Agosto V

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Também descobri cedo que não queria ser como meu pai; que se algum dia eu tivesse filhos, meu comportamento seria exatamente o contrário do dele, em todos os aspectos. Além disso, eu precisava ser inteligente para não cair em armadilhas do destino. Precisava ser melhor, sempre. Foi assim que comecei a me dedicar à escola, ao meu crescimento como pessoa.

Na volta pra casa, minha mãe se mostrou chateada com os acontecimentos do dia, mas a gente só sabia disso porque ela estava calada, quieta. Era esse o seu modo de demonstrar algum descontentamento — e não era algo muito eficaz, porque, com seu silêncio, meu pai gargalhava e soltava comentários cada vez mais doloridos para meus ouvidos.

Minha mãe não se atreveria a verbalizar o quanto estava decepcionada com o marido. Não era "seu lugar", ela vivia me dizendo quando eu ainda insistia que reclamasse com ele as coisas que não gostava. Quando percebi que minha própria insatisfação não seria sequer conciliada por ela, deixei de tentar. Sua submissão nunca me desceu.

Naquele dia dos pais, voltando da casa da vovó e assim que o sinal do meu celular ficou estável, comecei a receber algumas ligações perdidas e mensagens não lidas. Todas eram do Renan. Coisas um pouco desconexas; dava para notar que ele estava chateado e queria conversar. A última mensagem fora enviada meia hora antes e estava escrito somente um "me liga quando puder".

As palavras fizeram meu coração acelerar instintivamente e quase não aguentei chegar em casa, subir as escadas e me trancar no quarto para pressionar o botão de discagem rápida.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei assim que a chamada foi atendida.

Do outro lado, ouvi um suspiro carregado.

Onde você estava? — Renan perguntou, então contei brevemente do dia que tive. Ele não quis que entrasse em detalhes, porém, e assim eu soube que aquela conversa não seria sobre mim ou sobre nós. Seria sobre ele. — Eu fui ver meu pai também.

O modo como ele pronunciou as palavras me fez sentir uma pontada esquisita no peito. Não sabia se devia pedir que me contasse todos os pormenores, ou se deixava que partisse dele essa vontade, então ficamos um tempo só escutando a respiração um do outro pelo bocal do celular.

Ele me chamou para almoçar onde tá morando. É num apart-hotel, saca? Tipo um hotel, mas que você pode morar e tal. Permanentemente se quiser. — Renan tomou a dianteira. — Daí almoçamos e ele começou a contar que no hotel tem quem limpe sua cama, cozinhe pra você, lave suas roupas... A vida que ele sempre quis e que, de acordo com ele, nunca teve. — Renan fez uma pausa, suspirando. — E foi aí que a gente começou a brigar. Eu derrubei os pratos todos em cima dele, a taça de vinho no chão, uma lambança que você teria até vergonha. — uma risada sem graça. — E daí meu irmão chegou pra apartar a briga. E nós três começamos a discutir de novo e de novo...

Ele comentou alguns detalhes a mais, em como não acreditava que o pai endeusava a mulher com quem ele estava saindo — uma tal de Léa —, em como ele falava da mãe com desprezo, e em como aquilo o deixou possesso de raiva.

Foi mais ou menos nesse momento que eu percebi. Escutei bem lá no fundo dos erres, nas pausas engasgadas que fazia, do som da sua saliva descendo pela garganta.... Foi quando parei para prestar atenção nisso tudo que notei que o Renan estava chorando. Comigo, ao telefone.

Ele ainda falava, mas minha cabeça abstraiu completamente as palavras. Meu coração se acelerou tanto que foi quase impossível mantê-lo no peito. O nó na minha garganta cresceu e uma lágrima silenciosa escorreu pela minha bochecha quando ouvi Renan dizer:

— Por favor, quando a gente ficar mais velho e se você ainda estiver por perto, por favor, não me deixa ser igual ao meu pai...

Eu não acreditei no que estava acontecendo até acontecer.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora