Dezembro III

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Então é assim que meu ensino médio acaba. Um dia eu estou montando um robô, no outro eu já desliguei o alarme do celular. Não preciso mais acordar de madrugada, enfrentar um café da manhã silencioso ou pegar ônibus no ponto final e descer duas horas depois. Não preciso arrumar material escolar, colocar o uniforme pra lavar, ou sequer ligar o computador pra fazer uma pesquisa de última hora para a aula do dia seguinte.

No terceiro dia de férias (permanentes, até então), eu começo a entrar em pânico.

Não sei o que fazer dentro de casa. Toda hora fico esbarrando na minha mãe, que claramente também não faz ideia de como se comportar na minha presença. Ela não me dirige a palavra nem quando deixo seus rodos caírem, ou piso onde não devo enquanto ela limpa o chão. Ela sequer me chama para almoçar, porque faz basicamente três anos que não faz isso além dos fins de semana...

Me sinto mais que um intruso na minha própria casa.

Aliás, é num momento assim que me pego pensando sobre onde, afinal, é minha casa. Digo, meu lar, sabe? Onde eu realmente me pertenço, um lugar que me queira e que me sirva.

Definitivamente chego à conclusão de que não é ali mais, naquele condomínio, na casa de dois andares de frente à do Humberto, com um jardim, uma varanda e uma piscina no fundo.

Talvez nunca tenha sido.

Renan Souza: Vem ficar aqui comigo. Tb to morrendo de tédio.

(quarta-feira, 10:03)

Renan Souza: vou chamar um carro pra te pegar, tá? E se quiser dormir aqui...

(quarta-feira, 10:03)

Vou sem pensar duas vezes e o Renan me espera na portaria do prédio, de shorts e camiseta cavada, o cabelo despenteado e um bocejo atrás do outro.

— Não me olhe assim... Tava com sono atrasado há meses.

— Você praticamente hibernou nos últimos três dias!

— Eu disse meses. Não dá pra colocar o sono em dia tão rápido assim, sabia? — ele me cumprimenta com um beijo rápido, mas que faz o porteiro tirar o olho do jornal da TV pra nos observar. — Vem, a mãe da Bárbara tá fazendo uma lasanha pra gente.

Subimos, mas, no elevador, hesito um pouco porque ele não tinha mencionado que tinha visitas. Me sinto esquisito porque sei que a família inteira do Renan agora sabe sobre a gente, mas como essa moça — Vanessa, Vanessa — não é bem da família, não sei qual reação ela vai ter quando nos ver de mãos dadas.

É claro que nada disso preocupa o dono da casa, porque ele não desgruda de mim e continua falando em como os priminhos estão empolgados com as férias, e que a mãe teve que sair pra comprar sorvete pra eles, e que a Vanessa faz a melhor lasanha e blábláblá.

Renan é a tranquilidade em pessoa quando me apresenta (oficialmente) à Vanessa, e ele usa a nomenclatura "namorado" sem o menor esforço. Ela fica contente em "finalmente" me conhecer e ele cochicha dizendo que a mãe deve ter comentado, porque aquele obviamente é o assunto do ano na família deles.

— Calou a boca do meu tio, inclusive. Aquele que enchia a boca pra falar que sabia sobre eu e o Sander ano passado... — Renan dá de ombros. — Bem, olha só: agora todo mundo sabe. E foda-se.

Os primos dele realmente estão empolgados. Encontro os dois no quarto do Renan, jogando alguma coisa no notebook dele. Um garotinho e uma menina, que eu já vi antes e que o Renan obviamente já me falou sobre, mas não me lembro exatamente do nome de nenhum deles. Então sou apresentado de novo como "o namorado" para a Bárbara e o Miguel, que fica meio confuso por um momento sem que eu saiba exatamente o porquê. Mas essa confusão se desfaz rapidamente, porque a menina chama a atenção dele pra jogar e eles mergulham de novo na tela do notebook, esparramados no chão.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora