Onde havia exércitos, havia rastros. A passagem de um grande número de pessoas sempre deixava marcas duradouras na paisagem. De pedras reviradas a objetos e corpos abandonados no chão.
Valatr seguia aquele rastro há alguns dias em busca da tropa de Parsos que deixara aquelas marcas. Levara tempo demais para descobrir que o reino nortenho marchava para juntar-se a Linea e agora gastava tempo escasso perseguindo aquela trilha.
Quando encontrou sinais de uma grande batalha, não sabia se deveria se sentir aliviado ou preocupado. Pelas armaduras e equipamentos abandonados no chão, todos eram elfos de Parsos. Uma guerra civil, então.
Decidido a encontrar o vencedor daquela batalha, ele montou nas costas de Delétrion e partiu rumo a oeste, para onde os rastros levavam.
Mais um dia inteiro de busca de passou até que o que parecia ser uma tempestade de areia surgiu no horizonte, próximo de Atmos, uma das travessias do rio Délcio.
O caminhar de um exército com frequência deixava para trás uma nuvem de poeira que lembrava as tempestades de areia dos desertos no continente sul.
Alguns minutos de voo o aproximaram o suficiente da tropa para que fosse possível identificar as caravanas de suprimentos que a seguiam. Pobres eram os elfos que viajavam ali atrás, tendo que engolir a poeira levantada pelos soldados.
— Reze para que seja Dalária, amigo. — Valatr falou para Delétrion, que rugiu em resposta.
De fato, a Rainha de Parsos cavalgava orgulhosamente à frente de seu razoavelmente robusto contingente. Ao avistar o dragão, provavelmente reconhecendo de quem se tratava, ela ergueu o braço e ordenou que a marcha cessasse. Em menos de um minuto, todos os elfos tinham parado de caminhar e a poeira começou a se dissipar pelo campo.
Delétrion pousou com um estrondo alguns metros à frente da comitiva real e Valatr não perdeu tempo ao descer do lombo do amigo e caminhar na direção de Dalária. A monarca retirou o elmo e observou serenamente enquanto o visitante se aproximava.
— Majestade. — O Mestre cumprimentou, fazendo uma reverência rápida, quando estava a menos de cinco metros.
— Não sei se devo considerar sua presença aqui boa ou ruim, Valatr. — Ela foi direta, como de costume, fazendo com que o elfo recuasse um passo para recuperar a postura. — Já tenho muitos problemas em minhas mãos para ter que lidar também com os seus.
— Creio que nossos problemas estão conectados, minha cara. — Ele encarou os soldados que aguardavam, imóveis como rochas. — Posso saber de que se trata tudo isso?
Dalária olhou ao redor também, como se tivesse se esquecido da presença de todos aqueles soldados. Quando voltou seu olhar ao Mestre, ele pôde ter um vislumbre do cansaço e desgaste que se encontrava escondido sob a superfície de sua face.
— Alguns de meus colegas monarcas armaram contra mim e tentaram tomar meu reino. Provavelmente porque eu não marcharia por Alis. — Ela fez uma pausa, a mão descansando no pomo da espada. — Meus nobres súditos decidiram me apoiar e perfurar alguns corações traidores com nossas espadas.
— Vejo que muita coisa mudou em pouco tempo. — De fato, tudo parecia desmoronar mais rápido do que as notícias eram capazes de percorrer o continente. Provavelmente, pensou Valatr, havia ainda aqueles que sequer sabiam da destruição de Alis. — E há espaço em seus planos para vingar também a Cavalaria?
O olhar de surpresa e dúvida que surgiu no olhar da Rainha já dizia que ela não soubera dessa novidade. O Mestre, então, pôs-se a contar tudo que acontecera em Terralarga e seu encontro recente com a Rainha das fadas. A cada etapa da narrativa, a feição de Dalária se distorcia num semblante cada vez mais confuso.
Quando Valatr terminou a história, ela assentiu uma vez com a cabeça e cerrou os punhos com força. Uma leve brisa sinalizou ao Mestre que sua magia se agitava, queria extravasar uma tensão interna que a Rainha escondia muito bem.
— Um atentado contra a Cavalaria é mais do que cegueira ideológica. — Falou, por fim. — Meu pai iria à guerra contra qualquer um que ousasse tal feito. Eu seguirei seu exemplo.
— Mesmo que isso signifique lutar ao lado dos selvagens? — Valatr não conseguiu evitar a pergunta. Alguns dos soldados mais próximos começaram a cochichar e logo aquela conversa estaria rodeando todas as linhas daquele exército.
— Sinceramente, já não sei quem são os selvagens nessa história. — A resposta definitivamente pegou o Mestre de surpresa e, ao que ele pôde ver, também era um pensamento assustador para os conselheiros e generais ao redor de Dalária.
Mais uma pausa da Rainha, como se esta refletisse sobre as próprias palavras, enquanto os elfos ao redor continuavam conversando e discutindo em voz baixa, como se ela não fosse perceber o burburinho.
— Sim, marchamos contra todos que assinaram esta carta. — Ela entregou o pedaço de papel a Valatr. — Todos os traidores que tentaram convencer meu reino de que eu estava morta. No processo, vingaremos também a Cavalaria e, se isso nos levar a lutar ao lado dos selvagens, que assim seja.
Com aquelas palavras finais, ela sinalizou para seus súditos que tornassem a marchar. As trombetas de guerra soaram e os elfos se puseram novamente em movimento. Caminhando ao lado da Rainha, Valatr pretendia ainda compartilhar e descobrir ainda mais informações a respeito dos eventos recentes.
— Para onde enviou os sobreviventes? — Dalária perguntou após um tempo.
— Foram com a rainha das fadas para a Floresta Negra. — Respondeu, sem hesitação.
— Eles estavam escondidos lá esse tempo todo? — Como o próprio Valatr, ela parecia não acreditar na informação.
— Sim. Há feitiços de camuflagem poderosos que até mesmo nossos melhores magos parecem desconhecer. — O Mestre explicou. — Nunca pensamos que pudessem estar lá porque não queriam que pensássemos.
— Impressionante. E agora que a informação se espalhou...
— O efeito da magia se dissipou. — Essa parte preocupava Valatr mais do que ele gostaria. — Imagino que nosso inimigo também já saiba a essa altura.
— Se sabem, estarão correndo para lá neste exato momento. Acha que eles podem resistir? — Enquanto falava, Dalária sinalizou para que um de seus generais se aproximasse.
— Nunca conseguiram vencer um exército élfico numa grande batalha. Imagino que agora não será diferente. — O Mestre respondeu com pesar. — Sem nossa ajuda...
— Eles cairão. — A Rainha completou. — Então teremos que nos apressar. Glem, quanto tempo a partir da travessia até a Floresta Negra?
— Se atravessarmos o Délcio amanhã, como planejado, mais três ou quatro dias devem nos colocar no Rio Verde, às portas da floresta. — O general respondeu, seco e indiferente.
— Não chegaremos lá antes deles. — Ponderou a Rainha. — Mas podemos usar isso a nosso favor.
— Alteza? — Glem perguntou.
— Imagino que os números dos Doze chegue aos quarenta mil. — Dalária respondeu e Valatr se perguntou de onde ela tirara aquele número. Ela pareceu notar sua pergunta silenciosa. — Gosto de me manter informada sobre as movimentações de meus vizinhos. Parsos tinha um dos maiores contingentes do continente até eu matar quase quatro mil semana passada.
— Pelos deuses... — Foi tudo que Valatr conseguiu dizer.
— Os deuses não parecem ligar para nada disso, Mestre. — Foi Glem quem falou. — Se ligassem, não nos teriam posto nessa situação.
— De qualquer forma, — continuou a Rainha — duvido que fadas, bruxas e feéricos consigam juntar um exército tão grande, principalmente vivendo numa floresta onde não têm acesso a grandes áreas de pastagem e cultivo. Se tiverem vinte mil é muito.
— O que nos deixa em severa desvantagem numérica. — Valatr deduziu o óbvio.
— Então é melhor que os surpreendamos. — Disse Dalária. — Se atacarmos a retaguarda desse exército e conseguirmos comprimi-lo entre nós e a Floresta, talvez os números não importem tanto.
— Temos que levar em consideração que os reis podem saber de nossa aproximação. — Glem parecia preocupado, mas um pouco mais animado em relação ao plano que estavam desenvolvendo.
— Posso garantir que não estamos sendo observados. — Foi a vez de Valatr falar. — Posso sobrevoar os campos à frente com Delétrion e me certificar de que não há batedores.
— Faça isso. — Ordenou a rainha. — E Glem, tente fazer com que uma mensagem chegue à Floresta. Diga que estamos a caminho e quais são nossos planos.
— Como farei isso, Majestade? — O general coçou a cabeça, confuso.
— Não sei. Dê um jeito, precisamos fazer essa informação chegar neles rapidamente. Precisam aguentar até que possamos aliviar sua situação.
— Imagino que não seja viável acelerar a marcha. — Valatr sugeriu.
— De jeito nenhum. — O general respondeu. — Se vamos lutar contra um exército várias vezes maior que o nosso, não podemos permitir que nossos soldados já cheguem no campo de batalha exaustos.
— Certo. — Dalária confirmou. — Valatr, faça o seu trabalho. Temos um plano, então?
Os dois elfos balançaram a cabeça afirmativamente. Ainda que com receio, o Mestre sentia-se animado com a perspectiva de vingança contra os que assassinaram seus amigos. Com um sinal pelo Elo, pediu que Delétrion o buscasse para que juntos pudessem começar a vasculhar as planícies em busca de batedores inimigos.