LXXXVI. Coroa de Sangue

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Ela estranhara que não conseguia ver os ataques mágicos de seu exército contra o inimigo. Trouxera consigo trinta deles, que deveriam fortalecer o ataque à distância dos arqueiros, já que estes cessavam o ataque quando as linhas se chocavam.

— Achamos melhor cancelar a artilharia. — O general respondeu. — As linhas estão muito misturadas, não podemos arriscar atirar nos nossos.

— Está certo.

Dito isso, a Rainha se voltou novamente para o combate e se preparava para cair sobre o inimigo quando uma lavareda atingiu seu cavalo, fazendo com que este fosse ao chão. Um segundo antes de ficar presa sob o animal, Dalária conseguiu saltar para longe, caindo contra a terra dura e causando um choque lancinante em seu ombro esquerdo.

Mal teve tempo de reagir quando viu que o elfo que a atacara já caía sobre si. Cavara um buraco em seu círculo protetor e vinha diretamente em sua direção com a espada erguida, pronto para matar sua própria rainha.

Rolando para trás, Dalária pôs-se em pé com agilidade e partiu para cima do inimigo, esquivando para a esquerda de seu golpe vertical e tentando cortar sua barriga com a espada. Conseguiu atingir o alvo, mas a armadura o protegeu. O segundo ataque veio na horizontal, na direção de seu pescoço e ela bloqueou. O elfo tentou um chute, mas a Rainha já esperava por isso.

Com a mão esquerda, que ainda doía por conta da queda, ela agarrou a perna que vinha em sua direção e aproximou seu corpo do inimigo, impedindo que este usasse a espada para feri-la. Dalária derrubou o elfo no chão e enfiou a espada em seu coração.

Ela se aproximou do cavalo, que jazia queimado no chão. Não estava morto, mas estava definitivamente muito próximo da morte. Com um golpe de misericórdia, ela ceifou a vida do animal e acabou com seu sofrimento, a tempo de deter mais um inimigo que vinha em sua direção.

O combate frenético e desordenado prosseguiu por muito mais tempo até que alguns soldados da tropa de Vélis começaram a fugir, vendo que a pilha de corpos do lado dos traidores era muito maior que a dos leais à Rainha. Dalária rapidamente ordenou que Glem enviasse a cavalaria atrás dos fugitivos. Não queria que nenhum daqueles malditos escapasse.

De cima de uma pedra, ela buscou o conselheiro traidor, rezando para que ele não tivesse fugido ainda. De alguma forma, no entanto, o maldito permanecera na batalha. Seu estandarte ainda agitava sob o vento e três cavalos ainda se reuniam ao redor deste — um deles sendo o de Vélis, com certeza.

A Rainha sinalizou para os seus soldados em que direção deveriam seguir. Se o inimigo estava desertando, seria apenas uma questão de tempo até que seu líder tentasse fugir também. Tinha que se apressar caso quisesse tomar o sangue de Vélis com as próprias mãos.

As trombetas de guerra soaram novamente atrás de Dalária, sinalizando que as tropas deveriam avançar. Os generais tinham, então, visto uma brecha que ela não enxergava.

Conforme avançava, a Rainha via com cada vez mais clareza que os generais de Vélis discutiam e tentavam argumentar com o maldito, que apenas encarava os arredores com uma expressão derrotada e assustada. Estariam tentando convencê-lo a se render? Dalária se perguntava se suas tropas teriam conseguido cercar a posição.

A Rainha de Parsos cortou e estocou repetidamente, ceifando vida após vida, mandando todos aqueles malditos para os braços de Bagla. Cada elfo que morria lhe doía, mas não havia arrependimento ali. Traidores tinham que ser executados com ferocidade e com o mínimo possível de dignidade.

