69. Cartas - TarTum (Love By Chance)

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(Um agradecimento especial para @felix_utt por pedir por um final alternativo para TarTum)

Querido Tar,

     Você deve ter notado minha ausência nos últimos dias. Não tenho te ligado tanto, ou mantido o contato que mantinha antes, mas por favor não se preocupe. Tenho um motivo para isso, assim como tenho outro para estar te escrevendo essa carta. Sim, cartas podem parecer um meio ultrapassado e nada prático de comunicação, mas eu realmente precisava que isso passasse da minha mão à sua.
          Não quero que as palavras a seguir te machuquem, por mais que eu saiba o quanto podem machucar. Por quanto tempo eu as segurei exatamente por isso? Eu já nem sei mais. Mas, infelizmente, elas precisam ser ditas, ou ao menos escritas. Elas estão me matando por dentro. Estou escrevendo isso na tentativa de libertar essas palavras cruéis de uma vez por todas, e poder seguir em frente. Tudo o que eu te peço é que não me odeie depois disso.

     De vez em quando, eu sou uma pessoa ruim. De vez em quando, eu desejo que meu pai jamais tivesse se casado com a sua mãe, e que nunca tivéssemos que nos considerar irmãos.
      Por favor, não me leve a mal. Eu sei que crescemos ouvindo que somos uma família tão legítima como qualquer uma com laços de sangue, e que sempre pude considerar sua mãe como minha também, assim como ela me considera um filho. Ela sempre foi muito boa pra mim, e isso me faz sentir ainda mais culpado por desejar isso. Quanto a você, acho que nem preciso dizer que não errou comigo de forma alguma.
     Mas calma... explicarei meus motivos, por mais egoístas que sejam. Meu objetivo aqui é apenas a sinceridade, independente do quanto eu me condene pelo que expresso. 
     Desde que nossos pais se casaram e passamos a morar todos juntos, todos sempre esperaram que nos víssemos como irmãos. Nos conhecemos e nos aproximamos, e eu sabia que com o tempo desenvolveria um amor fraternal por você. Mas acontece que, até então, eu nunca tinha tido um irmão.
Eu não sabia como era, nem como esse sentimento deveria ser. Por isso, foi muito fácil confundir as coisas.
     Por um bom tempo, eu pensei que estava tudo bem. Você sabe que cresci feliz com você, que eu valorizo muito nossos momentos juntos, e talvez agora você esteja questionando tudo isso, mas eu garanto que é verdade. Fui o "irmão" mais feliz do mundo até um certo ponto. Estive contente até nos tornarmos adolescentes, e foi aí que as coisas começaram a ficar esquisitas.
    Você começou a sair com pessoas e depois a namorar, e eu comecei a sentir raiva e ciúmes de quem se aproximava de você dessa forma. Sempre pensei que fosse por ser super-protetor demais. Isso também pode ser comum entre irmãos mais velhos, certo?.. Foi exatamente o que pensei. Tive que conviver com isso por um bom tempo. Ver você namorando o Tharn foi a coisa mais torturante que eu já tive que aturar, e não havia nada que eu pudesse fazer. Mas então você acabou passando por algo pior do que eu jamais tive que passar, e tudo desmoronou, para nós dois.
     Sei que ir para longe foi o melhor pra você, por mais que eu sempre tenha sentido muito a sua falta. Com o tempo, todos nós nos reconstruímos de certa forma. Você pôde focar nos seus estudos e conhecer novas pessoas, Tharn encontrou um novo namorado e eu... bom... eu pensei que poderia tentar superar os sentimentos conturbados e confusos enquanto você estivesse fora. Por um momento, eu pensei que conseguiria.
     Apenas durante a sua visita, quando percebi o quanto você ainda estava mal, tudo voltou à tona. Eu sempre quis te ver feliz, Tar. Sempre. Te ver daquele jeito quebrou meu coração de maneiras que eu não consigo nem descrever. O meu desejo de cuidar de você e te proteger de tudo e todos sempre esteve ali, mas bastou que você derramasse uma lágrima na minha frente pra que ele me desse um baque maior do que eu pensei ser capaz de suportar.
     E então você foi embora de novo. Eu fiquei sozinho com os meus sentimentos mais uma vez, e com questionamentos que chegavam a me dar aversão de mim mesmo. Porque foi aí que eu me toquei. Irmãos não deveriam sentir o que eu sinto, ou pensar o que eu penso.
     Eu sou uma pessoa ruim, Tar. Eu não queria ter que te chamar de irmão. Eu tenho raiva do universo, e de vez em quando até da nossa família, por me obrigar a te chamar assim. Eu queria que nossos pais jamais tivessem se casado. Eu sou uma péssima pessoa. Eu te amo, do jeito que não deveria amar. Eu só queria que tivéssemos nos conhecido de outra forma, e quem sabe assim eu pudesse ter uma chance, sem carregar todo o peso da culpa nas minhas costas.
É isso. Você não precisa responder se não quiser. Eu só precisava que você soubesse. Vou continuar me afastando, pelo menos até dar um jeito de superar isso tudo. Espero que entenda. Por favor, não me odeie.

Sinceramente, Tum

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Querido Tum,

     Você não me atende, nem responde as minhas mensagens, então resolvi escrever de volta dessa forma. Eu não te odeio. Por favor, pare de achar que é uma pessoa ruim. Sou grato por ter me contado tudo. Você teve a coragem que eu nunca tive e, agora, acho que te devo o meu lado da história.

     Acho que percebi certas coisas cedo demais. Antes mesmo de me tornar oficialmente um adolescente, eu sabia que havia algo diferente em mim. A completa falta de interesse que eu tinha por garotas, os gostos considerados incomuns para o meu gênero e a forma como algumas coisas chamavam minha atenção eram sinais que já apontavam para o que eu vim descobrir ser. Quando eu me assumi gay para você, para a minha mãe e para o seu pai, vocês não pensaram duas vezes em me aceitar, e eu sempre fui muito grato por isso.
     Meu problema surgiu pouco depois, quando comecei a sentir o que não devia. Você me abraçava, e o meu coração acelerava. Você cuidava de mim, e eu surtava internamente. Eu sabia bem que já não te via como irmão, e que precisava dar um jeito nisso antes que fosse tarde demais.
     Por isso, comecei a sair mais e tentar encontrar outras pessoas. Por um tempo, tudo o que eu tinha eram pequenas distrações, e nada adiantava de verdade, mas então eu conheci o Tharn. Eu realmente o amei e fui feliz com ele. Pensei que enfim tinha resolvido o nosso problema. Mas então aquilo aconteceu... e bom... não quero falar sobre isso.
     Eu fiquei muito mal por muito tempo, e você sabe bem disso, mas eu me sinto bem melhor desde a minha visita. As coisas foram esclarecidas como deveriam, e isso ajudou muito... mas eu não estaria tão recuperado se não fosse por você. Admito ter ficado confuso, porque meus sentimentos pareceram voltar como um tsunami enquanto você cuidava de mim, como se tivessem estado ali o tempo todo, contidos e escondidos, apenas esperando por uma brecha pra romper a barreira e tomar conta de mim novamente.
     Ando tentando evitar tudo isso desde que voltei pra cá, mas então recebi sua carta, e isso já não pode mais ser ignorado. Eu não te odeio, Tum. Nunca vou te odiar. Também não te condeno por nada do que sente, porque sou igualmente culpado. De fato, tudo seria muito mais fácil se nossos pais não tivessem se casado.
     Eu te entendo por não querer mais ser meu irmão. Eu te entendo, porque não é isso que nós somos, e não precisamos ser. Nós não compartilhamos nem uma gota de sangue. Tudo o que nos fez usar esse termo foi aquele casamento.
      Por isso eu te pergunto: estamos mesmo tão errados assim? Não há mesmo nada que possamos fazer? Será que... não temos nenhuma chance?
     Por favor, me ligue assim que terminar de ler essa carta.

Com amor, Tar

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     - Alô?
     - ...
     - P'Tum?...
     - O-oi... oi Tar.
     - Você está bem?
     - Sim... quer dizer... eu acho. Estou fazendo o que você pediu. Acabei de... terminar a carta.
     - Ah... e... como você se sente?
     - Não sei se consigo descrever. Acho que... surpreso, no mínimo. Confuso também. Feliz, surpreso, confuso e preocupado.
     - Tudo bem. Eu imaginei. Eu só queria te dizer que... em breve meu curso acaba, e eu vou voltar pra casa. Definitivamente dessa vez.
     - Mesmo?
     - Sim. E eu queria perguntar... quando eu voltar... e se a gente... tentar?
     - Tentar?
     - É... abrir o jogo com o seu pai e a minha mãe... ver o que eles pensam disso. Eu sei que dá medo, mas eu também sei que eles amam a gente... e que poderiam considerar os nossos sentimentos.
     - Você está disposto a fazer isso?
     - Estou... você está?
     - Eu... estou. Ainda me sinto péssimo, mas estou.
     - Tudo bem. Eu vou estar lá com você. Vamos passar por isso juntos... para podermos ficar juntos.
     - Okay... eu vou estar lá por você também.
     - Eu... te amo, Tum.
     - Eu também te amo, Tar.

{Gente mas... escrever isso foi intenso. Caso estejam se perguntando, deu tudo certo pra eles. Pronto. Final feliz e paz no coração KKKKK}

Fine Line - One Shots BLWhere stories live. Discover now