Seu olhar não era carregado, não me pressionava a nada. Eu já o conhecia bem demais pra saber que ele só estava preocupado de verdade.

Reúno o fôlego e chamo ele pra sentar do meu lado na sua cama de solteiro, que tem servido muito bem ao papel de acomodar nós dois todas as noites sem nos deixar com dor na coluna nem nada. Passei a mão pela colcha azul arrumadinha e contei:

— A faculdade me ligou dizendo que as matrículas começam em Janeiro.

Renan demora um tempo para entender e vejo seu pomo de Adão subindo e descendo sem que ele consiga verbalizar qualquer coisa.

— Entendi. — e quando o faz, parece que tem um bloco de concreto sobre seus ombros. Sua expressão morre e eu busco sua mão pra colocar entre as minhas, chamando sua atenção.

— Eu tomei uma decisão e não quero que você brigue comigo por não termos falado sobre isso antes, e nem por estarmos falando nisso agora, mas... — ele me olha de lado, tentando adivinhar o que vou falar, mas tenho certeza de que não é o que digo logo em seguida: — Eu não vou me matricular.

Renan endireita a postura, a testa franzida, e praticamente grita:

— Espera, o quê?!

Eu sabia que ele ia exagerar, então reviro os olhos sentindo um pouquinho de triunfo por conhecê-lo tão bem agora. Antes que ele resolva desatar a falar, eu retomo:

— Decidi que não vou começar faculdade nenhuma ano que vem. Não vou me mudar pro interior. Quero trabalhar primeiro, conhecer o mercado, fazer uns "contatos", como seu irmão diz... Talvez fazer alguns cursos pra conseguir me sustentar sozinho. Afinal, eu não posso ficar morando de favor no seu quarto pra sempre! E eu não vou voltar pra casa dos meus pais, isso tá fora de cogitação. — respiro fundo, colocando um ponto final numa parte da minha vida que eu sempre vi como futuro: — É isso. Eu não vou estudar nada por enquanto. Escolhi fazer parte da massa de desempregados desse país.

Renan pisca de novo, hesitante. Meu coração está acelerado, as mãos dele entre as minhas devem estar molhadas com meu suor, mas ele não se incomoda. Antes de comentar qualquer coisa, meu namorado se inclina na minha direção e me puxa pela nunca para um beijo.

Sinto um nó na garganta se apertar, mas eu o engulo pro Renan poder falar.

— Daniel Henrique: você faz a menor ideia do quanto eu tive que estudar pra passar de ano e passar no vestibular só pra continuar seguindo os seus passos?!

Meu coração dá um salto e eu perco a fala, surpreso com o comentário. Renan continua, ainda com uma das mãos na minha nuca, o olhar a três centímetros do meu:

— A gente conversou sobre isso em Setembro, na reunião de pais e mestres, lembra? Eu achava que você era a pessoa que mais queria ir pra faculdade nesse mundo inteiro! Entre todo mundo, você era o único que todos tinham certeza de que ia se dar bem, que queria isso! E você não pode negar que quer, Dani! Pelo amor de Deus, você fez tudo escondido de todo mundo, passou no vestibular que queria, conheceu a porcaria do Leonardo por causa disso — ele revira os olhos e eu solto uma risada anasalada com a menção ao Leo. — Você não pode jogar tudo pro alto só porque acha que não vai dar conta sem nem mesmo ter tentado-

— Renan, espera, olha. — eu o interrompo. — Você sabe muito bem que não é só uma questão de "tentar". Como... com que dinheiro eu vou me sustentar no interior?! Eu nem tenho onde morar nas atuais circunstâncias!

Renan bufa alto, se afasta e pega o celular para me mostrar alguma coisa. Ele se demora uns minutos e se aconchega mais para perto de mim. Pelo braço em volta do meu pescoço e os dedos enfiados no meu cabelo, sei que ele não está nervoso de verdade, nem chateado, nem nada do tipo. Mas não faço ideia porque ele está tão tranquilo até me mostrar a tela do celular.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora