XCIX. Caos

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Alick encarava estupefata o espetáculo bizarro que acontecia ao seu redor.

Ao norte de onde fora posicionada naquele dia — sequer tivera tempo de se recuperar após a missão noturna, já fora empurrada para uma sessão diferente da linha defensiva —, uma explosão de fogo dourado que só podia pertencer a Lyssa abria um rombo inacreditável na formação dos elfos.

Mais ao norte que aquilo, outra explosão, desta vez de fogo negro como as profundezas das cidades anãs sob as montanhas, surtia o mesmo efeito. Mas esta última matava tanto elfos quanto bruxas, não tinha mira, atingia tudo que era vivo e consumia floresta e mata.

No momento em que viu aqueles dois eventos, ela sabia que algo muito errado havia acontecido. No momento em que as Ferro-Brasil pareciam mais acuadas, enfiando-se dentro da linha de árvores para se proteger dos canhões dracônicos que faziam chover fogo sobre as tropas, aquelas explosões aconteceram e a tropa élfica foi imediatamente redirecionada, concentrando-se ao redor do evento mais ao norte.

Sem esperar por permissão, ou sequer algum tipo de ordem de sua tenente, Alick partiu em disparada para onde Lyssa estava. Preocupada que a amiga talvez perdesse o controle, ela sabia que precisava parar aquilo antes que fosse tarde demais. Com a magia negra ela se preocuparia assim que o primeiro problema fosse resolvido.

Algumas bruxas aproveitavam o choque e a realocação dos elfos para pressionar os flancos do inimigo, aparentemente sem se preocupar com o potencial efeito do que acontecia há poucos metros de onde elas lutavam. Por essas, Alick passou sem olhar em sua direção, preocupando-se apenas com Lyssa e as pessoas ao redor dessa.

Ao chegar onde a fada queimava, no entanto, o fogo já se apagava. As árvores ao redor da pequena ainda ardiam em chamas, mas a bruxa tinha a sensação de que aquelas chamas não emanavam da amiga. Eram dos canhões, definitivamente, visto que Lyssa tinha em sua expressão um esgotamento que ela nunca vira.

Com medo de se queimar, mas sem saber de fato como que essas coisas funcionavam, a Ferro-Brasil reuniu um pouco da própria magia para protegê-la de qualquer perigo e passou as mãos pelos ombros da fada, ajudando-a a se levantar.

— Lyssa, o que houve? — Ela perguntou, sendo repentinamente lembrada da situação parecida pela qual passara após o incidente com Jyan. Os olhos da fada se focaram pela primeira vez na bruxa, como se notasse sua presença ali pela primeira vez.

— O fogo. — Ela falou. — Os elfos. — Olhou em volta, perdida. — O que está acontecendo?

Nesta última parte, seu olhar já estava sobre a nuvem de fogo negro que consumia uma boa parte do que há pouco fora o campo de batalha, transformando tudo em que tocava em magia maligna.

— Parece que algum dos humanos resolveu usar o livro. — Alick respondeu.

— Então Eisa não o pegou de volta? — A pergunta soou estranha à bruxa, mas Lyssa não parecia querer dar explicações.

— Eisa o quê? — Foi tudo que conseguiu dizer. — Pensando bem, eu nem quero saber. — Decidiu, finalmente, puxando a fada na direção do caos negro que se erguia à distância.

Conforme se aproximavam, podiam ver uma aglomeração de magos de ambos os lados lançando feitiços contra a tempestade apenas para vê-la crescer ainda mais. Elfos e bruxas ainda lutavam entre si em alguns pontos do campo de batalha, mas as atenções pareciam quase que totalmente voltadas ao evento inesperado, um misto de confusão e indecisão estampava os rostos dos combatentes.

Todo ataque contra a magia negra causava uma gigantesca explosão que iluminava o campo mais que o próprio sol que começava a se por no horizonte atrás da Floresta. Quando atacada, a tempestade respondia com uma explosão que, vez ou outra, passava pelas barreiras mágicas e tirava mais uma vida.

Quem quer que estivesse lá dentro, pensou Alick, estava com muita raiva.

— Pela deusa, eu espero que Eisa não se gabe por nos ter avisado. — Disse, perplexa.

— Se sobrevivermos, tenho certeza de que ela vai. — Respondeu a fada, com olhar pensativo. Outra explosão sacudiu o mundo e a bruxa se perguntou se aquela seria a forma correta de lidar com a magia negra.

— Tem alguma ideia de como lidar com isso?

— Não faço ideia, mas a magia não parece estar funcionando muito bem. — Lyssa olhou para as próprias mãos, como que procurando algo nelas.

— Talvez as pedras encantadas dos humanos possam ajudar? — Alick perguntou, o coração acelerado, tentando encontrar algo que fizesse sentido. A fada apenas deu de ombros, visivelmente confusa. — Droga, Lyssa. Você é a fada aqui. Não deveria saber como a magia funciona?

— Só porque eu posso ver a magia, não significa que eu a entenda mais do que você! — A jovem explodiu. — Eu não tive exatamente muito tempo para aprender, sabe?

Alick tentou encontrar as palavras para responder, mas nenhuma veio. O desespero no rosto da amiga era claro. Era visível que ela se sentia na obrigação de saber o que fazer, mas sequer conseguia colocar os próprios pensamentos em ordem. A Ferro-Brasil não estava diferente.

— Tem que haver algo... — Começou a dizer, quando foi interrompida por mais uma explosão. Aquela coisa crescia cada vez mais.

O contra-ataque da tempestade negra veio em direção às duas, criando um rastro de destruição que só foi parado pela barreira que Lyssa ergueu diante de si. O impacto foi demasiado forte para a fada que, exausta da batalha, caiu no chão desacordada.

Outra explosão, desta vez dez vezes mais forte, quase estourou os tímpanos de Alick e fez com que todos — até mesmo os elfos e bruxas que ainda lutavam inutilmente entre si — olhassem na direção da tempestade.

Ataques choviam sobre o epicentro do caos constantemente agora, magia em quantidades inacreditáveis que causavam um constante som que parecia desafiar os limites da lógica. Olhando para o alto, para o céu, Alick viu que fadas e dragões — junto a seus mestres — lançavam todo o seu poder contra o inimigo que, até o momento, se mostrava imbatível.

A bruxa não pôde impedir o sorriso ao ver vários elfos dando alguns passos atrás frente àquela demonstração inigualável de poder.

No centro do enxame de criaturas aladas, a Rainha das fadas dava ordens às suas irmãs enquanto suas chamas jorravam sobre a tempestade, que pareceu diminuir um pouco. Alick não foi a única que notou aquilo, visto que os magos de ambos os lados tornaram a lançar seus feitiços contra a parede negra. Um pouco de esperança surgiu no coração da bruxa, que tentava acordar Lyssa com tapas no rosto.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora