CV. Na Escuridão

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— Acorde! — Ela tentou abrir seus olhos, mas eles estavam brancos e leitosos, tornando a se fechar. — Acorde! — Outro murro, uma tentativa desesperada de arrancar alguma reação do companheiro.

De algum lugar na tempestade, Fedra ressurgiu, carregando em sua mão direita uma espada. Com os olhos, Biattra implorou que ela não fizesse o que claramente pretendia. A humana sacou a própria faca, encostando-a contra o peito de Lothar. Uma lágrima escapou de seu olho, sendo consumida imediatamente pelo calor que crescia rapidamente.

— Não me obrigue a fazer isso, Lothar. — Biattra implorou.

Mas a tempestade ainda rugia ao redor, a magia ainda tentava atirá-la para longe, e as gemas se tornavam cada segundo mais inúteis. Fedra foi atingida novamente, desaparecendo novamente e Biattra se perguntou se ela estaria ferida.

— Mas que droga! — Ela esmurrou o rosto dele novamente, e mais uma vez, e mais uma. — Acorde! Veja o que você está fazendo!

Por fim, Biattra decidiu que não havia outra escolha. Tinha que cumprir seu dever. Não podia sacrificar tudo por amor. Ela encostou novamente a faca no peito de Lothar, tentando reunir a coragem necessária para enfiá-la em seu coração.

Uma explosão quase a arremessou para longe, o que quer que estivesse no comando ali, tentava proteger o receptáculo. Biattra sentiu sua pele queimar, o fogo corroía o lado direito de seu corpo, finalmente passando pelas esparsas defesas providas pelas gemas.

Sem tempo para hesitar, ela atacou, cravou a faca no peito de Lothar e gritou, quase que sentindo a dor que ele devia sentir naquele momento.

Ele caiu no chão e ela caiu por cima, retirando a faca imediatamente. A tempestade, imediatamente, cessou. Cinzas caíam lentamente ao chão, os restos da floresta em chamas, dos corpos carbonizados. A energia negra perdeu sua conexão com o mundo e desapareceu no ar como se nunca estivesse ali.

 Com o rosto no peito ensanguentado de Lothar, Biattra deixou que todas as suas lágrimas corressem livres. Não conseguia acreditar no que acontecia, não tinha mais energias para levantar dali e continuar lutando.

Ela ouvia passos. A marcha dos elfos, o som dos gritos à distância. A batalha corria novamente, a Floresta queimava, mas Biattra não tinha mais forças para se levantar. Uma parte de si sabia que tinha que continuar, por Lothar, por tudo que ele sofrera e pelos que ainda sofriam nas mãos dos elfos, mas seu corpo e seu coração queriam deixar o luto tomar conta, ficar ali e velar o corpo do companheiro nem que isso lhe custasse a vida.

Mas uma mão lhe tocou o ombro, tirando sua mente do torpor do luto. Uma mão ensanguentada que batia e tentava empurrá-la, tentando tirá-la de cima do corpo de Lothar. A guerreira demorou alguns segundos para entender que o toque era do próprio companheiro, que tossia e tentava arrumar espaço para respirar.

"Mas, como?" Ela se perguntou, afastando-se rapidamente para dar espaço a ele. De fato, Lothar estava vivo, ainda que tossisse sangue. A ferida em seu peito não mais sangrava, fora fechada de alguma forma. Mas algo estava errado.

Assustada e tomada por adrenalina, Biattra se ajoelhou ao lado dele e colocou sua cabeça sobre o joelho, tentando deixá-lo numa posição mais confortável. Ele ainda cuspia sangue, mas seu olhar era de agradecimento.

— O que aconteceu? — Ela perguntou, mas ele não parecia capaz de responder. Ao menos, pensou, Lothar estava vivo.

Os passos dos elfos se aproximavam, no entanto. Um olhar rápido permitiu que Biattra percebesse que o exército inimigo tinha se recomposto e se aproximava rapidamente, marchando sobre os restos esfumaçados da batalha que ocorrera ali algumas horas antes. O exército da Aliança não estava em qualquer lugar à vista.

Passos vindos da direção da Floresta chamaram a atenção da humana, que olhou para ver Fedra em pé ao seu lado.

A fada estava destruída. Boa parte de seus braços e pernas estavam chamuscados e em carne viva, queimados pelo fogo negro de Lothar. Era óbvio que ela usara a própria magia para proteger seus órgãos vitais e o rosto, mas isso tinha lhe custado as asas, que eram apenas retalhos, uma mera sombra das belas lâminas prateadas que um dia tinham sido.

O semblante de dor e sofrimento no rosto da fada não a deixava mentir. A dor devia ser terrível. Por um momento, Biattra sentiu-se culpada por ter escapado com ferimentos bem mais leves que a Rainha parecia ostentar.

— C-conse... — Fedra tentou falar. — C-consegue c-carregá-lo?

Biattra fez que sim com a cabeça, se levantando e tentando erguer o corpo de Lothar. Por sorte, ele era extremamente magro e ela não era fraca. 

— O que aconteceu? — A humana tentou se aproximar da fada, que ergueu uma das mãos para pará-la.

— Eu vou ganhar tempo. — Disse a Rainha, ignorando a pergunta. — Vá à Gruta.

Biattra hesitou. Tinha que ajudar Fedra, mas não sabia como. Não podia deixar a Rainha das fadas à mercê do exército élfico.

— Eu n-não pretendo morrer hoje, humana. — A fada garantiu, mostrando-lhe as chamas que corriam por suas mãos. — Esses malditos vão entender o que é magia de verdade.

De alguma forma, Fedra conseguiu sorrir. Biattra não conseguia imaginar a dor que ela estaria sentindo, mas parecia que a Rainha parecia determinada a canalizar todo aquele sofrimento contra os elfos. Tudo que a humana pôde fazer foi assentir e assistir enquanto uma fada destruída marchava, sozinha, contra a falange élfica.

Ela não olhou para trás enquanto carregava Lothar na direção da Gruta. Ele não era extremamente pesado, mas a exaustão tornava ainda mais difícil a tarefa. Biattra concentrou-se em dar um passo após o outro, apenas escutando o rugir do fogo da Rainha das fadas se chocando contra as barreiras élficas.

Os gritos que se sucederam, dos inimigos morrendo sob o fogo dourado, ascenderam uma chama calorosa no coração da guerreira.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Where stories live. Discover now