Agosto VII

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Nossa conversa não aconteceu imediatamente. Nos dois dias seguintes, Renan continuou agindo como se nada tivesse acontecido. Aquela indiferença quase planejada. Nos encontrávamos entre as aulas, ele ficava do meu lado, respondia com monossílabos, vestia o semblante cansado e me afastava com a pouca importância que dava à minha presença. Sequer me olhou nos olhos direito, quanto mais respondeu minhas mensagens ou questionamentos.

Aquele não era o Renan que eu aprendi a gostar no decorrer daquele ano...

Minha vontade de conversar murchou completamente. Não que eu estivesse muito a fim no começo, mas ele tinha razão: havia vírgulas e pontos a serem colocados nos seus devidos lugares. Com esforço, concordei que precisávamos daquilo, só que eu não sabia como iniciar a tal conversa. Eu não sei como dar o primeiro passo das coisas! Não via uma brecha, não conseguia encontrar uma maneira de puxar o assunto... Então a vontade foi simplesmente morrendo dentro de mim.

Na quarta-feira de manhã, acordei com vontade zero de ir à aula depois dos dois dias de desgaste emocional por conta disso. Pensei em fingir uma doença qualquer, mas, ao levantar, escutei minha mãe mexendo na cozinha. Ela estava preparando meu café, provavelmente. Respirei fundo, tomei meu banho e fui encarar a realidade. Não sem antes espiar pela janela para ver que meu pai já tinha saído com o carro e.... e notar que havia alguém sentado no meio fio do outro lado da rua.

— Estou fazendo pão de queijo pra você! — minha mãe gritou ao me ver saindo pela porta da frente.

— Tá! Eu só vou aqui fora rapidinho, já volto. Ainda não estou saindo... — gritei de volta, já com metade do corpo para fora da casa.

Não pensei muito no que dizer ou fazer. Só simulei que tinha deixado cair algo na grama para observar o que o Humberto fazia. Ele andava de um lado pro outro, às vezes se agachava na calçada, notadamente nervoso. O celular estava ora entre os dedos, ora apertado na orelha... E da boca saíam milhões de xingamentos.

Ele notou minha presença uns bons cinco minutos depois. Me olhou, apertou os lábios e fechou os olhos como se estivesse se controlando ou algo assim.

Nem sei porque aquilo me chateou, mas resolvi voltar para comer meus pães de queijo e ir logo pra escola.

— Ei. — ouvi ele me chamar quando dei as costas. Não me virei de imediato, escutando seus passos se aproximarem. — Daniel.

Com o uniforme do próprio colégio — uma instituição particular conceituadíssima e reconhecidamente "rival" da minha —, Humberto remexia nas mangas do moletom que usava, apertando o aparelho de telefone entre os dedos.

— Escuta, não quero te atrapalhar, mas pode me dar uma informação? — levantei as sobrancelhas, confuso. Ele suspirou. — Preciso saber qual ônibus vai na sua escola. Não sei chegar lá.

— Na minha escola?

Impaciente, mas admitindo que era um pouco necessário, ele explicou que os irmãos já tinham saído para trabalhar, e de jeito nenhum acordaria os pais porque sabia que levaria uma bronca pelo que estava prestes a fazer. E seu cartão de crédito estava bloqueado porque chegara ao limite dos gastos, então não podia simplesmente pedir um carro pelos aplicativos que conhecia... E seu dinheiro físico não daria para um taxi dali até o colégio, do outro lado da cidade...

Em suma, ele precisava de mim porque não fazia ideia de onde, como ou qual ônibus usar. O único meio de transporte que ele conseguia pagar.

— E eu preciso ver a Maria. — foi como ele concluiu o relato meio desesperado. — Hoje é aniversário dela.

Não sei se dei alguma explicação direito, mas voltei para minha casa, peguei minhas coisas, embrulhei os pães de queijo da minha mãe e saí com meu vizinho rico para pegar ônibus.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora