No canto oposto na mesa gigante, meu primo Carlos estava sentado conversando com dois caras quase idênticos. Gêmeos, na verdade: Gabriel e Rafael.

Também fazia muito tempo que eu não os encontrava, desde a vez que apareceram no treino de futebol de supetão. Quando me aproximei da mesa, porém, minha mãe me passou um potinho com arroz doce... e os gêmeos me chamaram. Pensei ter ouvido errado, mas não: eles gritaram meu nome e gesticularam para que eu chegasse perto, então eu fui, pé ante pé. Carlos não levantou o olhar enquanto eu os cumprimentava, nem quando eles deliberadamente me incluíram na conversa que estavam tendo.

Os dois não haviam mudado um fio de cabelo sequer — aliás, minto. Os cortes estavam mais retos e menos joviais, eu acho. Mas fora isso pareciam os mesmos moleques de sempre: jeans, camiseta de marca, tênis de corrida e gelzinho nos cabelos castanho-claros, iguais aos do Luiz Eduardo, com quem compartilhavam a genética.

— E aí, nerd? — Rafael apertou minha mão livre.

— Bom demais? — Gabriel fez o mesmo no meu ombro esquerdo, passando o braço sobre ele, soando muito amigável.

Eles conversavam sobre o que era a vida depois do ensino médio. Como já era de conhecimento nosso, os gêmeos tinham ambos entrado na faculdade de administração, acredito que mais por pressão familiar que qualquer coisa, e diziam estar finalmente empolgados com a ideia de serem universitários por causa das festas. Ambos estavam trabalhando também, quatro horas por dia, na agência bancária na qual o pai era gerente.

Enquanto ouvia os dois falando, aquele sentimento que eu normalmente tinha ao escutar basicamente qualquer um dos meus colegas ricos foi se apossando de mim. Eles tinham oportunidades que eu jamais tive e sequer imaginava que teria. Quando que eu conseguiria um estágio num banco no primeiro período de faculdade?! Aliás, não só eu, mas qualquer pessoa "normal", sem os contatos que eles tinham...

Os gêmeos não eram estudiosos, nunca foram. Fiquei imaginando quantas pessoas mais esforçadas e dedicadas estavam sendo privadas de um emprego só porque o pai dos dois mandava no negócio. E imaginei quantas vezes mais eu teria que me esforçar só para conseguir parar de cogitar aquelas hipóteses e visualizar um futuro meramente possível pra mim...

— Cês viram o Joel aí? Ele tá fortão! Nem parece que ficou aquele tempo todo no hospital... — Gabriel comentou, me tirando do devaneio.

Carlos subiu uma sobrancelha, completamente desinteressado. O irmão continuou a conversa, como sempre faziam, sem depender de ninguém "de fora" pra manterem o diálogo:

— Pois é! Ele se recuperou de boa né... — Rafa concordou.

Respirei fundo e resolvi abrir a boca.

— Nem tão "de boa" assim. — os dois se viraram pra mim. — Ele passou por maus bocados, ainda passa, aliás. Mas ninguém parece ligar muito.

— Que isso, velho! Claro que liga! Ele mudou de colégio, né? Se tivesse aqui, seria outra coisa. — Gabriel disse.

— Aposto que todo mundo ia tratar ele feito rei. — Rafael complementou. — Tipo, não que ele não tenha passado os maus bocados, claro, e todo mundo ficou preocupado. Não iam deixar ele passar necessidade nem nada. Cês iam super apoiar ele em tudo...

Encolhi os ombros e olhei de soslaio pro meu primo, que em algum momento havia cruzado os braços e desviado o atenção da conversa.

— Nunca saberemos. — concluí, apesar de saber, sim, que não seria bem daquele jeito.

Não sei se os dois iam continuar o assunto, porque alguém apareceu nos interrompendo e me dando um susto enorme. Vindo de alguma posição às minhas costas, Luiz afastou uma das cadeiras da nossa mesa para poder passar por mim e chegar aos primos, com os quais trocou algumas palavras sem se preocupar com a minha presença (ou a do Carlos).

— Toma. Seu pai pediu pra vocês não irem embora tarde. — pelo que vi, Luiz havia entregado as chaves de um carro pros dois.

— Eles vão com sua mãe? — Rafa perguntou, Luiz fez que sim com a cabeça. — Vão levar a Milena?

— Sim, vai todo mundo num carro só. — eles pareceram questionar algo que não escutei, e o Luiz concluiu. — Eu vou ficar, então vai caber todo mundo no nosso carro.

— Vai voltar com o William? — Gabriel perguntou, tirando as chaves da mão do irmão. Da cadeira à nossa frente, Carlos voltara a observar a conversa com certa impaciência no olhar.

Notei quando o Luiz revirou os olhos e imediatamente reprimi um riso.

Era impressionante o quanto os gestos dele me eram familiares.

— Por quê? Vocês vão me levar em casa?

Os gêmeos se entreolharam e deram de ombros.

— Se não formos fazer nada depois daqui, pode ser, ué.

O primo deles suspirou audivelmente.

— Tá, sei. A gente se fala depois, beleza? — e saiu sem dizer muito mais, ou sequer olhar pra mim ou pro Carlos.

Os gêmeos discutiam algo sobre as chaves que lhes foram entregues quando meu primo reclamou atenção com um suspiro forçado, um "ai,ai" rabugento. Nós o fitamos, os gêmeos com as sobrancelhas arqueadas.

— Agora cês viraram todos amiguinhos? — percebi quando Carlos me lançou um olhar rapidamente antes de concluir a fala. — Ou toleram porque são parentes, né, é isso?

Os gêmeos se entreolharam; acho que estavam conscientes de que a cutucada do Carlos se referia a mim. Eu estava muito consciente disso, o que deve ter feito minhas feições me denunciarem, porque enfiei o potinho de arroz doce quase todo na boca pra não ter que interagir.

— Nunca fui inimigo do Luiz — o Rafa afirmou. — E sei lá, ele não é uma pessoa diferente.

— Pra falar a verdade, ele melhorou pra caramba depois que começou a namorar. — o Carlos abriu a boca em incredulidade e o Gabriel continuou: — É sério! Tipo, ele meio que deixou de ser crianção, saca? Porque o Luiz sempre foi mais paradão e tal. E o William meio que empurra ele pra frente, sei lá. Não sei explicar.

— Epa, calma lá que não quero saber da vida sexual do seu priminho não, valeu. — Carlos descruzou os braços e fez sinal pra eles parassem. Os gêmeos riram de lado.

— Tipo, sei que tu não gosta "dessas coisas", mas deixa eles serem felizes, ué. Não tá te afetando em nada... — Rafael subiu os ombros, me lançando um olhar rápido, mas certeiro. — Na verdade, se for reparar bem, fica até bem melhor pra nós.

Os gêmeos se entreolharam e se cutucaram, rindo.

— Quanto mais cara gay, mais sobra menina pros héteros, né não?

Aquele pensamento era ridículo, mas confesso que as palavras me deixaram um pouco menos incomodado com os dois. Não me lembro de já ter ouvido os gêmeos falando algo do tipo, ou sequer comentado sobre o primo daquela maneira, mas o posicionamento levemente contrário ao Carlos me agradou. Eles não o contradisseram explicitamente, mas as entrelinhas eram muito visíveis, pelo menos pra mim.

E o Carlos não gostou muito do opinião deles, tanto que se esforçou pra mudar de assunto logo em seguida, então só pelo desconforto do meu primo dei um crédito a mais ao Rafa e o Gabriel.

Sair do ensino médio tinha realmente feito bem pros dois. Será que faria milagre com outras pessoas também? Instintivamente torci que sim, porque infelizmente minha convivência com algumas não se resumiria aos tempos de escola.

Afinal, família a gente não escolhe, né.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Né?

Vou postando mais vezes porque Julho é um mês atribulado na vida dos meus meninos, então pega a cadeira e senta aí porque temos MUITA coisa pra rolar ainda.


Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Where stories live. Discover now