Fura-Coração (COMPLETO - EM R...

By GustavoPNovaes

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Fura Coração, é uma história de fantasia e magia, ambientada num mundo onde os aristocráticos e escravocratas... More

INTRODUÇÃO
Da Revisão:
MAPA
I. Fúria e Sangue Ancestral
II. Lua Crescente
III. Matriarca
IV. Batedora
V. Magia, Luz e Coisas Gosmentas
VI. Ossos do Ofício
VII. Vislumbre
VIII. Segunda Chance
IX. Sussurros
X. Deserção
XI. Coleção de Hematomas
XII. Gelo e Fogo
XIII. Da Lama e Das Coisas Ruins
XV. Runas
XVI. Porto Seguro
XVII. As Portas de Alis
XVIII. Santuário
XIX. Uma Surpresa Agradável
XXI. Os Navios de Alis
XXII. Finalmente, Lar
XXIII. Entre Fadas e Bruxas
XXIV. A Guerra de Alis
XXVI. O Despertar da Chama
XXVII. Cidade dos Mortos
XXVIII. Azar, das Fura-Coração
XXIX. A Visitante
XXX. Proposta
XXXI. Caçador e Caça
XXXII. Pelas Sombras
XXXIII. Os Reis de Outrora
XXXIV. Silêncio
XXXV. Rainha Fedra
XXXVI. Bonecos de Palha
XXXVII. Embate
XXXVIII. O Vale de Parsos
XXXIX. Criaturas da Noite
XL. Corra!
XLII. Velas Estranhas
XLIII. Sementes de Guerra
XLIV. Selvagens
XLV. A Fortaleza de Terralarga
XLVI. De Volta a Til Onag
XLVII. Sobre as Montanhas
XLIX. Entre Inimigos
L. Chamado às Armas
LI. Um Lugar Vazio
LII. Fogo e Luz
LIII. Textos Antigos
LV. Fantasmas
LVII. A Magia dos Mortos
LVIII. Velhos Amigos
LIX. Uma Jura de Vingança
LX. Os Mestres
LXI. Aliado Com Ressalvas
LXIII. O Elfo e as Bruxas
LXIV. Luz e Escuridão
LXV. Voz
LXVI. Herança
LXVII. Ferro Branco
LXVIII. Fúria
LXIX. Do Sangue ao Inferno
LXX. A Convenção das Águia-Noturna
LXXI. A Legião Desaparecida
LXXII. Boas Notícias
LXXIV. Canção em Pedra
LXXV. Noite de Fogo e Sangue
LXXVI. O Palácio dos Traidores
LXXVII. A Batalha por Parsos
LXXVIII. Os Invasores
LXXIX. Guerra Conclamada
LXXX. Inimigos às Portas
LXXXI. Em Marcha
LXXXII. Voo Desesperado
LXXXIII. Necromante
LXXXIV. Momentos de Escuridão
LXXXV. Guerra em Terralarga
LXXXVI. Coroa de Sangue
LXXXVII. Ventos de Mudança
LXXXVIII. Roubo
LXXXIX. Problemas
XC. Então Começou
XCI. Mudança de Planos
XCII. Contenção de Danos
XCIII. O Esquema de Lyssa
XCIV. Primeiro Sangue
XCV. Atrasos
XCVI. À Sombra das Árvores
XCVII. Quebra
XCVIII. Controle
XCIX. Caos
C. Incredulidade
CI. Desordem
CII. Cacos
CIII. Última Cartada
CIV. Resoluções
CV. Na Escuridão
CVI. Uma Última Noite
CVII. Ao Nascer do Sol
CVIII. Dança dos Dragões
CIX. Árvore
CX. Perda
CXI. A Última Missão
CXII. Desesperança
CXIII. Consequências
EPÍLOGO: O Distante Norte
FIM?

XLVIII. Irmãos de Tão Longe

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By GustavoPNovaes

Rolf estava morto. Lothar chorou sobre seu corpo por quase duas horas, sentindo um vazio inexplicável em si pela morte daquele que era praticamente um irmão. A fada — aprendera o nome daquela raça alada no dia anterior — explicou que toda a energia vital do companheiro desaparecera, que apesar de estar curado de seus ferimentos e doenças invisíveis, não havia nele vontade para lutar por uma vida melhor.

Era como se uma vida livre fosse demais para Rolf suportar. Como se a escravidão, a chibata e a comida podre fossem a única coisa que sua mente conseguisse compreender. Lothar tentava entender, mas não conseguia. O amigo sobrevivera a anos de exploração, de sofrimento, para morrer no momento em que aquela oportunidade surgira diante deles. Para ele, não havia consolo, apenas aquela dor, aquele vazio insaciável.

Quando o curandeiro chegou na cabana, ordenando que o corpo fosse levado dali, ele chorou ainda mais. O feérico explicou que Rolf receberia um enterro com todas as honras e que ele mesmo poderia supervisionar todo o processo para garantir que os deuses certos recebessem o amigo no pós-morte. Mas Lothar não sabia qual deus deveria ser honrado. O Deus de seu povo, ou os deuses élficos para quem ele aprendera a orar? Ou os deuses daquele povo da floresta?

A dúvida em seu olhar devia ser clara, pois o curandeiro deu-lhe um tapa no ombro e garantiu que os ritos seriam em homenagem a todos os deuses e a nenhum deles, então. Aparentemente, eles tinham um ritual para aquilo, uma cerimônia ecumênica que pedia a todas as deidades que recebessem aquele indivíduo de braços abertos. Quase catatônico, com lágrimas escorrendo por seu rosto como um rio irrefreável, o homem conseguiu apenas encarar o nada, sem oferecer uma resposta.

O dia seguinte àquilo amanhecera com sons estranhos e gritos ecoando por toda a floresta. Uma invasão, alguém gritara. Rapidamente, o lugar ficara vazio e um exército marchara para longe. Sem saber o que fazer, Lothar apenas caminhou silenciosamente por entre as árvores, tomando cuidado apenas para não se perder em meio à densa vegetação.

Algumas horas de caminhada errática, ele acabou esbarrando com aquele lugar a que todos se referiam como a Gruta. Uma caverna enfiada numa pequena elevação rochosa no centro da Floresta. Apesar de não possuir qualquer dom mágico, Lothar podia jurar que sentia a energia pesada que emanava do salão escuro onde ele e as bruxas foram recebidos no dia em que chegaram.

A Matriarca, aquela bruxa velha e estranha, conversava com uma ou duas de suas subordinadas do lado de dentro, sem prestar atenção ao humano que caminhava lenta e silenciosamente. Sem saber exatamente o porquê, ele se manteve fora do campo de visão, tentando não chamar atenção. Não tinha motivos para se esconder, fora bem recebido e todas aquelas criaturas foram amigáveis e hospitaleiras, mas parecia-lhe que interromper os assuntos das bruxas era errado, de alguma forma.

Caminhando para trás, sem prestar atenção nos seus arredores, com os olhos sempre voltados à entrada da Gruta, Lothar não percebeu que ia de encontro a outra figura que, por sua vez, estava de costas para a caverna e não o viu. Os dois trombaram e a bruxa se virou em sua direção, sacando uma adaga instintivamente.

Levaram alguns segundos até que ela percebesse que ele não era ameaça e tirasse a faca de seu pescoço. Dreika, era o nome dela. A bruxa que ajudara Asmin e Dust a resgatá-lo. As memórias daquele dia ainda o faziam tremer, como se seu corpo ainda não acreditasse que a liberdade era real, achasse que tudo aquilo era uma invenção de sua mente e que logo ele acordaria ainda sob a chibata dos elfos.

Sacudindo a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos, Lothar encarou a bolsa que a bruxa levava às costas. Ela percebeu o olhar e retribuiu, endireitando as costas e prendendo a faca em seu cinto.

— Aqui não é meu lugar. — Falou, simplesmente. — Asmin pode se acostumar com a vida na Floresta, lutar as guerras com essas pessoas, mas eu não.

Lothar sabia que devia convencê-la a ficar, sabia que a outra bruxa ficaria devastada ao saber que a amiga a tinha abandonado, mas não haviam palavras em sua garganta. Quando Dreika se virou para caminhar para o outro lado, na direção das planícies pelas quais passaram dias antes, ele segurou seu braço. O olhar que a Flor-Invernal lhe lançou foi assustador, mas sua mão não se abriu, o pedido para que ela ficasse era claro. 

— Eu tenho que ir. — A bruxa puxou o braço, violentamente. Lothar nada pôde fazer contra aquela força. — Ela vai entender.

O homem não tentou segurá-la novamente e tampouco alertou as bruxas que confabulavam dentro da caverna. Dreika não era uma prisioneira. Se ela quisesse ir, era livre para tal.

O dia seguinte se passou como que um borrão. As memórias se misturavam às emoções conflituosas e a falta de notícias do exército que partira para defender a Floresta o fazia tremer todas as vezes que parava de caminhar para descansar as pernas.

O luto, o medo, a agonia de não poder expressar o que sentia — que trazia consigo um peso que ele nunca sentira —, o deixavam louco. A única coisa que podia fazer, no entanto, era caminhar a esmo pela floresta vazia. Haviam rumores, somente rumores, do que acontecera ao exército da Aliança. Os mais radicais diziam que foram destruídos por um exército de elfos e agora ateavam fogo à floresta, enquanto a maioria simplesmente acreditava que fora um alarme falso e não havia nada a ser enfrentado.

Lothar, nem qualquer outro ser naquela Floresta, estava pronto para o que encontraram quando as cornetas de paz soaram dentre as árvores, anunciando o retorno do exército. Curandeiros pararam tudo que faziam para atender a feridos e exaustos soldados, criaturas ociosas correram na direção de onde vinham as tropas, apenas para encontrar uma cena que fez o homem mudo cair de joelhos, as pernas perdendo sustentação no momento em que seus olhos recaíram sobre o sorridente porta-estandartes que marchava ao lado direito da rainha das fadas.

As orelhas dele, e do chefe que caminhava à esquerda de Fedra — entre ela e o líder dos feéricos — eram redondas como as de Lothar. Para sua surpresa, eles não eram escravos libertados. Usavam armaduras, belos trajes de metal e couro adornado por runas misteriosas, gemas e desenhos enfeitavam os escudos e elmos. Eram soldados, não refugiados. E não eram somente dois, percebeu ele, encarando ao flanco direito daquela tropa que marchava calmamente para o refúgio da Floresta.

Um nó se formou em sua garganta, tornando-o repentinamente consciente de seus arredores. Estava ajoelhado no chão, as mãos tremendo como se estivesse com frio no ar quente e úmido, alguns que se aproximavam perguntavam se estava tudo bem, mas ele não teria palavras para responder-lhes, mesmo se conseguisse falar.

O exército parou, as falanges de bruxas e feéricos rapidamente se dispersando para cumprir seus afazeres cotidianos, deixando apenas os orelhas-redondas, as lideranças e uma pequena guarnição de feéricos ali, em pé, entre as árvores, enquanto esperavam por algo. A Matriarca, provavelmente.

O chefe dos seus iguais, no entanto, olhou para Lothar, finalmente percebendo sua presença ali e se apressou em sua direção. Ele parecia ser bondoso, tinha um sorriso largo e verdadeiro por baixo da barba bem cultivada. Aproximou-se do ex-escravo, estendendo-lhe uma mão para que se levantasse. Com pernas trêmulas, ele o fez.

— E você, amigo, que faz aqui? — Perguntou. Lothar apenas encarou os detalhes de sua roupa, maravilhado.

— Ele não fala. — Explicou Asmin, que apareceu repentinamente detrás de um salgueiro. — Algum feitiço o impede de se comunicar.

— Meu nome é Belthor, homem. — Ele falou e algo dentro de Lothar se rompeu.

Homem. Ele nunca ouvira aquela palavra, mas lhe parecia tão perfeita para descrevê-lo... lágrimas escorreram por seus olhos enquanto encarava Belthor, sem saber exatamente por quê estava chorando. O Chefe agarrou-lhe o ombro e o puxou para um abraço, como se compreendesse aquele redemoinho confuso que era sua mente.

Lothar tornara-se livre quando aquelas bruxas o tinham resgatado, mas a sensação de ser livre nunca o tinha atingido daquela forma até ouvir o nome que lhe fora dirigido. Uma nova onda de lágrimas pressionou seus olhos a tal ponto que eles pareciam prestes a explodir. Lágrimas de felicidade, de alívio e de luto. Não conseguia acreditar que, dois dias após a morte de Rolf, aquilo acontecera. Parecia uma brincadeira de mal gosto dos deuses, uma piada da qual o amigo provavelmente ria de algum lugar no pós-vida. Não era justo, no entanto. Não era justo.

— Venha cá, meu amigo. — Falou o homem. — Vamos trazer essa sua voz de volta.

Asmin o encarou, incrédula. Até mesmo a rainha das fadas, que se aproximara em algum momento durante o abraço, parecia não acreditar no que ouvia. Belthor as encarou, um sorriso nos olhos.

— Ele estará cantando à fogueira antes do sol raiar. — Falou, debochado. — Há coisas neste mundo que nem mesmo sua magia pode resolver.

Lothar não pôde acreditar quando o Chefe o levou para comer junto aos seus homens no acampamento que eles montaram às pressas sob a proteção das árvores antigas. Não pôde acreditar nas histórias que aquelas pessoas contavam, de uma terra distante e fértil, maravilhosa, onde nenhum mau chegaria, pois a proteção da Deusa era forte demais para ser violada.

Homens e suas fêmeas — mulheres, ele tinha que aprender o termo — confabulavam da mesma forma que os outros escravos faziam em seus abrigos durante as curtas noites, ainda que o peso que pairava sobre esta conversa fosse muito menor. Não havia sobre estes o peso da chibata, da fome e da servidão. Eram livres, eram guerreiros que vieram para lutar pelos seus iguais.

Maravilhado, Lothar pôde apenas ouvir enquanto histórias eram compartilhadas, músicas eram cantadas e flertes eram trocados. As mulheres, tão doces e belas, faziam-no perder o fôlego a cada vez  que falavam. Uma delas, de cabelos e pele negra como a noite, o fez sentir-se quente e desconfortável como nenhuma outra jamais o fizera. Ela o encarava com interesse, mas todos ali o faziam. Ele se tornara o centro das atenções, todos queriam ouvir sua história.

Quando Belthor encontrasse uma forma de recuperar sua voz, ele a contaria. Ele contaria sua história e daria um jeito de unir-se àquela tropa para lutar por aqueles que deixara para trás nas mãos dos elfos. Escutando a cantoria e as conversas que duraram até o amanhecer do dia seguinte, Lothar jurou para si e à Deusa que lutaria.

Pois agora tinha por quem lutar. Tinha até mesmo uma Deusa a quem rezar! Olhando para as estrelas que brilhavam entre as flores, Lothar, o homem, sorriu, deixando que as lágrimas corressem livremente pelo seu rosto.

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