CIV. Resoluções

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Lyssa despertou com um tapa no rosto de Alick, que também gritava ao seu ouvido desesperadamente.

A jovem fada sentia-se exausta, esgotada, as pernas tremiam conforme ela tentava se levantar.

— O-o quê aconteceu? — Ela conseguiu perguntar, a garganta seca parecia arranhada.

— A tempestade atacou e você nos defendeu. — A bruxa respondeu. — Agora, estou tentando te levar para a Gruta. Consegue correr? — Alick parecia cansada, provavelmente devido ao peso da batalha. Lyssa fez que sim com a cabeça.

Com os pés no chão, trêmula, a fada quase se arrependeu de ter respondido que sim, mas não podia ceder à humilhação de ser carregada por Alick. Respirando profundamente, ela ignorou o fato de que seu corpo implorava por uma boa noite de sono e descanso. Mas estas, neste momento, eram impossíveis.

Um último olhar para a tempestade a permitiu ver que as fadas ainda lutavam ali, tentando fazer recuar aquela nuvem maligna, sem sucesso. A que a jovem identificou como sendo Fedra parecia, estranhamente, estar carregando uma mulher. Ambas flutuavam acima da tempestade, longe do alcance dos projéteis élficos.

— Não deveríamos ajudar? — Lyssa perguntou, ainda que se sentisse completamente vazia e incapaz de utilizar magia.

— Nós temos nossas ordens, e elas são para retornar à Gruta. — Respondeu Alick, simplesmente.

Tinha que confiar em suas irmãs, ainda que o sentimento de impotência fosse doloroso.

Os elfos avançavam lenta e calmamente, certos de sua vitória, tomando seu tempo para queimar todas as árvores em seu caminho e matar todas as criaturas que, por algum motivo, ficavam para trás.

Isso dava tempo aos que conseguiam fugirem do massacre, mas os gritos de terror preenchiam a Floresta em chamas e traziam uma atmosfera aterrorizante ao lugar.

Lyssa e Alick se apressaram em seu caminho através da densa Floresta cuja paisagem vibrante e exuberante de outrora fora substituída por um ar opaco e pelo cheiro de morte, trazido pelo vento junto às cinzas das árvores que queimavam na fronteira. As cinzas criavam uma espécie de neblina que reduzia drasticamente o campo de visão.

Na Gruta, as bruxas tentavam reorganizar os retalhos do exército que ainda tentava defender a Floresta. Todo tipo de criatura se unia numa linha desconjuntada e visivelmente frágil, uma última tentativa de defender o lar de todos aqueles seres. Lyssa respirou profundamente, tentando não deixar que o pessimismo tomasse conta de sua mente, mas a tarefa se tornava mais difícil a cada segundo.

— Vamos encontrar as Ferro-Brasil e descobrir o que fazer. — Alick decidiu, já caminhando na direção da entrada da Gruta para encontrar a rainha de seu clã. A fada a seguiu, sem saber muito bem o que fazer.

Dentro do salão, cinco bruxas mais velhas e uma mais jovem discutiam entre si, sem nenhum sinal de Asmin Flor-Invernal. Um macho feérico observava atentamente, sem dizer uma única palavra. Provavelmente o substituto de Desven, pensou Lyssa.

— Onde está a Matriarca? — O feérico perguntou, interrompendo a conversa das bruxas.

— Está ocupada. — A bruxa mais jovem respondeu, tornando imediatamente a conversar com as outras.

— Por que não colocamos uma guarnição na elevação? — A bruxa que falava era uma das rainhas, que Lyssa não conhecia. Ela apontava para o topo da elevação rochosa onde a entrada da Gruta ficava. — Podem atirar todo tipo de projéteis de lá de cima.

A mais jovem olhou para a elevação por alguns segundos antes de responder.

— Mandem bruxas e magos para lá. Serão úteis.

O grupo parecia prestes a continuar a conversa infindável, totalmente alheio à bruxa e à fada que os observavam, mas Alick interrompeu os planos e se dirigiu a Ode, que não dissera nada até aquele momento.

— Rainha Ode, — disse ela — onde estamos sendo posicionadas?

Ode parecia surpresa pela interrupção, apenas encarando Alick e Lyssa por alguns segundos antes de dizer:

— Norte. Siga para lá e irá encontrar Gaba.

Gaba era a tenente que dava ordens ao grupo de bruxas ao lado das quais Lyssa lutara todos aqueles dias. A fada ficou surpresa em descobrir que esta ainda estava viva, já que era sempre a primeira a se jogar no meio dos inimigos para salvar suas irmãs da morte certa. Ela imaginava que a bruxa provavelmente teria morrido ao tentar cobrir a retirada para a Gruta.

Alick se curvou levemente em respeito à Rainha das Ferro-Brasil e virou as costas, seguindo imediatamente na direção indicada para cumprir seu dever, seguida por uma Lyssa que mal conseguia correr alguns metros sem ficar ofegante. A fada se perguntava, por todo o caminho, como poderia ser capaz de sobreviver a mais um confronto?

Talvez, pensou ela, nenhuma daquelas criaturas sobrevivesse.

Elas seguiram ao longo da linha por quase dez minutos em busca de Gaba Ferro-Brasil e o restante das bruxas daquele clã, mas antes que pudessem encontrá-las, foram interrompidas por uma Eisa de aparência extremamente irritada que pousou ao seu lado.

— Lyssa, venha comigo. — Ela disse, imediatamente.

— Por quê? — Eisa, que já se preparava para levantar voo novamente, parou e encarou a irmã.

— Preciso de sua ajuda. — Respondeu a tenente. Irritação era visível em seu rosto. — Na Árvore.

— Minhas ordens são para ir à linha de frente. — A jovem contestou, sem querer decidir para qual lado seguir. Seu coração a mandava para a Árvore, mas sua mente dizia que seu dever era combatendo com as bruxas.

— Fedra ordenou que destruíssemos o livro. Preciso de sua ajuda para isso. — Eisa esticou a mão, obrigando Lyssa a tomar uma decisão.

A fada refletiu por alguns segundos. Com sua magia exaurida, não seria de grande ajuda em nenhum dos dois lugares. Mas as chances de sobrevivência definitivamente eram maiores entre as fadas. Olhou para Alick, que claramente esperava que ela decidisse lutar. Respirando profundamente, Lyssa tomou sua decisão.

— Nós temos que lutar. — Respondeu. — Deixe o livro para depois, Eisa. Elas precisam da ajuda das fadas.

Eisa olhou preocupada na direção do exército despedaçado que tentava se recompor. Lyssa queria, sim, o livro destruído, mas tinha um dever a cumprir, assim como todos ali.

— Talvez ainda haja esperança se vocês ajudarem. — Alick incentivou. — Acho que podemos dar um tempo com essa discussão, não?

— Meu dever é com Fedra e as fadas. O seu também, Lyssa. — A tenente permanecia resoluta em cumprir as ordens da Rainha.

— Não a partir do momento em que ela foi recrutada. — A bruxa retrucou.

"E lá se vai a trégua", pensou Lyssa.

— Vocês duas podem, por favor, parar com isso? — A fada mais nova explodiu. — Olhe ao redor, Eisa. — Pediu. — Se vocês não ajudarem, logo não haverá floresta para defender. Muito menos uma Árvore para morarmos.

A tenente encarou as cinzas que caíam ao redor, os rostos sujos de sangue e lama que estampavam o exército da Aliança. O peso daquela decisão era visível em seu rosto. Pediam-lhe que desobedecesse Fedra, algo que ela provavelmente nunca fizera em toda a sua vida.

Com um peso quase que perceptível nos ombros, ela olhou de Lyssa para Alick algumas vezes antes de balançar a cabeça, concordando.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora