XXXIII. Os Reis de Outrora

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Há décadas Dalária não entrava nas criptas sob o palácio de Parsos. Os corredores marrom-claros e as bandeiras lilás estendidas sobre as tumbas sempre a faziam recuar frente ao pensamento de ir até ali para prestar suas homenagens. As cores da morte guardavam as grandiosas estátuas, esculpidas em mármore branco, que retratavam aqueles que vieram antes dela, seus ancestrais e suas famílias. Quatro reis, suas sete consortes e sabem os deuses quantos agregados estariam enterrados ali.

A rainha caminhou até a mais distante das lápides, o último par de estátuas que enfeitava o belo, porém macabro, corredor. As cores claras eram limpas, davam uma sensação de calma, mas seu significado ia na mão contrária. Eram as cores do luto, aquelas que eram usadas somente naquele tipo de ocasião, para velar e enterrar os mortos, principalmente aqueles de ascendência real. O branco do mármore era apenas um detalhe, uma demonstração da riqueza daqueles que ali descansavam.

A elfa, vestida em seu tradicional manto verde com detalhes dourados, o manto da realeza, caminhou até aquelas estátuas. A mais próxima da entrada, a feminina, sua mãe. Morta durante a batalha de Nivellir, tanto tempo atrás. A mais distante, a última da longa fileira, a de seu pai. A morte que lhe dera o trono, provavelmente a que mais lhe doera.

Lembrava-se nitidamente do dia em que, ao preparar o corpo de seu pai para o funeral, um sacerdote encontrara sutis sinais de que o monarca fora envenenado, que não morrera por conta de uma súbita enfermidade, como fora o primeiro diagnóstico. O envenenamento, a morte do soberano de Parsos, a tinha lembrado sobre como uma vida imortal podia acabar de maneira extremamente rápida.

Foi naquele momento, ao lado do elfo religioso, que citava os ritos em profunda tristeza pela terrível morte de seu senhor, que Dalária aceitou de bom grado a tiara  que agora pressionava seus cabelos contra a cabeça. Relutara, num primeiro momento, hesitara e duvidara da própria capacidade de assumir aquela responsabilidade. Tivera medo e quase cedera a coroa aos regentes, que administrariam o reino até que ela se sentisse pronta para governar. Sim, era irresponsável e demonstrava fraqueza, mas à época parecia-lhe uma boa opção para fugir daquilo que tanto temia.

Mas ao ver o corpo do pai estirado naquela mesa fria, a língua enegrecida pela toxina letal forçando a linha fina de seus lábios, a princesa decidiu por fim aceitar o manto da liderança e agir imediatamente contra aqueles que a tinham ferido tanto. Não podia confiar em seus regentes, não podia confiar em sua corte. Mal sabia se podia confiar naquele sacerdote que cantava em tons menores ao seu lado.

- Pedi que viessem até aqui hoje por uma ocasião muito especial. - Ela dissera naquela primeira reunião que convocara na corte. Era a primeira vez que se sentava no trono do pai, a primeira vez que usava aquelas roupas simbólicas e a tiara prateada sobre a cabeça. Era também a primeira vez que via a maior parte daqueles que agora se dispunham à sua frente.

Tinha tentado descobrir de todas as formas possíveis quem teria sido o assassino de seu pai, sem sucesso. Tentara ser uma boa moça, agir com autoridade, mas de forma amável, a boa rainha que fora treinada para ser. Mas aquelas ações não surtiram efeito. Eram inúteis frente à vontade implacável daqueles que desejavam o trono de Parsos. Regentes, conselheiros, qualquer um deles teria a ganhar com a morte de um monarca e a passividade da herdeira.

Não mais, decidira naquela manhã, muitos anos atrás. Não mais seria uma marionete naquele jogo de víboras. Então decidiu que tomaria uma atitude drástica, mas que faria com que todos se lembrassem de seu nome e do que era capaz.

- Como é bem sabido por todos nesta corte, - ela começou - meu pai foi assassinado por um traidor cujo nome ainda é desconhecido. O maldito não se entregou e as investigações empreendidas pela Guarda não foram eficientes. - Com um gesto de sua mão, os soldados da guarda entraram no salão, cercando os que ouviam atentamente suas palavras. Alguns elfos murmuraram em estranheza. - Infelizmente, chegamos a um ponto em que é necessário uma pequena, digamos, atitude disciplinar.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora