XXI. Os Navios de Alis

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Talvez, de todas as cidades que conhecera em sua longa existência, Alis era a que mais agradava a Eralyn. Os aquedutos que a circulavam vinham das montanhas altas, trazendo água limpa e refrescante para os grandiosos palacetes que povoavam a área central. Ao norte, no que era considerado o pórtico de entrada da metrópole sem muros, duas gigantescas estátuas se erguiam monumentais na direção do céu. Um guerreiro e um sacerdote, segurando respectivamente uma espada longa e um cetro, constituíam o símbolo pelo qual o lugar era famoso no mundo todo. Totalmente brancos, os Colossos de Alis eram o ápice do poder do Sexto Reino, do Rei Abraon, tendo sido construídos no exato ano em que o monarca decidira derrubar as muralhas, anunciando ao mundo que já não temia a ameaça das raças inferiores.

Eralyn respeitava isso, admirava, até. Era um sinal de força, um grito prepotente de vitória que, em quase mil anos, não havia sido contestado por qualquer tropa de bruxas, feéricos ou qualquer outra coisa que pudesse tentar conquistar o poderio dos elfos. Além dos Colossos e dos aquedutos, espalhava-se uma ampla fileira de suntuosas moradias, todas de cor clara e cobertas por telhas Adacianas, seu belo tom avermelhado dava ao amontoado de casas um ar mais quente, acolhedor. Sobre a colina que constituía a região central, os palacetes eram facilmente identificados por quem observava a cidade à distância, como agora fazia o guerreiro. Fora do alcance da visão, ele sabia, estavam as construções escuras e sujas do porto que movimentava a economia daquele Reino.

Era uma cidade projetada com o intuito de impressionar aqueles que se aproximavam através das Portas, refletiu enquanto caminhava o meio quilômetro final até os Colossos. Alis era imponente, movimentada e bem protegida, tudo que se exigia de um grande centro comercial. Apesar da ausência de muralhas e frondosas fortificações, como era comum na maior parte das cidades élficas, Eralyn sabia que, em meio àquelas construções, haviam dezenas quartéis responsáveis por armazenar armas e dar abrigo à guarda que constantemente patrulhava as ruas em busca de ameaças. Poderosos sacerdotes, ele sabia, passavam o dia todo rezando aos deuses e fortalecendo as proteções mágicas por todo o perímetro da cidade.

Aos pés do Guerreiro, Eralyn parou e olhou para trás, para as duas montanhas, se perguntando se Gehr ou algum de seus companheiros da Legião o estariam seguindo ou se teriam somente amaldiçoado seu nome e seguido sua caçada por mais bruxas ao norte. Percebendo o cantil vazio, ele fez de sua próxima missão encontrar uma fonte para reabastecê-lo, o que não seria difícil. Com um suspiro profundo, preparou-se para adentrar o amontoado de elfos que era a região central de Alis, evitando sempre os quarteis - as notícias costumavam espalhar-se rapidamente entre as tropas - na esperança de não ser reconhecido.

O guerreiro caminhou por quase uma hora até chegar no topo de uma pequena elevação, onde avistara à distância uma pequena e pacata praça, onde águas cristalinas jorravam de uma fonte de mármore moldada na forma de Stailla, a deusa dos mares, com as mãos erguidas como se oferecesse o líquido vital aos deuses que habitavam os céus. Dessas mãos, jorrava a água sobre seus braços, rosto e, então, sobre a piscina límpida abaixo. Foi ali que Eralyn se apoiou, na borda de granito escuro, para encher seu cantil e apreciar um pouco o ar agradável.

Em frente à praça, na direção para qual apontavam os braços de Stailla, um pequeno santuário se erguia, orgulhoso, sobre as casas ao redor. A cúpula alaranjada era sustentada por belas colunas de mármore branco que se espaçavam de forma perfeitamente simétrica, dando entrada para o interior de alabastro. Cidadãos entravam e saíam do prédio e seguiam pelas ruas tranquilamente, confiantes da segurança que a cidade real providenciava.

Ver aquela serenidade, aquela paz, fez com que uma estranha sensação se instalasse nas entranhas de Eralyn. O guerreiro élfico, repentinamente, sentiu saudades da ação e da adrenalina. Saber que, provavelmente, aquelas batalhas nunca mais aconteceriam, trouxe a ele um sentimento de incompletude, sentia que traíra seus companheiros e que estes nunca mais o aceitariam como um igual novamente. Se fosse bem-sucedido em sua missão, ainda que sua deserção se tornasse justificável, aqueles com os quais um dia compartilhara as refeições à frente das fogueiras de acampamento nunca mais confiariam nele o suficiente para lutar ao seu lado.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora