De novo percebo o olhar estranho vindo da minha colega de sala, mas ela continua conversando com o Renan como se eu não tivesse aparecido. Comento isso com ele assim que temos um tempo a sós, mas Renan não acha nada de estranho.

— Pelo contrário. A Mariana parece super empolgada quando converso com ela. Vai ver é porque eu também sou mais chegado das meninas da minha sala, da Juliana e da Karina, sei lá... — ele dá de ombros e eu me forço a esquecer mais essa bobagem.

A sexta-feira seguinte pede um traje à caráter: chinelos e meias coloridas. Não tenho nenhuma, então obviamente que o Renan arruma alguma coisa pra nós dois e sou obrigado a tirar meus tênis no meio da pracinha pra andar com ele até o colégio. Antes de entrarmos na escola, porém, uma cena nos chama atenção: Carlos está conversando com um cara barbudo de touca no quarteirão em frente à sorveteria. Há uma menina ao lado dos dois e, mesmo de longe, ela é meio inconfundível: Nayara.

Renan e eu automaticamente vasculhamos os arredores pra ver se a Natália está por perto, mas são só os três. Meu primo conversa com o cara enquanto ela mexe no celular, recostada no muro da escola, soando muito desinteressada. Não quero que ele nos note, mas, num acordo tácito de curiosidade, Renan e eu paramos na esquina para ajeitar as meias e observar mais um pouco.

O cara tem muita pinta de malandro, e o jeito com que Carlos inclina a cabeça e mantém as mãos nas alças da mochila me diz que ele não está satisfeito com a conversa que estão tendo.

— Cê sabe quem ele é? — Renan murmura, eu nego. — Ele não contou em casa que tá namorando ainda, né?

— Não, nada. E você viu como ele e a Natália discutiram sobre isso...

— É, tem alguma coisa estranha na parada. — a irmã da Natália guarda o celular no bolso e diz algo pro cara, ignorando meu primo. Renan e eu nos apressamos para entrar no colégio antes que eles nos vejam ali.

A aula de robótica é animada naquela sexta-feira. Nós todos nos juntamos no centro da sala para, finalmente, construir um robô de verdade. Tudo bem que ele é feito de papelão e elástico, mas se mexe, tem engrenagens e conseguimos fazer com que ele fique de pé sem cair hora alguma. O professor ainda usa o momento para exaltar nosso desempenho como um time, porque as duas salas trabalham juntas, e todo mundo parece muito satisfeito com a menção e, pelo menos em mim, isso me traz lembranças da dinâmica do barbante.

No sábado temos simulado de manhã, mas, quando chego no portão da escola, dou de cara com o ex-goleiro do time: Joel. Ele está sentado nas escadarias da entrada, conversando com a Juliana, e se levanta para me dar um abraço de lado. Faz tempo que não nos encontramos pessoalmente, desde a Festa Junina, na verdade, e a primeira coisa que noto é que ele não está usando as muletas.

— Finalmente, cara! Não aguentava mais! A fisioterapeuta me liberou essa semana e eu já tô super de boas, então resolvi passar pra dar um alô! Cadê o Renan?

— Atrasado, como sempre, né. — não sou eu que respondo, é a Mariana, que chega perto da amiga e se junta à conversa.

Fico observando os três conversando até que a Karina chega com o Pablo, que está todo vestido de preto, contrariando as regras da escola de ir de uniforme até aos sábados. Os dois não estão de mãos dadas nem nada, mas são claramente o novo casal da turma porque não se desgrudam desde o dia da dinâmica. Enquanto estou observando o Joel cumprimenta-los meio sem graça, já que não tem intimidade com o Pablo e muito menos com a Karina, que não faz parte da nossa geração do ensino fundamental, levo um susto com um braço me enlaçando pela cintura.

Minha reação automática é me afastar bruscamente, claro, e ouço a risada alta do Renan antes de enxerga-lo direito. Ele pisca pra mim sem dizer nada e vai em direção ao Joel. Os dois se abraçam e trocam alfinetadas amigáveis: Joel diz que Renan engordou e está desleixado, deixando o cabelo crescer. Renan devolve dizendo que ele emagreceu e agora parece um pug, cheio de dobrinhas. Nada soa ofensivo e eles trocam gargalhadas entre si. Renan me puxa pela mão pra ficar por perto, mesmo que eu não esteja muito falante hoje (e em nenhum dia, vamos ser sinceros). Ele fica com a mão meio que brincando com meus dedos enquanto os observo... Só a proximidade já me deixa mais leve.

É então que o Joel lança a seguinte questão:

— Cês não têm aula hoje, né? Digo, aula aula e tal... Não, né? Então que tal darmos uma voltinha? Tipo, eu não vim aqui à toa, né, pra ficar cinco minutos do lado do portão e ir embora.

Todo mundo entende o que ele está sugerindo na hora, mas ninguém diz nada a princípio. Pablo é surpreendentemente o primeiro a levantar a mão e soltar:

— Eu topo.

Karina olha de lado pra ele e encolhe os ombros, assentindo.

— Ótimo, vamos pra onde? — Juliana enlaça o braço na Mariana e as duas sorriem, concordando.

Eu nunca matei aula na vida. Sério. Acho que o dia em que eu e o Renan ficamos de fora no primeiro horário para conversar não conta, certo? Foi só um horário e nós voltamos para a sala depois sem nenhum problema ou puxão de orelha. Foi só como se tivéssemos chegado atrasados, então na minha cabeça isso definitivamente não conta.

As únicas vezes que faltei deliberadamente foram por motivo de doença (ou fingindo a doença, né) ou por outro compromisso familiar. Já deixei de comparecer à aula porque estava treinando com o time de futebol, por exemplo, por causa de campeonatos diversos. Mas escolher estar fora da escola quando obviamente deveria estar dentro, e durante um dia letivo inteiro? Nunca.

Acho que ninguém sabia disso, nem o Renan, mas eu o vejo levantando uma sobrancelha na minha direção enquanto exerce uma leve pressão na minha mão que ainda está segurando displicentemente. Ele não hesitaria se não fosse por mim, tenho certeza.

Respiro fundo e, quando vejo meu primo descer do carro em frente ao portão, devolvo a pressão na mão do Renan e digo:

— Estamos esperando o quê?

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Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora