Junho II

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Juro que tentei escapar da sessão com a nova psicóloga na quarta seguinte, mas foi em vão. Principalmente porque o próprio Renan meio que me incentivou a encontrá-la:

— Sei lá, se você não fala com a gente, vai que fala as coisas com ela, né... — ele encolheu os ombros, mas eu revirei os olhos, impaciente.

A questão não era aquela: eu não diria nada do que ela estava esperando. Ainda tinha passado umas boas noites em claro tentando entender quem a aconselhara a me procurar. Digo, não que os professores não parecessem preocupados ­— na verdade, eles pareciam até demais. Nas aulas, me perguntavam duas, três vezes se eu tinha entendido a matéria, e ainda se ofereciam para explicar de novo.

Essa atenção repentina era vista com desconfiança por alguns — vez ou outra eu pegava o William, do meu lado esquerdo, me dando algumas olhada esquisitas. Meu primo, do lado direito, bufava e retrucava com mais frequência que o necessário. Eu mesmo me sentia incomodado de ficar respondendo toda hora que sim, eu havia entendido a matéria — e eu nem estava mentindo! Bem, não na maioria das vezes, pelo menos... Mas cheguei ao ponto que era preciso me forçar a entrar nos trilhos de novo, e parece que a coisa estava andando, sabe? Com a cabeça no lugar durante as classes, e as revisões extras que fiz questão de ter em casa, todos os dias depois da aula. Eu não podia perder média mais; as férias de meio de ano estavam quase aí e se a palavra "recuperação" surgisse, seria meu fim. Mesmo.

Cheguei a pensar que ligariam pros meus pais. Sabe, pra contar das notas que eu mesmo não tive coragem de anunciar em casa. Mas a teoria da psicóloga era que eu estava tendo problemas justamente por lá, então não queria incitar uma briga.

— Sei que às vezes a gente pode passar por dificuldades no ambiente familiar, mas a adolescência faz com que tudo seja meio exacerbado... — ela girava uma caneta na ponta dos dedos enquanto me encarava, do outro lado da sua mesinha.

Mantive minha respiração estável, ou tentei manter. Ela continuou falando sobre ambientes seguros para desabafar, como seu escritório, ou alguns telefones (e me passou uma série de cartilhas com diversos números).

— Mas o melhor mesmo é a gente encontrar pessoas com as quais podemos nos sentir seguras, não é mesmo? — ela sorriu. Havia um crachá pendurado no bolsinho da sua blusa social. Li o nome "Helena" e gravei a informação que me escapara na semana anterior. Ela não notou meu desinteresse, é claro, e continuou: — Como vão suas amizades, Daniel...? Ouvi falar que você é bem reservado.

Nós nos encaramos. Suspirei.

— Meu melhor amigo está nos Estados Unidos.

Ela ficou tão surpresa por eu ter respondido que piscou várias vezes antes de se remexer na cadeira e comentar:

— O-ora, mas... Bem, não há empecilhos hoje em dia, não é verdade? Internet, telefone... E ele certamente voltará-

— Ele mora nos Estados Unidos. — eu a interrompi.

Ela apertou a caneta.

— Como estava dizendo, hoje em dia não temos muitos problemas com isso. Por mais que possa ser difícil a distância, ainda há comunicação, certo? — respirei fundo. Ela girou a caneta de novo. — Mas, e por aqui? Você tem alguém em quem se apoiar no colégio, a gente sempre tem... Você convive com os garotos e garotas aqui dentro por boa parte dos seus dias. Talvez até mais do que sua própria família...

Ficamos nos encarando por alguns minutos até alguém bater à porta. Ela pediu desculpas, a estagiária-secretária enfiou a cabecinha na sala e comunicou que a diretora estava chamando-a em sua sala. Urgentemente.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora