Setembro I

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Por termos sido expulsos do time, por estarmos afastados do ciclo de convivência do pessoal, e por estarmos envolvidos em nossos próprios dramas pessoais, Renan e eu não nos atentamos muito para o resto do mundo naquele mês de volta às aulas.

Nem as Sextas-feiras D estávamos participando direito. Deixamos passar o Dia do Mendigo (o pessoal basicamente esfregou carvão na cara) e o Dia do Bebê (chupetas e mamadeiras, só). Na última sexta, porém, foi o Dia do Futebol e todos os do time foram com o "nosso" uniforme oficial. Meiões, caneleiras, chuteiras... Tudo o que tinha direito. Eu não me atrevi a colocar o uniforme, nem o Renan, então só ficamos observando de longe. Não imagino a confusão que teria sido se tivéssemos quebrado essa regra silenciosa...

Mas, quando Agosto acabou, a primeira semana de Setembro nos deu um pequeno vislumbre de como estava o clima entre nosso antigo grupo de "amigos", já que recebemos uma notícia que abalou quase que literalmente as estruturas do colégio.

Era dia primeiro, uma quarta-feira, quando notei ao subir as escadas o falatório vindo da secretaria no primeiro andar. Sim, dava para escutar em todas as partes do colégio provavelmente. Reconheci a voz na hora e, ao ver Felipe e Caíque de braços cruzados e cara de poucos amigos no corredor do nosso andar, sabíamos que alguma coisa tinha acontecido.

Não precisei chegar na minha classe, porém, para entender o que era: o time de futebol havia sido oficialmente expulso do campeonato intercolegial. Pelo visto, Carlos ainda estava tentando, mas a notícia chegou tarde e as inscrições que eles fizeram foram devolvidas — pelos meus cálculos, o campeonato já estava rolando, aliás, e eles só nos avisaram que não tinham nos incluído bem depois.

É claro que meu primo entrou colapso mental e saiu chutando tudo, até as pilastras da escola.

Ele gritava e xingava no primeiro andar e a inspetora gritava de volta. Os professores tiveram que interferir, atrasaram todas as aulas e, no fim, o Carlos ficou na secretaria o dia todo. Não era da minha conta, então não procurei saber o que houve com ele, mas acredito que uma advertência tenha sido o mínimo.

Manter o Carlos fora da minha vida e da mente, porém, era um trabalho árduo. Na hora do almoço, no meu encontro com a psicóloga, ela comentou sobre ele depois de ter se atrasado no atendimento.

— Desculpe a demora, Daniel. Estava atendendo um outro aluno... Carlos, Carlos Chagas. Ele é seu primo, correto? — Helena cruzava os dedos sobre a mesa.

— Infelizmente... — murmurei meio sem querer querendo.

Ela pediu que eu repetisse, mas só suspirei em resposta. É claro que tinha escutado, já que emendou o assunto:

— Vocês não são próximos? A informação que tive estava errada então? — continuei suspirando, ela também suspirou. — Quer conversar sobre isso?

Eu nunca quis conversar sobre nada com ela, essa é a verdade, né. Em todos os nossos encontros obrigatórios, posso contar nos dedos o número de frases completas que saíram da minha boca.

A psicóloga Helena permaneceu como sempre: me fitando incisivamente pra ver se me convencia com o olhar. O fracasso dela veio pela hora, já que seu celular vibrou indicando que nosso tempo se esgotara. Eu ainda precisava almoçar e ela tinha outros assuntos para cuidar além de mim.

— Bem, continuamos semana que vem, sim? — ela me encaminhou para a saída da sua salinha e colocou uma das mãos sobre meu ombro antes que eu a deixasse sozinha, porém, e pediu: — Tenho uma tarefa para você dessa vez, Daniel. Quero que pense um pouco sobre seu primo Carlos. Pense no que pode me contar sobre ele da próxima vez, está bem?

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora