Aprendendo a Gostar de Você {...

By jardimsecreto

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O último ano do ensino médio foi premeditado como sendo uma verdadeira catástrofe e, eventualmente, com sorte... More

Sinopse e Informações Gerais
Janeiro I
Janeiro II
Janeiro III
Fevereiro I
Fevereiro II
Fevereiro III
Fevereiro IV
Fevereiro V
Fevereiro VI
Fevereiro VII
Fevereiro VIII
Março I
Março II
Março III
Março IV
Março V
Abril I
Abril II
Abril III
Abril IV
Abril V
Maio I
Maio II
Maio III
Maio IV
Junho I
Junho II
Junho III
Junho IV
Junho V
Julho I
Julho II
Julho III
Julho IV
Julho V
Julho VI
Julho VII
Julho VIII
Julho IX
Julho X
Agosto I
Agosto II
Agosto III
Agosto V
Agosto VI
Agosto VII
Agosto VIII
Setembro I
Setembro II
Setembro III
Setembro IV
Setembro V
Setembro VI
Setembro VII
Outubro I
Outubro II
-----------------------------
Outubro III
Outubro IV
Outubro V
Outubro VI
Novembro I
Novembro II
Novembro III
Novembro IV
Novembro V
Novembro VI
Novembro VII
Novembro VIII
Dezembro I
Dezembro II
Dezembro III
Dezembro IV
Dezembro V
Dezembro VI
Dezembro VII
Dezembro VIII
Dezembro IX
Dezembro X
Agradecimentos
Playlist AGV
Dream Cast - Série "Aprendendo"

Agosto IV

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By jardimsecreto

No mesmo sábado, eu e o Renan fomos excluídos do grupo de WhatsApp do time. Sem explicações, sem despedidas.

Nenhum dos integrantes veio dizer qualquer coisa; acredito até que o Carlos os ameaçou caso alguém resolvesse conversar conosco.

No domingo, meu pai convidou meus tios para almoçar na nossa casa, mas tio Wagner deu a desculpa que a mulher estava passando mal e ficariam em casa. Meu pai insistiu e disse pro Carlos ir com o carro, sabendo (não sei como) que ele já trafegava sem a habilitação mesmo. Meu primo sequer atendeu o telefone.

Alívio foi o que senti, porque de jeito nenhum queria aquele encontro. Estava tentando adiá-lo o máximo possível. Sabe-se lá o que poderia acontecer.

Como estava relativamente tranquilo de afazeres no colégio, fiquei navegando na internet no domingo, pensando para responder um e-mail do Sander enquanto olhava algumas fotos no Facebook... e então percebi que meu primo havia me excluído do dele. E bloqueado. E me expulso do grupo secreto que tínhamos na rede também.

"Aguenta firme porque sei que você consegue."

A voz do Renan ficava retumbando na minha cabeça enquanto eu rolava a página principal, notando que muitas atualizações do pessoal da escola estavam desaparecendo, os números diminuindo, me contando que eles tinham me colocado ou na lista de restrito, ou me excluído mesmo...

"Aguenta firme porque sei que você consegue."

Estou acostumado a me preparar mentalmente para as mais diversas situações que possam ser constrangedoras ou ameaçadoras, coisas do tipo. Meu passatempo no ano anterior era ficar criando momentos imaginários em que eu teria de sair de encurraladas, ou responder perguntas com as quais meu coração se acelerava. O desafio era controlá-lo, deixar transparecer o menos possível que aquilo me afetava. Fazer a famosa cara de paisagem.

Quantas vezes imaginei meus amigos — ou quem eu ainda chamava de amigo na época — me questionando minha "obsessão" pelo Luiz Eduardo? Quantas vezes pensei que o João Vítor descobriria sobre mim, e quantas dessas vezes eu tive que parar o pensamento pra poder voltar a respirar?

Alguns desses momentos chegaram a acontecer — pelo menos uma parte deles. Mas nunca, nem no meu pior cenário, imaginei que aconteceria do jeito que estava acontecendo.

A semana seguinte no colégio foi repleta de rumores e fofocas. As meninas, Natália e Isadora, que já antes não vinham falando muito comigo, cortaram qualquer relação de proximidade também. Meu primo pediu para mudar sua carteira de lugar e foi para o meio da classe, elas o acompanharam. Quem sentou-se do meu lado direto foi a Camila e, atrás dela, o Diego.

É lógico que todo mundo ficou sabendo da expulsão, principalmente porque o Renan foi incluso nessa e o time passou a ignora-lo também. Não que estivéssemos nos importando muito — como ele comentou, não era isso que queríamos? Afastá-los? O problema era que a pressão de estar do lado de fora era muito palpável. Todos olhavam pra gente e, quem não sabia do ocorrido, ficava especulando.

"O que houve? Eles não são primos? Por que a expulsão? Quem brigou com quem? E por que o Renan também saiu? O time acabou de vez?"

Já na primeira Educação Física seguinte, na segunda, notei que a convivência com o resto das pessoas seria dolorosa. Por mais que fizéssemos exercícios conjuntos de alongamento, o professor Fernando tinha voltado com os esportes — futebol, claro, peteca e vôlei. Os grupos de todos já estavam formados, as panelinhas eram praticamente intransponíveis.

Com pesar, percebi que eu não me encaixava em nada a não ser no futebol. Foi um sofrimento constatar que uma das aulas que eu mais gostava havia virado um inferno. Sou péssimo em vôlei, e a maioria dos jogadores era da sala B... Peteca estava fora de cogitação porque era onde o grupo da Maria Eduarda se concentrava.

— Vamos cuidar da horta. — Renan me disse assim que saímos do vestiário. — Fizemos a inscrição no começo do ano, lembra? Podemos tirar as aulas de EF e substituir pela hortinha. Não precisamos aguentar isso.

Eu havia me esquecido daquele detalhe, principalmente porque mal participávamos da atividade. Me lembrei que ele havia me obrigado à me inscrever justamente por precaução, caso saíssemos do time.

Renan havia se tornado um belo médium.

— O que vou fazer sábado à tarde? — eu me perguntei, porém. — Não posso voltar pra casa mais cedo...

Meus pais sabiam dos treinos de futebol na escola. Se eu voltasse depois das aulas, me questionaram horrores por não ter ficado para jogar. Aparentemente o Renan também já tinha pensado naquilo:

— Ué, você vai ficar comigo, vamos sair. Podemos ir ao cinema, ir lá pra casa, pra pracinha, qualquer coisa. Opção é o que não falta, né? — ele me lança uma piscadela charmosa e eu rio, aceitando.

***

O segundo fim de semana de Agosto trouxe o Dia dos Pais junto de si. Eu odiava a data, porque a necessidade de demonstrar carinho forçado ao meu próprio pai me deixava mentalmente esgotado. Vovó sempre fazia um almoço ou algo assim, e meus tios se reuniam, como era de costume no Dia das Mães também. Naquele ano não foi diferente e rumamos para a casa dela bem cedinho, minha mãe prometendo ajudar no preparo da comida.

Minha avó não tinha a menor condição mais de ficar no fogão, e como a cuidadora era dispensada no domingo, minhas tias e minha mãe arrumavam para que nada a estressasse muito. Era um feito raro, porque vovó se estressava com cada detalhe que não saía como sua cabecinha imaginava. Até a toalha de mesa tinha que ser a que ela queria, senão a briga era certa.

Era o primeiro momento familiar que eu teria com o Carlos depois do ocorrido no fim das férias. Ele também chegou cedo com os pais, e ficou assistindo TV enquanto eu procurava ajudar na cozinha, na limpeza, no que fosse para ficar longe deles. Meu tio Wagner ainda fez o favor de soltar umas piadinhas sobre aproximação "pai e filho" que me causaram enjoo.

— Tem que sair pra pescar, depenar uns frangos, hein? Fazer coisa de homem junto! — ele riu. Meu pai se manteve calado, bebendo cerveja. — Carlos e eu fomos pescar dia desses aí, foi ou não foi bom, hein, filhão?

Da sala, meu primo resmungou algo ininteligível, mas que eu tinha quase certeza de que não era exatamente um "sim".

Meu pai não concordou muito com tio Wagner, porque ele sabia que convivências forçadas desse jeito tendiam a piorar nossa "relação". E daí que tio Gilson se enfiou na conversa e mandou que ele me ensinasse a jogar cartas — poker, buraco, essas coisas.

Tio Wagner não gostou muito da insinuação, porque nesse quesito pelo menos acho que ele concordava comigo. Eu os ouvi dizer que meu pai não precisava apelar para o jogo pra ficar mais próximo de mim...

— O negócio é que o Paulo aqui tem que focar no que não envolve dinheiro, né? — tio Wagner disse. Meu tio Gilson fez um muxoxo.

— Ah, Wagner, deixa de ser ranzinza. O Paulo tá em casa e faz tempos que não joga, né, não vai ter problema. E outra, ele não ia jogar sozinho. Só aqui, entre nós, como a gente já faz mesmo! Daniel precisa aprender essas coisas de homem, imagina só daqui um tempo ele numa mesa de faculdade, todo mundo jogando um carteado e ele sendo o único que não sabe?

— Então cê já ensinou pros teus filhos? — meu pai perguntou, tio Gilson riu.

— Mas é claro! E os moleques são bons, viu? Te derrotam facinho.

— Ah, duvido! — meu pai estufou o peito. — Ainda sou um dos melhores, não é qualquer criança que consegue ganhar de mim, não.

— Há, vamos ver então!

E tio Gilson botou os dois filhos, Maycon e Marlon, de pouco mais de dez anos de idade, pra jogar truco com meu pai. Minha mãe e tio Wagner ficaram olhando de longe enquanto eles gritavam, batiam mãos na mesa e gargalhavam a cada jogada. Os meninos pareciam empolgados e deixaram os adultos ainda mais pilhados com a situação.

A cena, de novo, me fez ter vontade de vomitar. O pai do Carlos ficou visivelmente incomodado e começou a andar de lá pra cá dentro de casa até minha avó perceber e se enervar também.

— Tira esses meninos dessa mesa, Gilson! — ela chegou a gritar. — E tira essas cartas da mão do Paulo que ele tem mais o que fazer da vida do que ficar brincando com o passado.

Vovó colocou a mão no peito e se sentou no sofá da sala com dificuldades, claramente sentindo efeitos físicos com a cena. Eu tive sinceras vontades de chorar, mas me controlei o máximo que consegui, segurando a mão da vovó enquanto o resto do povo tirava meu pai das suas vistas.

Só não digo que foi o pior dia dos pais porque já vivi muitos em que sequer tive a presença do cara de nome Paulo, que dizia ser meu pai, mas que justamente ficava jogando na rua até tarde, às vezes sequer voltava pra casa. Eram dias e noites em botecos, em casas de jogos, no meio de cartas, de apostas, de máquinas e cartelas de bingo. Eram tempos de tensão inesgotável.

Meus tios costumavam brincar que se meu pai tivesse me ensinado a jogar na época, talvez ele não tivesse passado por tantos apuros, já que eu era mil vezes mais inteligente — nas palavras deles, claro.

Em vez disso, o senhor Paulo Chagas me usava como escudo.

Desde criança aprendi o que é me esconder, me camuflar, sair sem ser visto. Não é à toa que sou muito bom em me esconder, né?

Quando perdia alguma aposta, meu pai fugia dos lugares que frequentava por semanas. Às vezes as pessoas iam procura-lo lá em casa, ou no bar que minha mãe trabalhava em meio período — já foram procura-lo na minha escola, também.

Lembro como se fosse ontem de quando ele foi me buscar no meu aniversário de sete anos. Eu tinha pedido que me levasse ao shopping para ver um filme no cinema, seria meu presente. Ele concordara depois de muito discutir com minha mãe, alegando que não tinha dinheiro — gastara tudo numa mesa de poker na semana anterior.

Então ele pegara dinheiro emprestado dos agiotas, como sempre fazia quando perdia. Só que raramente conseguia pagar. Também foi desse jeito que aprendi cedo que não se deve mexer com agiotas.

Não foi diferente naquele aniversário. Os caras estavam cansados de enrolação e seguiam meu pai em todos os cantos. Eles o seguiram até meu colégio e o encurralaram quando eu estava saindo. Lembro de vê-los pressionando-o contra o portão, os olhos ameaçadores, as mãos fechadas em punhos...

— Pai...? — murmurei, com medo.

Foi uma das únicas vezes que meu pai me carregou no colo, me beijou, ficou genuinamente feliz em me ver. Anos depois eu fui entender que todo aquele fingimento — e era uma atuação descarada de falsa — servira para afastar os agiotas. Quando os caras o viram comigo, ficaram com receio, com "dó" de machucar um "pai de família" que não estava fazendo nada além de sua obrigação de manter a prole.

Eles não fariam nada na minha frente.

A partir daquele dia, meu pai me levou para todos os lados à tiracolo. Eu era sua garantia de que os agiotas não o pegariam, não o machucariam, não o ameaçariam. Ele aprendeu que poderia andar livremente pelo bairro se estivesse comigo. Poderia ir beber suas cervejas no bar se me levasse junto. Poderia até entrar no bingo de novo se eu estivesse presente, dando alguma desculpa de que não apostaria muito porque precisava comprar algo pra mim.

Ele nunca me deu um presente de aniversário. Todos os que já tive foram comprados pela minha mãe com a ajuda do dinheiro que minha avó mandava de vez em quando para as despesas de casa, já que o filho dela mal tinha trabalho — e, quando tinha, gastava tudo o que ganhava apostando no jogo do bicho, ou no poker, ou no bingo.

Perdi um ano no colégio porque meu próprio pai me impedia de ir à aula para andar com ele nas casas de jogos que frequentava. Perdi o contato com todos os meus colegas e amigos. Perdi a vontade de brincar, perdi a inocência, perdi a infância para os vícios do Paulo Chagas.

Não havia nada que ele pudesse fazer para consertar isso, nem dez anos depois. Nada nos faria estreitar nossa relação porque ela nunca existiu de verdade. Sempre foi baseada no medo e na desconfiança.

Vê-lo jogar me trazia de volta todas as memórias de uma época que culminou com a nossa mudança de cidade, com a maior mudança na minha vida. Correndo dos agiotas, meu tio Wagner praticamente nos salvou. Ele comprou a casa, pagou nossa mudança, deu um cheque para cobrir as dívidas dos jogos e ainda arrumou emprego pro irmão dele.

Meu tio Wagner talvez fosse o único a entender como eu me sentia quando o via naquela mesa, cercado por cartas de baralho. Talvez fosse o único que ficaria do meu lado caso eu resolvesse dizer alguma coisa. Talvez ele ainda se lembre de como todo aquele nosso passado havia construído a impossibilidade de meu pai me levar para pescar ou depenar uns frangos, mesmo que ele insistisse.

Tio Wagner simplesmente sabia que isso jamais aconteceria, mas a esperança é a última que morre, né? Ele não tem um coração ruim, no fim das contas. Suas intenções são honrosas, eu admito. O irônico era ele ser o pai do Carlos, com quem eu menos me identificaria na vida.

Minha família é uma piada imunda e hipócrita, essa é a real.

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Parece que alguém tem daddy issues...

Então, gente, já levam meus contos no LGBTemas?

Tem antologia nova no ar, cheia de musicalidade :)

Obrigada pelos comentários e por continuarem comigo e com o Daniel aqui!



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