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Tudo parece estar correndo magicamente bem. Conseguimos nossas bebidas depois de quase uma hora na fila (sério) e Renan dá a ideia de irmos na sacada ver o lago de cima. Eu já passei outros Reveillons no Iate, mas parece que a companhia muda completamente minha perspectiva do local. A sacada de vidro está lotada de casais e gente rindo alto, brindando e fofocando. É um burburinho que faz meu estômago fervilhar em antecipação...

Nós ficamos debruçados sobre o vidro de proteção bebendo nossos refrigerantes em taças quando alguém esbarra no Renan e ele quase derruba tudo lá embaixo. Nos viramos ao mesmo tempo e eu não descubro que poderia ter mais azar na vida.

— Desc-...

Antes mesmo de terminar a fala, parece que as letras morrem na garganta da pessoa que esbarrou no Renan.

É meu primo. O Carlos.

Ele está de terno azul, gravata prata, sapato social prata. Um anel enorme brilha no dedo indicador e o gel nos cabelos empurra todos os fios pra trás, fazendo ele parecer um gangster de filme italiano.

Mais que isso: o Carlos está idêntico ao meu tio Wagner, pai dele. Minha nossa.

Nós três ficamos em silêncio e meio paralisados com o encontro. Quem se recupera primeiro é ele, empinando um pouco o queixo e pigarreando, como se engolisse as desculpas. Como se ele não precisasse pedir desculpas pro Renan porquê... bem, porque era o Renan.

Meu namorado suspira e revira os olhos, se voltando pra mim, prestes a simplesmente ignorar tudo quando meu coração dá um salto dolorido no peito. Ele percebe meu olhar petrificado e o segue, encontrando a fonte: minha mãe, de vestidinho prateado longo, cabelo e maquiagem feitos, bolsinha prateada nas mãos.

Carlos também segue meu olhar e, como se fosse sua deixa, ele sai de fininho, continuando seu caminho como se jamais tivéssemos nos esbarrado.

Entre em pânico por um momento porque não quero encontrar minha mãe, mas ela está vindo diretamente na nossa direção... e, ao mesmo tempo, eu gostaria de vê-la. E gostaria que ela me visse. E mais ainda: gostaria que ela me visse com o Renan.

Estou entrando em conflito interno quando Renan me cutuca e pergunta se quer sair dali, mas é tarde demais. Ela nos avista e, também um pouco receosa, se aproxima, pé ante pé. O burburinho das fofocas some quando ela para na nossa frente e me cumprimenta com um aceno de cabeça. Renan estica uma mão pra ela, educado e sorridente, perguntando como ela está e elogiando o figurino. Dona Neide dá uma risadinha envergonhada olhando pro chão e eu me encho de uma sensação quentinha e reconfortante.

Talvez aquele encontro não vá estragar a noite de ninguém, afinal.

***

Mas eu não poderia estar mais errado.

— A mesa da família tá no andar de cima — minha mãe conta, apontando pra escada do outro lado do salão. — Tem comida sendo servida. Seus tios e seus primos estão todos lá...

Me contenho de dizer que é justamente por isso que não quero subir, mas não digo nada.

O silêncio é desconfortável demais.

— Bem, eu vou pegar mais bebida... — Renan olha de mim pra ela, levantando a taça nas mãos. — Refrigerante! Estamos bebendo refrigerante...

Ele se embola um pouco e desiste, pegando minha taça também. Sei que ele vai demorar porque a fila continua grande, mas também sei que deve ter feito isso para que eu ficasse um pouco a sós com minha mãe.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora