LI. Um Lugar Vazio

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Lyssa acordou com um sobressalto, sentindo como se sua magia fosse sugada para um vácuo sombrio e devastador de onde nunca mais sairia. Fora um pesadelo ou uma infeliz lembrança dos dias passados sob a montanha, onde sua ligação com aquela energia primordial fora diminuída até quase sumir? Ela não sabia.

Talvez, pensou enquanto olhava para o horizonte, para aquela fortaleza abandonada, fosse a visão daquele vazio que a apavorava. O vazio de Til Onag que, ao contrário da caverna, era daquela forma artificialmente. Não era a distância do mundo vivo que tornava o prédio um ponto negro em meio aos fluxos constantes de magia pelo mundo, mas sim um feitiço lançado pelas bruxas que proibira toda a magia de adentrar aquelas portas. Para sempre.

Não havia reversão para a excomungação, dissera-lhe Azar. Assim como jogar sal na terra a tornava infértil, realizar aquele feitiço impedia a realização de quaisquer outros daquele ponto em diante.

Ao seu lado, distante cerca de dois metros, Alick dormia em seu saco de dormir e, do outro lado da fogueira, Azar fazia o mesmo. Já era dia, mas as duas não pareciam sequer próximas de despertar. O sol lançava seus raios sobre as montanhas, que ainda forneciam uma sombra imponente sobre a planície, resfriando e aquietando o mundo.

Entediada, mas sem coragem para acordar as duas bruxas, Lyssa brincou com o fogo entre seus dedos. Cada dia que passava tornava aquilo mais fácil. Ainda que as aulas com Estella tenham sido poucas e apressadas, os conselhos oferecidos pela irmã a ajudavam a concentrar-se e explorar cada dia mais aquele poço de energia que habitava dentro dela mesma.

Na caverna, onde a energia das coisas vivas se parecia somente com um eco da realidade, ela descobrira que nunca tocara de verdade suas próprias forças. Quando parou de extrair energia do ambiente ao redor e se voltou para si em busca de chamas para iluminar o caminho, a fada se assustou com o que encontrou. O que se parecia com uma piscina de chamas incandescentes era, na verdade, um grande lago profundo e mil vezes mais quente do que ela antecipara.

Gota por gota, concentrando-se ao máximo, ela usava aquele poder que mal parecia afetado por aquele uso tão limitado. Assim que uma gota era tirada, ela era reposta, usando a energia física da fada ou o que quer que houvesse de magia ao redor. Cada vez que uma das bruxas falava, Lyssa temia perder o controle, temia o que aconteceria se ela perdesse o controle sobre aquele tipo de poder.

Então ela se recolheu para dentro de si, deixando que Alick e Azar conduzissem a maior parte das conversas, palpitando somente quando lhe era perguntado o caminho por qual seguir. Mantinha a chama fraca não porque lhe faltava magia, mas porque temia errar e incinerar as amigas.

Alick percebera aquele distanciamento e, talvez por entendê-la ou por ressentir-se, não insistira nas conversas, apenas deixara que a fada se perdesse em seus pensamentos. Lyssa olhou mais uma vez para a Ferro-Brasil, se perguntando o que fizera com que aquela bruxa se aproximasse dela. Qualquer que fosse o motivo, a fizera ir até ali atrás da amiga.

Azar bocejou, finalmente acordando. A bruxa de cabelos loiros esticou os braços na direção do céu e arqueou as costas sobre a pedra, relaxando.

— Espero que tenha preparado o desjejum, fada. — Ela brincou. Ao ouvir o som de vozes, Alick abriu os olhos.

— Há alguns calangos e ratos por aqui. — Respondeu Lyssa, apontando para onde a concentração de magia indicava a presença de um ser vivo. — Sinta-se à vontade para caçá-los, eu cuido do resto.

A Fura-Coração revirou os olhos, como se o pensamento de caçar comida após acordar fosse incompreensível, ainda que elas tivessem seguido aquela rotina todas as manhãs que tinham acordado na planície.

— Nosso pequeno desvio consumiu boa parte dos suprimentos. — Comentou Alick, olhando para a bolsa meio vazia. — Sinto que as frutas e grãos não sobreviverão à viagem de volta.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora