XLIV. Selvagens

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O templo construído sobre as ruínas de Nivellir era uma obra arquitetônica comparável, talvez, às gigantescas torres dos acadêmicos ao sul. A estrutura abobadada era tão alta quanto algumas das montanhas da cadeia adjacente. Os grandes pilares brancos deixavam que a luz passasse e iluminasse aqueles que rezavam do lado de dentro, os sons das vozes podia ser ouvido à distância pelas tropas que marchavam pelas colinas.

À beira do rio, Dalária ordenou que fossem dispostas as tropas e os equipamentos que acompanhavam a comitiva. Os soldados ficariam para montar acampamento e proteger o templo enquanto a Rainha e os nobres satisfariam seu desejo por aconselhamento divino.

— Tem certeza disso, minha rainha? — Perguntou Vélis enquanto ela tirava a espada da cintura. Era proibido adentrar o prédio carregando qualquer tipo de arma, os sacerdotes tinham que ser protegidos a todo custo. — Talvez não seja sábio confiar nas palavras de sacerdotes para decidir o destino de nosso reino.

— Vélis, meu caro, é justamente por ser um assunto tão delicado é que devemos ouvir todas as opiniões possíveis a seu respeito. — "Ou para ganhar tempo, para que eu possa decidir essa questão por conta própria", ela pensou, mas segurou a língua. — Algumas horas lá dentro e, se quiserem os deuses, sairei com uma resposta satisfatória.

O elfo parecia irritado, olhando para os arredores como se esperasse algo. Sem dizer mais nada, ele partiu para perto dos soldados que já preparavam as tendas do acampamento. Dando de ombros, Dalária seguiu com os nobres e uma pequena guarnição até a base da montanha, onde a antiga construção anã encontrava o monumento élfico.

A distinção dos estilos era facilmente reconhecida. A rocha negra usada pelos anões era esculpida com formas duras e bem-trabalhadas, uma estrutura sólida que aguentaria o peso de um esmagador exército inimigo, não fosse o heroísmo de Mirael naquele fatídico dia. Acima do negro, o mármore branco brilhava sob o sol que banhava a planície, o telhado abobadado vermelho tornando a estrutura ainda mais impressionante.

Era a primeira vez que a Rainha de Parsos visitava aquele lugar desde sua coroação, após a morte de seu pai. As memórias da batalha de mais de seis mil anos antes ameaçaram invadir sua mente, mas ela as afastou. Ignorando os sons e as sensações do banho de sangue ancestral, ela subiu as escadarias do templo antes que todos os outros, adentrando uma área circular que se parecia com um teatro. No centro desta área, mais baixo que as bordas, estavam sete elfos que cantavam sem parar ao redor da pedra que continha em si a Canção da Longa Primavera.

Alguns outros sacerdotes, os que não cantavam, serviam aos Sete. Levavam e traziam comida e outros suprimentos que eram necessários para a continuidade daquele rito. A música não podia parar, afinal. E aqueles elfos, bem como os outros espalhados por todos os Treze Reinos, nunca tinham falhado, nunca perderam uma nota sequer da música que se repetia por milênios sem parar.

Dalária deixou que o som penetrasse seus ouvidos, tentando buscar ali sua última inspiração para uma resposta ao problema que se apresentava. Se não a recebesse dos deuses, esperava pelo menos que o lugar lhe permitisse tomar a decisão certa sem hesitação. Calma e silenciosa, como ordenava o protocolo, ela se sentou num dos cantos do auditório e fechou os olhos, meditando e esperando por sua vez de ser atendida por um dos sacerdotes. Não havia hierarquia política ali, eles atendiam conforme achavam necessário.

— E você, senhora? — Uma alguém, após quase uma hora de espera. A rainha, com os olhos fechados, não viu que era com ela que a voz falava. Um toque em seu ombro a fez abrir os olhos.

Foi somente então que o sacerdote a reconheceu, reconheceu sua posição, e fez uma pequena reverência. Não algo demorado e exagerado como os súditos faziam, mas rápido e simples, como era próprio aos bem-nascidos e poderosos, que encaravam os monarcas em certa posição de igualdade. Um gesto próprio para sacerdotes e conselheiros, principalmente.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora