XV. Runas

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Ao menos os escravos não tinham morrido, pensou Azar enquanto olhava para os dois orelhas-redondas que tentavam acomodar-se no tronco que Dreika tinha arranjado para que o grupo fizesse uma rápida refeição.

As bruxas estavam esgotadas após o rápido combate contra os orcs, mas tinham decidido caminhar na direção da Floresta Negra até terem certeza de que não eram seguidas. O corpo sem vida de Dust ficara para trás, enterrado entre algumas pedras que as irmãs Flor-Invernal tinham pintado de lilás - a cor do clã - com o uso da magia. A Fura-Coração apenas observara o ritual, respeitando o silêncio por uma irmã caída, mas ansiosa para sair daquele lugar, de entre os corpos falecidos daquelas criaturas demoníacas.

Durante o combate, o escravo ferido fora arrastado pelo outro para longe da luta para entre as pedras, onde eles tinham pacientemente aguardado que as bruxas lidassem com aquelas criaturas malditas. Atitude esperta, refletiu Azar. Agora, mesmo não tendo participado ativamente da luta, eles pareciam tão exauridos quanto as bruxas enquanto esvaziavam um cantil cheio de água e tentavam conversar naquela estranha linguagem de sinais que vinham desenvolvendo.

- Se ao menos soubessem escrever. - Comentou a Fura-Coração, dirigindo-se a ninguém especificamente.

- Talvez saibam. - Dreika respondeu. A bruxa Flor-Invernal vasculhava os bolsos de seu casaco em busca de algo. - Não tivemos a oportunidade de testá-los. E como não entendem nossa língua, qualquer comunicação seria inútil.

Azar procurou em sua mochila, mas não encontrou nenhum material para escrita. Frustrada, ela encarou o horizonte, na direção da Floresta Negra, cuja fronteira era distinguível do restante da paisagem àquela distância. De olhos fechados, a Fura-Coração se concentrou na mata ao redor, buscando por aquela sensação que tanto a perturbara. Teria sido um aviso de sua própria magia a respeito do ataque dos orcs, ou seria outra coisa? As outras bruxas não pareciam preocupadas e, exceto pelo luto evidente em seus olhares, a única emoção que deixavam transparecer era o anseio de chegar logo à Gruta.

Com a Segunda Visão, ela olhou para os arredores, apreciando a sensação que sempre acompanhava o vislumbre do passado. Uma pedra entalhada, presente somente no passado, chamou sua atenção. As runas eram antigas, estranhas para ela. Não eram a escrita rebuscada e fluida da língua comum élfica, mas tampouco tinha os traços duros e inflexíveis do alfabeto dos antigos anões. As palavras tinham um padrão que, para Azar, mais se pareciam com rabiscos, feitos por uma criança. Deve ter um significado, ela pensou.

Olhando em volta, ela viu mais pedras, formando um caminho pela mata que seguia até além de seu campo de visão. Todas pareciam ter as mesmas inscrições, o mesmo padrão estranho e nenhuma única palavra facilmente decifrável. O caminho de pedras lembrava as marcações colocadas ao lado das estradas élficas, aquelas que contavam ao viajante quantos quilômetros tinha percorrido. Mas não parecia haver qualquer sinal de uma estrada ali, somente as pedras enfiadas em meio à grama alta do passado distante.

- Pode ver o passado, não? - Asmin interrompeu sua investigação. Levemente confusa, Azar demorou para focar o olhar na bruxa que a encarava com curiosidade respeitosa. Um aceno positivo com a cabeça foi o que a Fura-Coração considerou suficiente como resposta. - Hum. É um dom útil e raro, ao menos em nosso clã.

- Sim. Quando descobri o que podia fazer, todo o clã ficou em polvorosa. - A expectativa que aquele mísero fato criara sobre ela, Azar se lembrava muito bem. Expectativa que ela, obviamente, não fora capaz de corresponder.

- Como funciona? - Claramente, Asmin estava tentando criar assunto, para distrair-se dos eventos recentes. - Consegue escolher para quando a visão lhe transportará?

Azar fez que não com a cabeça.

- A magia me transporta para momentos intensos, quando muitas emoções e encantamentos estiveram presentes. - A Fura-Coração respondeu, paciente. Dreika parou o que estava fazendo para ouvir. Até mesmo os ex-escravos pareciam interessados, embora não conseguissem entender o que as bruxas falavam. - A magia forma veios, linhas temporais, nestes pontos. É para lá que o poder me leva.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora