XI. Coleção de Hematomas

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- Pare de bloquear! - Alick exclamava, mas Lyssa ainda lutava para se acostumar àquele movimento. - Tem que esquivar de meus golpes. Numa luta contra um elfo, ele quebraria os seus ossos com um soco bem dado.

A fada não falava, somente tentava ao máximo obedecer o que a bruxa dizia. Estivera assim desde a noite anterior. Não abrira a boca desde aquele evento esquisito na floresta, desde que Alick a tirara de lá, empurrando-a até o quarto que mostrara antes. Quando percebera que Lyssa não queria conversar, ela fora embora, prometendo buscá-la na manhã seguinte para que treinassem. E assim o fez.

Tinham passado três horas treinando alguns movimentos básicos de luta corpo-a-corpo, que Alick julgava mais importante que o treinamento mágico, ao menos naquele momento.

- Quem vai ensiná-la a controlar seus poderes serão as outras fadas. - A bruxa anunciara. - Aqui você irá aprender somente a usá-los para o combate, para queimar as bundas magras de uns elfos, ao invés das minhas irmãs.

- Ela está bem? - Mesmo com a risada de Alick, a fada ainda não se tranquilizara em relação àquilo. Sentia-se uma imbecil, descontrolada. Não conseguira fazer nada para impedir aquele desastre.

- Sim, está. - A outra respondera. - Você a queimou bastante, mas o golpe não foi muito bem direcionado, graças aos deuses. Algumas palavrinhas, umas poções e ela estará pronta para torturá-la mais um pouco. - Alick parecia realmente incomodada com as atitudes da outra bruxa.

Um golpe no rosto tirou a fada dos devaneios. A bruxa pareceu imediatamente arrependida de ter avançado conforme observava Lyssa esfregar o nariz. Não tinha quebrado, a fada percebeu.

- Preste atenção. - A treinadora implacável disse, simplesmente, antes de avançar novamente.

A fada desviou dos dois primeiros socos, um pela direita e outro pela esquerda, obedecendo as ordens da bruxa. O terceiro soco, um gancho que mirava seu estômago, só pôde ser parado por aquilo que Lyssa considerava ser o mais próximo de um bloqueio. Ela sabia que Alick só tinha parado porque vira sua incapacidade de desviar-se, mas nenhuma das duas falou uma única palavra.

Aos poucos, a jovem fada percebia uma discreta melhora. A cada rodada de socos imposta pela bruxa, ela conseguia reagir de forma mais consistente. Mas quanto mais ela melhorava, maior era a velocidade dos golpes. Já com um belo hematoma no rosto ocasionado pela tarde anterior, Lyssa não tinha intenção de deixar que qualquer um dos golpes da outra acertassem o alvo. A velocidade com que o punho fechado vinha em sua direção, às vezes mirando o rosto, as costelas ou o estômago, era impressionante. A fada tinha que lutar para que seu corpo respondesse às ordens de seu cérebro e, por mais que se esforçasse, sabia que teria mais alguns hematomas para cuidar na noite daquele dia.

Quando Alick finalmente anunciou uma parada, Lyssa simplesmente desabou no chão exatamente onde estava, encarando a floresta ao redor e tentando sentir a luz do sol que penetrava por entre as copas fechadas. Há alguns metros das duas, outros recrutas treinavam sob supervisão das bruxas mais velhas. Eram todos feéricos e bruxas, ela percebera no momento em que chegaram ao Acampamento, como era chamado aquele lugar. Nenhuma fada ou outra criatura.

A jovem fada não tinha interagido com ninguém. Chegara ali disposta a seguir as ordens e conselhos de Alick e somente isso. Os olhares que as Sentinelas lhe dirigiam eram duros, rancorosos, claramente cientes do acontecido no dia anterior. Sua nova amiga bruxa ordenara que ignorasse todo o resto e focasse apenas no treino, dissera ela que, se provasse que era uma competente guerreira, as bruxas a perdoariam - ou ao menos a suportariam entre suas fileiras.

E assim ela fizera. Repetira todos os movimentos, esquivara e bloqueara os golpes, tentara ao máximo acompanhar o insano ritmo de Alick. Tentara usar as asas, ora para se equilibrar, ora para planar e tentar surpreender a bruxa, mas as malditas coisinhas transparentes estavam resolutas em não funcionar. Vivera três dias entre as fadas da Árvore, mas nunca aprendera quanto tempo levava para que uma delas conseguisse voar. Ninguém nunca a contara e ela, definitivamente, nunca vira a dúvida passar por sua mente.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora