XCI. Mudança de Planos

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Atravessaram o Délcio na manhã anterior. Sem nenhum problema, sem enfrentar qualquer resistência. Os poucos batedores com os quais cruzavam, Valatr liquidava com facilidade.

No entanto, um dos afluentes do grande rio era uma travessia bem mais complexa. Ainda que a balsa fosse desnecessária, a correnteza forte tornava o uso de pontes praticamente obrigatório. E onde há pontes, há combate.

Quase cinco horas se passaram antes que os primeiros legionários de Parsos conseguissem colocar os pés do outro lado do rio. Mais duas ou três para conseguir limpar os ninhos de inimigos que atormentavam a passagem do restante do exército.

"Malditas pontes", pensava Dalária enquanto cortava o pescoço de mais um inimigo caído. Era o último daquele dia, provavelmente, mas não o último daquela semana. Logo estariam na Floresta, logo estariam enfrentando um exército de verdade e não um bando de moleques inexperientes, largados para trás só para guardar a passagem.

Quando o fogo de Delétrion queimou um dos últimos bastiões inimigos, ela sinalizou para que o avanço continuasse. As pequenas companhias dariam conta do restante, sem precisar desacelerar a marcha da espinha dorsal do exército para lidar com focos insignificantes de confronto.

Apenas mais dois dias de marcha cuidadosa e lenta a separava da batalha. Mais dois dias rezando para que ela pudesse lidar com aqueles traidores malditos. A Rainha respirou fundo, apressando o passo para retornar ao seu lugar na coluna.

No final daquela tarde, quando já se aproximavam de uma área apropriada para acampar, uma trombeta de guerra soou. Não era élfica, percebeu Dalária enquanto escaneava a paisagem ao redor em busca do atacante. Um de seus generais apontou para a esquerda, onde um grupo de Middgellers cavalgava a toda velocidade em sua direção.

-- Bandeiras brancas, agora! -- Ela ordenou, rezando para que os touros bestiais as vissem a tempo.

Não sabia como convencê-los de que ela era uma aliada, mas se conseguisse se poupar de ter que lidar com uma horda de Middgellers assediando suas tropas, seu dia seria muito melhor.

Eles continuavam vindo à toda velocidade, no entanto. Alguns soldados começaram a gritar ordens e tentar protegera Rainha, que imediatamente se escondeu atrás de uma parede de escudos prateados. Por entre os espaços deixados pelas placas de metal, ela podia ver os selvagens se aproximando, ignorando completamente as bandeiras brancas que substituíam os estandartes das legiões de Parsos.

Quando o combate já parecia inevitável, Valatr e seu dragão surgiram dos céus e pousaram entre as duas tropas, forçando os touros a pararem sua corrida ensandecida. Ao menos aquelas criaturas ainda respeitavam a Cavalaria, o que não era o caso dos elfos daquele continente.

— Alto lá! — Ela pôde ouvir o Mestre gritar. — Não vêem as bandeiras brancas?

O que parecia o líder dos Middgellers olhou para a tropa de Dalária por um segundo antes de dizer algo a Valatr, que ninguém pareceu entender. Delétrion rugiu e o Mestre de Dragão desmontou, aproximando-se dos touros para conversar, provavelmente explicar-lhes o que diabos estava acontecendo ali.

Dalária, cansada da sensação claustrofóbica de estar atrás da parede de escudos, deu um tapa no ombro de um dos elfos, que entendeu o recado e abriu caminho para que ela passasse.

— Gum, mantenha suas flechas prontas. — Ela disse ao líder dos arqueiros antes de caminhar na direção dos selvagens, fazendo um sinal para que Glemm a seguisse.

— Tudo pode ser resolvido com um pouco de diálogo. — Valatr disse, quando viu que a Rainha se aproximava. — Estava explicando a Merg aqui a nossa situação.

— Rainha, se suas intenções são puras, me perdoe. — A voz grave e brusca do Middgeller era bem disfarçada pela tentativa de cordialidade. — Nós não sabíamos que haviam elfos sensatos neste mundo.

— Talvez sensatos seja uma palavra exagerada, Merg. — Brincou Dalária. — Vingativos, creio que este seja o termo apropriado.

— Sim. Valatr explicou o que aconteceu a você e seu reino. Eu sinto muito.

— Deixemos isso de lado. — Ela decidiu encerrar aquele assunto. — O que pode nos contar sobre o caminho à frente?

Não foi Merg quem respondeu à pergunta de Dalária, no entanto. O chefe dos Middgellers fez um gesto com a cabeça e um de seus soldados se adiantou, fazendo um sinal com a cabeça para a Rainha. Este carregava arco e flechas gigantescos que somente um daqueles touros seria capaz de manusear, provavelmente poderoso o suficiente para perfurar as armaduras élficas com facilidade.

— Rainha, não há nada à frente além de terra cultivável. — A voz deste touro era mais suave que a dos outros, talvez fosse mais jovem. — Há um vilarejo a oeste tomado por tropas élficas, provavelmente um posto avançado para cuidar de feridos. É a única aglomeração de civis entre nós e a Floresta.

— Podemos lidar com o vilarejo. Sem matar civis, no entanto. — Esta última parte ela disse para Glem. Que a ordem fosse transmitida às tropas. — Então pegaremos os malditos pela retaguarda e os espremeremos contra as tropas da Aliança. São quantos elfos?

— Cerca de trinta mil, Rainha. — Merg respondeu. Dalária suspirou profundamente.

— Isso será mais complicado do que eu imaginava, mas acredito que a vantagem posicional compensará os números. — Disse, por fim.

— Há outro problema. — Disse Valatr. Ao ver que todos o encaravam, ele continuou. — Um batedor que interroguei esta manhã me disse que o Duque deixou cerca de oito mil homens guardando sua cidade. Aparentemente, as fadas atacaram o lugar e agora o maldito está um tanto paranoico.

— Não há problemas. Não passarão por Linea indo por este caminho. — Merg disse, enquanto apontava para a direção da Floresta Negra.

— Mas, se ele resolver usar estas tropas para reforçar o contingente principal... — Glem começou a falar.

— Seremos nós a sofrer um ataque na retaguarda. — Dalária completou. — Temos que destruir a guarnição de Linea, assim como o tal vilarejo.

— O problema é que não temos armas de cerco, minha rainha. — Glem, pessimista, parecia um tanto cabisbaixo.

— Podemos lidar com isso. — Enquanto falava, a Rainha pensava em tantas possibilidades diferentes que era difícil transformar tudo em palavras. — Não precisamos destruir a guarnição, apenas impedir que eles saiam da cidade.

— Um pequeno destacamento, armado de armas de cerco construída da madeira das árvores de Linea e uma boa estratégia deve conseguir segurá-los lá. — Glem concluiu, um pouco mais otimista.

— Cuide disso, Glem. — Ordenou Dalária. — Leve quantos elfos precisar, sitie a cidade e impeça os malditos de auxiliarem o Duque. Se surgir a oportunidade, transforme aquele lugar em ruínas. Uma lembrancinha do que pode acontecer se você desafiar Parsos.

— E quanto ao resto das tropas? — O general indagou.

— Virão comigo. Seguiremos com o plano original. — Ela se virou novamente na direção dos Middgellers. — Toda a ajuda é bem-vinda. Se puderem lutar ao nosso lado, estarão fazendo um grande favor ao seu povo.

— Nossas armas são suas, majestade. — Merg falou, apontando para os seus companheiros, que assentiram lenta e respeitosamente.

— Então é melhor começarmos a nos mover. Não temos toda a eternidade.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora