CVII. Ao Nascer do Sol

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Dalária ordenou que suas tropas levantassem acampamento antes do sol nascer.

Era arriscado, a possibilidade de armadilhas pelo caminho era real, mas era a melhor forma de surpreender seu inimigo e tentar forçá-los a um combate em duas frentes. Se deixasse que Linea reorganizasse suas tropas, a vantagem numérica deste faria a diferença e a batalha tenderia para o lado errado.

Junto ao primeiro raio de sol, as legiões de Parsos ascenderam ao topo de uma colina e, usando como vantagem o sol contra o olho do inimigo, avançaram sobre a tropa inimiga, que se dividira em duas, assim como previsto.

Parte do incrivelmente numeroso exército de Linea continuava a pressão contra a Aliança, enquanto a maior parte dele se deslocara para fora da Floresta para enfrentar as tropas de Dalária. O choque das armas de ferro branco tomou lugar de todos os outros sons da planície, seguido imediatamente pelos sons dos gritos de dor dos soldados.

Na linha de frente, a Rainha de Parsos lutava junto aos seus súditos de maneira selvagem, cortando e bloqueando, descarregando em seus inimigos todo o ódio que vinha acumulando dentro de si desde seu quase assassinato.

Em algum momento, ela pôde ouvir com clareza a voz do Duque que, covardemente, se escondia por trás de suas próprias tropas enquanto gritava ordens e ofensas. Estava tão próxima do maldito, tinha certeza de que era ele. Tão perto, mas ainda assim ele estava fora do alcance.

E a voz do duque reverberava em sua mente. A voz que ofendia a Rainha de Parsos, incentivando seus elfos a matarem aquela a quem ele se referia como "a elfa que se deita com touros". E quanto mais ele falava, mais inimigos tentavam chegar onde ela estava para matá-la. Nenhum deles fora bem-sucedido, até o momento.

As tropas de Parsos não eram as mais experientes em combate, mas a ação que tinham visto nas últimas semanas definitivamente serviam como força motivadora para que lutassem com ainda mais afinco por sua Rainha. Eram, em sua maioria, elfos jovens e bem treinados, que nunca tinham enfrentado uma batalha antes do dia em que lutaram contra Vélis.

Poucos ali estavam acostumados a banhar-se no sangue inimigo como Dalária estava. E provavelmente só um ou dois tinham idade suficiente para ver metade das batalhas que ela vira.

A luta foi sangrenta. Os elfos pareciam ainda mais motivados para lutar uns contra os outros do que normalmente eram para lutar contra os selvagens. Talvez, pensava a Rainha, lutar contra seus iguais tinha feito com que se esquecessem de agir como seres civilizados. Golpes baixos não eram incomuns e os tenentes tinham cada vez mais dificuldade em manter a coesão entre os combatentes.

Um bom exército agia sempre como uma força una, coesa e impenetrável. Dalária aprendera essa lição quando pequena. E naquele dia, nenhum dos dois corpos combatentes agia dessa forma. Eram duas massas confusas e indistintas, atacando uma à outra como dois animais selvagens.

Violência e selvageria, causados somente pela ganância de alguns. O sangue de elfos sendo derramados porque uns queriam usurpar o trono de outros.

O pensamento revigorou o ódio de Dalária. Sempre prezara pelas vidas de seus súditos e, agora, eles se jogavam contra as espadas inimigas sem qualquer tipo de lógica ou estratégia.

Movida pelo calor crescente em seu peito, ela cortou a garganta de um inimigo e se abaixou, desviando de uma espada que passou a centímetros de seu rosto. Contra-atacando, ela lançou sua lâmina contra a virilha do oponente, que gritou de dor ao ter a genitália cortada.

Quando Dalária puxou sua espada, visando finalizar logo aquele inimigo, sentiu que ela estava presa, provavelmente à armadura da vítima. Pensando rapidamente, ela largou a arma, puxou a faca de sua cintura e perfurou o rosto do inimigo, roubando-lhe a espada logo em seguida.

O próximo inimigo foi mais cauteloso. Sabia com quem estava lutando, era visível em seus olhos. Ele atacou com uma estocada, que Dalária desviou com a parte chata da própria lâmina. Ela contra-atacou com um chute no joelho do elfo, que rolou para longe, escapando do golpe fatal.

Antes que o inimigo em questão se levantasse, no entanto, um dos fiéis membros da Guarda Real de Parsos o atacou por trás e o mandou para o inferno. Dalária sorriu, satisfeita, tornando sua atenção ao próximo atacante.

A batalha não parecia ter fim. As horas se passavam e a única percepção que a Rainha tinha da lenta progressão de suas tropas era o fato de que os corpos dos inimigos caídos ficavam para trás. Passo a passo, eles estavam ganhando terreno, empurrando o inimigo para dentro da Floresta, onde os esmagariam contra as tropas da Aliança.

"Pelos deuses, eu espero que eles ainda estejam vivos", refletiu Dalária enquanto dava alguns passos para trás, recuperando o fôlego e analisando o campo de batalha por um instante.

Se tivessem que lutar contra o restante dos exércitos do Duque, estariam mortos.

Quando o sol chegou ao seu ápice, queimando a pele por baixo da armadura, o avanço de Parsos pareceu reduzido. Era cada vez mais difícil matar os inimigos. Todos pareciam ofegantes demais para continuar lutando, mas nenhum dos exércitos podia dar-se o luxo de recuar e recuperar o fôlego.

Dalária sabia que tinha que acabar com aquilo logo antes que as tropas do duque rompessem o cerco a Linea e viessem ao auxílio do maldito. Além do mais, ela não tinha linhas de suprimento. Se precisasse buscar mais alimentos, teria que saquear vilas e cidades nos arredores da batalha, o que daria ao Duque tempo e espaço para respirar e eliminar as tropas da Aliança.

Do outro lado, o inimigo não podia se dar ao luxo de recuar, pois então seria esmagado pelos exércitos que os circulariam. A batalha tinha que continuar para ambos os lados. O vencedor teria que ser decidido logo, qualquer que fosse.

— Majestade. — Um de seus generais se aproximou. — As tropas estão exaustas.

— Continuem pressionando. Precisamos acabar com isso logo.

Os elfos que escutaram a ordem sair de sua boca a olharam, boquiabertos. Claramente, não tinham mais condições de continuar lutando. Mas, pela graça dos deuses, o inimigo não devia estar diferente. De ambos os lados, todos pareciam precisar de um descanso.

Decidida a não deixar que suas tropas perdessem a moral, Dalária lançou-se novamente ao centro da batalha, ignorando os riscos, desafiando seus súditos a acompanharem sua ousadia. Os soldados que lutavam ombro-a-ombro contra o inimigo pareceram aliviados ao ver a Rainha unida novamente a eles, enquanto que os que aguardavam atrás começaram a procurar formas de entrar novamente no combate.

Em poucos segundos, todos os incrédulos pareciam novamente determinados e já batiam suas espadas contra as inimigas.

Ainda que o avanço já não fosse tão eficaz quanto no início da batalha, ao menos não estavam perdendo território.

***

O céu já tomava tons alaranjados quando cinzas começaram a cair do céu. Dalária ainda lutava, tentando manter o momento que tinham ganho nas últimas horas e tentando descobrir qual era a posição do Duque. Ela sabia que ele estava em algum lugar próximo, pois ouvira sua voz não muito tempo antes.

Mas as cinzas chamaram sua atenção. Durante todo o dia, não fora incomum que o vento trouxesse até eles os restos mortais das árvores que queimavam, mas a densidade daquela nova nuvem parecia estranha.

Com a sensação de que algo estava errado, a Rainha de Parsos renovou seu ataque contra o inimigo, fazendo todo o possível para avançar. Se tivesse que lutar durante a noite para acabar com aquilo, ela o faria.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora