XVI. Porto Seguro

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Segura? Talvez. Ou não. Droga.

Lyssa tinha o coração acelerado e a mente enevoada. As asas batiam contra o ar, tentando alçar voo, seus instintos ainda aguçados e prontos para tentar tirá-la daquela enrascada. Ao menos ali, entre as suas, estaria protegida. Em algum momento, no entanto, teria que deixar a Árvore e voltar para a Gruta, enfrentar a bruxa que a perseguia. Talvez a agressora se sentisse constrangida o suficiente para não atacá-la na frente de todas as outras. Talvez todas as bruxas a quisessem morta e estivessem esperando que uma se manifestasse abertamente e, agora, viriam todas atrás da fada indefesa.

Deitada sob uma porção da raiz da gigantesca Árvore que se erguia da terra como um arco, ela sentiu a energia mágica fluir novamente para dentro de seu corpo, carregando-a daquela maneira perigosa à qual estava ficando acostumada. Se explodisse ali... não! Tinha que se controlar. Da maneira como Alick instruíra, ela respirou fundo e tentou acalmar sua mente e o tornado que se agitava em seu peito.

Quando conseguia novamente enxergar o ambiente à sua volta sem ter as percepções alteradas pelas próprias confusões, tentou entender exatamente onde estava.

Era a base da Grande Árvore, o gigantesco cedro que se erguia no centro da Floresta Negra. A árvore de milhares de anos cintilava com a energia mágica das fadas e ostentava uma luz sobrenatural que parecia torná-la ainda maior. Os gigantescos galhos, largos o suficiente para abrigar moradias inteiras, pairavam sobre as demais árvores da floresta como se estas fossem somente pequenos arbustos insignificantes. As fadas voavam por todos os lados, cumprindo seus afazeres e cumprimentando umas às outras, uma atmosfera leve e tranquila, muito diferente do restante da floresta, percebeu Lyssa.

A grande abertura na base do tronco, que levava até o salão da rainha Fedra, brilhava em dourado e exalava calor reconfortante conforme algumas daquelas lindas criaturas aladas voavam para dentro e para fora, algumas delas vestindo uniformes padronizados que faziam lembrar armaduras. Eram as guardas da rainha, a elite das fadas, selecionadas a partir do local de nascimento para servir eternamente a quem quer que se sentasse no trono de diamante no coração da árvore.

- Lyssa? - Uma voz estranha fez a jovem fada voltar ao próprio corpo. Ela olhou para trás.

Era um Drakar, um dos elfos-dragão. Pequenas até mesmo para os padrões das fadas, aquelas criaturas bípedes tinham uma pele que se assemelhava às escamas de um dragão - ao menos era o que haviam dito à Lyssa quando ela encontrara um daqueles pela primeira vez - e corpos magros que combinavam com sua magia simples e discreta. Viviam entre as fadas, faziam crescer as plantações e criavam pequenos encantamentos que escondiam a floresta dos olhos curiosos de seus inimigos, mas eram realmente conhecidos por sua necessidade de descobrir e compartilhar segredos e boatos, não importando-se com a veridicidade destas informações.

- Quem é você? - A fada percebeu que ainda tinha a respiração acelerada devido à corrida e o medo que sentira recentemente.

- O nome é Tillos. - O pequenino esticou a mão na direção da fada. - Sou um Drakar.

- Sei o que é. - Lyssa disse enquanto apertava a mão de Tillos. - Como sabe meu nome?

- Ora, encontre alguma criatura nesta floresta que não saiba quem é a jovem fada de fogo que estourou a cara de uma bruxa em seu terceiro dia de vida! - Ele ria, mas ela sentiu-se envergonhada pela fama aparentemente adquirida. - Não se preocupe! Há muito mais motivos para as criaturas aqui lembrarem de ti.

- Provavelmente sabem mais sobre mim do que eu mesma. - Ela falou, virando para encara novamente a magnificência da Árvore.

