CV. Na Escuridão

53 9 52
                                    

Biattra mal podia respirar enquanto mergulhava nos braços da fada rumo à escuridão.

O mundo passava ao seu redor como um borrão e as figuras que lutavam ao redor da tempestade eram apenas sons misturados ao estrondo do fogo e do vento que a rodeavam.

O peso de cada pedra que adornava suas vestes parecia puxá-la ainda mais na direção do chão, enquanto que seus instintos demandavam que ela implorasse a Fedra para voltar à segurança da Floresta. Cada fibra de seu corpo queria impedi-la de retornar àquele inferno.

Mas já era tarde demais. Se queria uma chance de salvar Lothar da morte certa, tinha que agir naquele momento. Fedra não estava ali apenas para transportá-la, Biattra sabia. Se tudo desse errado, a fada não hesitaria em matar seu companheiro. Isto é, se ambas conseguissem chegar ao centro da tempestade.

Da mesma forma como acontecera antes, quando ela entrara na tempestade e quase não sobrevivera, rajadas de fogo e vento mágico as atingiram, energia pura tentava derrubar ambas do ar e as asas de Fedra se agitavam, tentando mantê-las na direção certa. A guerreira humana sentiu várias vezes que cairia, quando os braços da Rainha fada mal pareciam ser capazes de continuar segurando seus ombros.

Uma eternidade pareceu se passar enquanto elas lutavam contra aquela correnteza infernal, progredindo lentamente no que parecia ser escuridão infinita. Aos poucos, o calor da tempestade penetrava as defesas das gemas e o temor de que elas não fossem o suficiente para mantê-las vivas por todo o tempo necessário.

As esperanças foram renovadas, no entanto, quando Biattra avistou a silhueta de Lothar à distância, na mesma posição em que ela o vira anteriormente. Com os braços soltos ao lado do corpo, ele estava em pé, completamente parado, como se observasse algo à frente, quase que contemplativo.

Fedra também viu a silhueta, o que pareceu lhe dar renovadas energias para seguir com mais velocidade naquela direção. Os ataques, no entanto, vinham cada vez mais fortes, fazendo com que ela tivesse que corrigir o curso várias vezes enquanto tentava acelerar, carregando a humana, que começava a sentir-se como um peso morto.

Quando finalmente conseguiram chegar até Lothar, Biattra já podia sentir sua pele extremamente aquecida pelo fogo negro ao redor. Mais um pouco e as duas seriam não mais que pedaços de carvão sendo absorvidos pela magia, assim como era tudo ao redor.

Resistindo ao vento e às explosões, a humana se agarrou ao braço desfalecido do companheiro, tentando enxergar, em meio a tanto caos, o rosto do homem que ela tanto se importava.

Os olhos dele estavam negros, como se tomados pela magia, e o rosto não parecia ter uma expressão que pudesse ser definida. Os traços magros e marcados por anos de sofrimento simplesmente existiam ali, sem qualquer movimento, totalmente relaxados, lembrando a expressão de um cadáver que descansa numa pira funerária, pronto para deixar este mundo.

Mas ele não estava morto, ela sabia. Aquela coisa não tinha vontade própria. Tudo que estava fazendo, tinha que ser ordenado, calculado. Talvez tivesse nublado a mente de Lothar, pensou, talvez ele não conseguisse ver o que estava fazendo. Mas ele ainda estava vivo.

Ela agarrou a mão dele, apertando com força, rezando para conseguir acordá-lo, fazê-lo ver o que estava acontecendo. Gritou seu nome várias vezes, mas nada parecia acontecer. Um novo ataque fez com que Biattra flutuasse no ar com a força do impacto, segurando a mão de Lothar para não ser jogada à distância. Fedra desapareceu na escuridão, incapaz de resistir à ventania.

—Lothar! — Ela gritou novamente. — Sou eu! Por favor, pare. Vai matar todos nós!

Ela gritava o mais alto que conseguia, agarrando-se aos ombros do companheiro para evitar ser atirada ao longe. Mas nenhuma reação parecia vir dele. Conforme o calor crescia, consumindo as gemas que se partiam nas vestes de Biattra, o desespero tornou a ocupar o lugar da esperança e ela usou todas as forças que tinha para esmurrar o rosto de Lothar, arrancando sangue de seu nariz, provavelmente quebrado.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora