- Pare de bloquear! - Alick exclamava, mas Lyssa ainda lutava para se acostumar àquele movimento. - Tem que esquivar de meus golpes. Numa luta contra um elfo, ele quebraria os seus ossos com um soco bem dado.
A fada não falava, somente tentava ao máximo obedecer o que a bruxa dizia. Estivera assim desde a noite anterior. Não abrira a boca desde aquele evento esquisito na floresta, desde que Alick a tirara de lá, empurrando-a até o quarto que mostrara antes. Quando percebera que Lyssa não queria conversar, ela fora embora, prometendo buscá-la na manhã seguinte para que treinassem. E assim o fez.
Tinham passado três horas treinando alguns movimentos básicos de luta corpo-a-corpo, que Alick julgava mais importante que o treinamento mágico, ao menos naquele momento.
- Quem vai ensiná-la a controlar seus poderes serão as outras fadas. - A bruxa anunciara. - Aqui você irá aprender somente a usá-los para o combate, para queimar as bundas magras de uns elfos, ao invés das minhas irmãs.
- Ela está bem? - Mesmo com a risada de Alick, a fada ainda não se tranquilizara em relação àquilo. Sentia-se uma imbecil, descontrolada. Não conseguira fazer nada para impedir aquele desastre.
- Sim, está. - A outra respondera. - Você a queimou bastante, mas o golpe não foi muito bem direcionado, graças aos deuses. Algumas palavrinhas, umas poções e ela estará pronta para torturá-la mais um pouco. - Alick parecia realmente incomodada com as atitudes da outra bruxa.
Um golpe no rosto tirou a fada dos devaneios. A bruxa pareceu imediatamente arrependida de ter avançado conforme observava Lyssa esfregar o nariz. Não tinha quebrado, a fada percebeu.
- Preste atenção. - A treinadora implacável disse, simplesmente, antes de avançar novamente.
A fada desviou dos dois primeiros socos, um pela direita e outro pela esquerda, obedecendo as ordens da bruxa. O terceiro soco, um gancho que mirava seu estômago, só pôde ser parado por aquilo que Lyssa considerava ser o mais próximo de um bloqueio. Ela sabia que Alick só tinha parado porque vira sua incapacidade de desviar-se, mas nenhuma das duas falou uma única palavra.
Aos poucos, a jovem fada percebia uma discreta melhora. A cada rodada de socos imposta pela bruxa, ela conseguia reagir de forma mais consistente. Mas quanto mais ela melhorava, maior era a velocidade dos golpes. Já com um belo hematoma no rosto ocasionado pela tarde anterior, Lyssa não tinha intenção de deixar que qualquer um dos golpes da outra acertassem o alvo. A velocidade com que o punho fechado vinha em sua direção, às vezes mirando o rosto, as costelas ou o estômago, era impressionante. A fada tinha que lutar para que seu corpo respondesse às ordens de seu cérebro e, por mais que se esforçasse, sabia que teria mais alguns hematomas para cuidar na noite daquele dia.
Quando Alick finalmente anunciou uma parada, Lyssa simplesmente desabou no chão exatamente onde estava, encarando a floresta ao redor e tentando sentir a luz do sol que penetrava por entre as copas fechadas. Há alguns metros das duas, outros recrutas treinavam sob supervisão das bruxas mais velhas. Eram todos feéricos e bruxas, ela percebera no momento em que chegaram ao Acampamento, como era chamado aquele lugar. Nenhuma fada ou outra criatura.
A jovem fada não tinha interagido com ninguém. Chegara ali disposta a seguir as ordens e conselhos de Alick e somente isso. Os olhares que as Sentinelas lhe dirigiam eram duros, rancorosos, claramente cientes do acontecido no dia anterior. Sua nova amiga bruxa ordenara que ignorasse todo o resto e focasse apenas no treino, dissera ela que, se provasse que era uma competente guerreira, as bruxas a perdoariam - ou ao menos a suportariam entre suas fileiras.
E assim ela fizera. Repetira todos os movimentos, esquivara e bloqueara os golpes, tentara ao máximo acompanhar o insano ritmo de Alick. Tentara usar as asas, ora para se equilibrar, ora para planar e tentar surpreender a bruxa, mas as malditas coisinhas transparentes estavam resolutas em não funcionar. Vivera três dias entre as fadas da Árvore, mas nunca aprendera quanto tempo levava para que uma delas conseguisse voar. Ninguém nunca a contara e ela, definitivamente, nunca vira a dúvida passar por sua mente.
Lyssa levantou o tronco, sentando-se no chão apoiada sobre os cotovelos, e encarou a bruxa que esticava para ela um cantil de água, o qual aceitou e esvaziou com prazer.
- Precisa confiar mais em seus instintos. - Alick falou, sentando-se ao lado da fada.
- Meus instintos me dizem para correr daqui e fugir pela floresta. - Lyssa respondeu, percebendo somente então o quanto estava ofegante.
- Quem diz isto é a sua mente. - A bruxa retrucou com ar de sabedoria. - Fadas são lutadoras, guardiãs da floresta. Sua mente, no entanto, se acovarda perante o que desconhece. Deixe seus instintos guiá-la.
- Talvez eu tenha nascido com algum defeito. - Ela disse, apontando para o próprio corpo suado e rindo baixo.
Não era mentira, no entanto. Desde que a bruxa Sentinela a escolhera dentre as jovens garotas da Árvore, ela sentira aquele puxão constante para longe daqueles troncos velhos. A magia dali era agradável, sim. A floresta a enchia de energia e ela sabia que devia defendê-la. Mas aquele puxão estava presente, chamando-a para longe da Árvore, da Gruta e do Acampamento, sabiam os deuses para onde.
- Bertha, Adarla e Mist. - Alick apontava para as três bruxas que conduziam o treinamento dos demais recrutas. - Elas que coordenam tudo por aqui.
- As que passaram a manhã toda me encarando como se fosse uma besta a ser aniquilada? - Lyssa não brincava. A bruxa fez um biquinho com os lábios antes de falar.
- Como eu disse, elas vão acabar aceitando sua presença. Digamos que as coisas estão um tanto desesperadoras para que se desperdice a força de uma fada como você. - A pausa que Alick fez era claramente a espera por uma pergunta que nunca veio. - Depois do que aconteceu ontem, eu insisti para que me deixassem treiná-la nos primeiros dias. Não vou mentir e dizer que elas resistiram à ideia.
Agora sim, Lyssa riu. Era triste que tivesse causado aquele tipo de comoção entre as bruxas? Provavelmente. Mas o desconforto delas a agradava, por qualquer que fosse o motivo bizarro.
- Não quero nem imaginar o que elas teriam feito comigo se você não estivesse aqui. - Falou, com a respiração um pouco mais calma.
- Provavelmente chegaria ao final deste dia com mais do que alguns hematomas. - Alick brincou. - Mas viva, se é com isso que está preocupada.
A bruxa se levantou e, com um gesto rápido, ordenou que Lyssa fizesse o mesmo. O descanso tinha acabado, então.
O restante da manhã seguiu a passos largos conforme Alick tentava ensinar à fada os movimentos mais básicos do combate. Enquanto os feéricos e bruxas ao redor já lutavam com armas e feitiços simples, como se já estivessem acostumados àquele tipo de ambiente, Lyssa tinha que se esforçar para entender e seguir as ordens e conselhos da bruxa.
"Paciência é uma virtude", ela ouvira alguém dizer num daqueles dias que passara na Árvore. Tomando essa afirmação como verdade, ela Alick era uma bruxa extremamente virtuosa. A própria Lyssa se perguntava se seria capaz de lidar com tanta incompetência após cada golpe certeiro que ela falhava em defender, cada movimento que ela falhava em repetir.
Sentindo-se esgotada, cada vez mais cansada e lenta, incapaz de suprimir as consecutivas investidas contra seu corpo, a fada sentiu que logo teria que pedir para parar. Sabia que Alick provavelmente a faria continuar, mesmo que estivesse exausta, mas a perspectiva de encerrar o treino era, ainda assim, tentadora.
Quase que instintivamente, ela buscou entre as árvores, na floresta, pela energia que por ela circulava, pela magia que alimentava todas as fadas. Aquela energia, visível somente para o seu tipo, a preencheu e deu novas forças, renovou sua capacidade de reagir aos ataques de Alick, que pareceu perceber a recuperação e aumentou a intensidade e a velocidade dos golpes. Sem direito a revidar, instruída a defender-se o melhor que pudesse, Lyssa pelo menos conseguia agora reagir de forma apropriada.
- Eu disse para não usar magia. - Alick parecia irritada, falando entre um soco e outro. Com um movimento e uma finta rápida, a bruxa meteu-lhe uma cotovelada no queixo, jogando-a no chão. - Não podemos arriscar que perca o controle.
Apoiada sobre um dos cotovelos - estava ficando acostumada àquela posição - Lyssa encarou a amiga enquanto esfregava o queixo com a mão livre. Ao menos não estava sangrando, pensou ela. Alick esticou uma mão, oferecendo apoio para que se levantasse, mas a fada recusou, levantando com as próprias forças para encarar a outra.
- A energia simplesmente vem. - Ela disse, encarando a bruxa. - Sentiu que eu estava fraca e simplesmente reagiu.
- Aprenderá a controlar isso. - Lyssa não compreendia a atitude grosseira da bruxa. Não tinha machucado ninguém. - Como pode garantir que isso não se tornará uma nova explosão daquelas? - Alick parou de disparar as palavras e, olhando para as folhas verdes acima, respirou fundo. - Vamos parar por hoje. Descanse e esteja pronta para amanhã.
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