Tillos aproximou-se, apoiando uma das mãos na cintura exposta de Lyssa, o lugar mais alto de seu corpo que ele alcançava sem ter que erguer o braço de forma exagerada. Seu toque era molhado e gelado, como um réptil que acabara de sair da água. Contemplando a Árvore junto a ela, ele perguntou:

- O que está fazendo aqui, afinal?

Droga. A bruxa ainda estava atrás dela? Não tinha como saber. Ainda que duvidasse que a maldita tentasse entrar no território das fadas com a intenção de caçá-la, o pensamento a assombrou. Tentando acalmar a respiração que disparar novamente, Lyssa respondeu:

- Estava caminhando pela floresta e acabei vindo parar aqui.

- Sabe, minha raça é pequena e inútil, mas não somos burros. Vi que chegou aqui correndo e olhando para trás. - O pequenino puxou a seda das vestimentas da fada para chamar sua atenção, fazer com que esta o olhasse nos olhos. - Estava fugindo de alguém, não?

Lyssa suspirou profundamente antes de responder:

- Uma das bruxas tentou me pegar. Querem vingança pelo que fiz com Jyan, aquela que queimei.

- E veio até aqui pois estaria segura. - A voz do Drakar tinha um tom tranquilizador, mas Lyssa notou a preocupação que sondava logo abaixo da superfície de seu olhar sereno.

A fada simplesmente concordou com o que Tillos falara. Encarando os rios de magia que fluíam pela floresta, tentando recuperar a energia que gastara tentando se proteger da bruxa, Lyssa percebeu que algumas das fadas passavam por ali e a encaravam. Se o que o Drakar ao seu lado era verdade, provavelmente a estavam reconhecendo, fofocando sobre a jovem fada que se tornara famosa simplesmente pelas circunstâncias.

- Sinto saudades do lado de dentro. - Ela falou, finalmente, lembrando do calor quase sufocante do interior da Árvore, da vida que pulsava dentro dos casulos dos quais novas fadas um dia sairiam.

- Só pode entrar com autorização da rainha, sabe disso. - Sim, ela sabia. Uma vez revindicada pelas bruxas, somente um convite da própria Fedra poderia colocá-la novamente onde um dia fora seu lar.

Tristeza a invadiu, tomando conta de seu peito. Não tinha um lar. De um lado, as bruxas que a odiavam e, do outro, as fadas que já não a viam como uma delas. A magnífica casa viva onde nascera já não era tão hospitaleira quanto parecera no momento em que ela abriu os olhos pela primeira vez.

- Por que me levaram? - A pergunta a assombrava. Era uma fada de fogo, sim, mas outras iguais a ela ao longo da história não tinham recebido o mesmo tratamento.

- Essa é uma excelente pergunta. - Tillos falou antes de virar de costas e sair caminhando pela floresta, sem se importar com a fada que deixava para trás. As asas de Lyssa bateram freneticamente, irritadas.

Talvez se encontrasse a bruxa que a buscara, pensou, poderia ter suas perguntas respondidas, mas onde a encontraria? E se ela a quisesse morta também? Lyssa estava perdida, olhando para todos os lados em busca de uma nova ameaça, ainda que protegida pela magia das fadas da árvore. Até mesmo suas irmãs, que voavam e olhavam discretamente em sua direção, não seriam de nenhuma ajuda. Voltar para a Gruta era arriscado, ou sua melhor opção? Talvez as bruxas ficassem constrangidas o suficiente para não atacá-la tão perto da Matriarca. Afinal, aquela maldita gelada a tinha atraído para longe de tudo e de todos para fazer sua pequena emboscada.

Sim, pensou a jovem fada. Tinha que voltar à Gruta, pois lá era provavelmente o único lugar onde estaria minimamente segura. Conversaria com Alick, que parecia ser a única que se importava com seu bem-estar e, então, decidiria o que fazer em relação às irmãs vingativas da amiga. Encontraria um porto seguro, um lugar onde pudesse se sentir segura. Ao menos ela esperava fazê-lo.



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*Este capítulo possui 1285 palavras*

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora