– Sim. – ele franziu a testa e chutou uma pedrinha no meio do caminho. Um minuto depois, reconsiderou: – Quero dizer, sim. Nos falamos no carnaval, isso não tem nem uma semana. Por quê?

– Nada. – disse rápido demais, Renan me olhou de soslaio, um pouco desconfiado. Suspirei. – Ele não me respondeu ao último e-mail, só isso. Também foi no carnaval, mas na segunda-feira. Só achei que, sei lá, pode ter acontecido algo.

– Ou pode ser só saudade. – Renan riu.

Acompanhei o sorriso, mas não me senti tão leve assim. Aproveitei e marcamos o Skype para o dia seguinte, na parte da tarde, depois das aulas. Renan recomendou que fôssemos pra sua casa porque a internet lá era melhor e não teria ninguém para nos atrapalhar, já que o irmão trabalha e a mãe estaria com a cunhada por algum motivo.

Aceitei. Minha intuição dizia que precisaríamos de privacidade, mesmo.

***

A primeira sexta-feira de Março estava nublada e úmida, mas ainda quente. E prometia ser dolorosa já que começou com meu primo Carlos aparecendo de supetão na porta da minha casa quando estava me aprontando para pegar o ônibus.

– Te dou uma carona. – ele disse, enquanto minha mãe fazia questão de arrumar uns biscoitos pra ele levar de "merenda". – Não esquece que hoje é dia de ir de guarda-chuva...

O Dia D era andar de sombrinha no colégio. Peguei uma qualquer e evitei negar a oferta porque meu tio Wagner, seu pai, estava ao telefone no Honda Civic da família, esperando nós dois. Antes de sair, minha mãe me puxou de lado e pediu:

– Não esquece de agradecer, tá? – assenti à contragosto e ela diminuiu ainda mais o tom de voz: – Vai ser bom economizar esse dinheiro da passagem pra comprar um pacote de feijão pelo menos...

Meu estômago se contraiu com o comentário. Eu não tinha prestado muita atenção, na ânsia de não ficar no mesmo cômodo que meu pai, que seu pagamento estava atrasado. Mais uma vez. Será que meu tio sabia...?

Me acomodei no banco de trás do veículo enquanto meu primo trocava os canais de rádio compulsivamente. Meu tio ficou ao telefone durante uns bons dez minutos, parecia nervoso. Ele usava um terno caro, como de costume. Nos dedos que guiavam o volante vislumbrei dois anéis dourados: uma aliança e um outro, adornado com uma pedra preciosa negra. Também vestia um relógio Rolex dos últimos modelos lançados – não que eu tenha a menor noção de modelos de relógio, mas tenho certeza absoluta que ele não usaria algo inferior a isso.

Quando desligou o telefone e pediu ao filho que parasse de trocar os canais, ele se virou pra mim do retrovisor:

– Daniel, seu pai já tinha saído pra trabalhar? – me encolhi, um pouco desconfortável pelo tom de voz de acusação, eu acho. Respondi que sim e tio Wagner bufou, negando com a cabeça. – Tsc. Aquele cabeça dura! Eu disse que podia dar a carona... Mas não, ele tem que fazer tudo sozinho. Ele já recebeu o último pagamento, por acaso? Deu uma prensa naquele vagabundo do chefe dele? Aposto que não, né?

É claro que ele sabia.

Meu pai era servente de pedreiro. Ele não se orgulhava nem um pouco disso, mas era a única coisa que conseguia fazer. Literalmente. Ele sequer conseguira arrumar emprego, esse emprego incluso, sem a ajuda do pai do Carlos! Aliás, não teríamos muitas das coisas se tio Wagner não ajudasse, isso é verdade, mas todas elas são imensamente mais difíceis quando meu pai inventa de dar palpite.

Eu odiava essa situação toda porque me sentia de mãos atadas. Eles nunca me deixaram trabalhar e de jeito algum dava pra fazer escondido: meu tio conhecia praticamente a cidade inteira.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora