, aproximando-se devagar e permitindo que Aye beijasse seus lábios.
A sensação era indescritível. Akk não sabia que um beijo era capaz de transmitir tanto carinho e segurança. Ele não ousou se afastar até que não houvesse mais ar, mas assim que foi necessário entregou-se a um abraço mais uma vez, agarrando-se à sensação de conforto.
Aye deitou-se, trazendo Akk consigo. Nenhum dos dois conseguia parar de sorrir, corando sempre que trocavam olhares.
- Obrigado... eu me sinto melhor agora - disse Akk, aconchegado em seu peito.
- "O mundo está calmo aqui." - Ele respondeu.
- Hm?
- É uma frase importante de uma coleção de livros que eu lia quando era mais novo... e é como eu me sinto agora.
- Agora eu tenho medo dos livros que você lê... - disse Akk, e Aye deu risada.
- São livros poderosos, não posso negar. Mas estou orgulhoso de você por ter enfrentado 1984. É meu favorito. Se é perturbador pra mim, mal posso imaginar o quanto foi pra você.
- Nem me diga! Eu não vou me surpreender se tiver pesadelos...
- Não se preocupe... é só dormir aqui. Estou aqui pra te confortar caso aconteça.
- Assim como eu te confortei da última vez - Akk riu.
- Exato... - Aye beijou sua testa, sorridente, e Akk mudou de posição apenas para pedir por mais. Seu mundo de fato havia virado de ponta cabeça, e o futuro parecia mais incerto do que nunca... mas desde que pudesse sentir os lábios de Aye contra os seus, ele sabia que ficaria bem.

Fine Line - One Shots BLWhere stories live. Discover now