Estava há menos de trinta metros de Vélis quando este a viu na multidão. Com medo no olhar, ele apenas observou enquanto ela apontava a espada ensanguentada em sua direção. Ofegante e cheia de cortes superficiais por todo o corpo, Dalária sabia que sua aparência era assustadora. Seus cabelos desgrenhados, a pele pintada do mesmo vermelho que sempre lhe cobrira a cabeça, a armadura cheia de amassados e o sorriso sádico no rosto.

— Traidor maldito! — Ela gritou. — Banharei minha coroa em seu sangue!

O traidor engoliu em seco, parecendo ouvir a ameaça. Ele absorvia cada detalhe da expressão de Dalária com maravilhoso pavor.

Com a visão periférica, ela percebeu que vinha em sua direção mais um inimigo, com o qual rapidamente lidou e tornou a encarar Vélis enquanto percorria o mais rápido possível o espaço entre eles.

Aqueles últimos metros pareceram os mais longos que já percorrera em sua vida. Vélis parecia desesperado, olhando ao redor em busca de uma saída para aquela situação, e seus soldados lutavam com cada vez menos ímpeto, vez ou outra tentando se render apenas para encontrar uma espada enfiada em seus peitos.

Quando o círculo se tornou suficientemente pequeno, todos os traidores largaram suas espadas no chão, para desespero de seus líderes, que agora sabiam que a morte estava mais próxima que nunca. Os soldados se ajoelharam, rezando por clemência, que Dalária decidiu conceder.

— Amarrem estes, mas deixem-nos vivos. — Ela ordenou, com o punho erguido. — Mas os generais devem morrer.

Os dois elfos que cavalgavam ao lado de Vélis desceram de suas montarias e caminharam na direção da Rainha, implorando como dois covardes. Os soldados da Guarda Real os impediram, apontando as espadas para seus pescoços.

— Deixem que passem. — Disse Dalária, confiante. Ela esperou que eles se aproximassem. — Agora, ajoelhem-se. — Ordenou. Os dois sequer hesitaram, provavelmente pensando que ela lhes forneceria perdão em troca de algum tipo de humilhação.

A Rainha não falou nada antes de, rápida como um raio, sacar sua espada e cortar a garganta de ambos com um único golpe preciso. O sangue manchou ainda mais a armadura e o pouco de pele exposta que Dalária tinha. A expressão de surpresa em suas faces ao sentir o corte fatal foi quase prazerosa.

Ela olhou para Vélis e viu que uma roda de mijo tinha se formado em sua calça. Ele sequer usava armadura. Desmontara do cavalo e agora a encarava com o que parecia ser uma tentativa de coragem. A espada que o traidor tinha em mãos era bela e adornada com ouro, contendo o selo real no pomo.

— Que este momento sirva de lição, de uma vez por todas. — Dalária falou alto para que todos ouvissem, desde os traidores até seus próprios soldados leais. — Parsos nunca tolerou e nunca há de tolerar traidores. Estes serão tradados com nada menos que a justiça da espada. Ousa desafiar-me, Vélis?

— Sua puta arrogante! — O traidor gritou, caminhando apressado em sua direção. — Acha que pode lutar contra todos os reinos?

Ele atacou, um golpe desajeitado e desesperado. Dalária sabia que ele era melhor que aquilo, mas provavelmente a temia tanto que não conseguia raciocinar direito.

Sem dificuldades, a Rainha desviou do golpe e usou a própria força de Vélis para rodeá-lo e se posicionar às suas costas, agarrando seu braço da espada e torcendo-o até quebrar. Ela pôs calmamente sua espada no pescoço dele, o ferro branco traçando uma fina linha vermelha em sua pele.

— Seu sangue. — Ela falou ao seu ouvido. Seu cheiro era de um lorde, ainda que tivesse passado os últimos dias ao lado de solados. — Minha coroa.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela puxou a espada e abriu seu pescoço. O som do sangue saltando com força para fora de sua garganta era tudo que se ouvia naquela planície.

Para honrar apromessa, Dalária pôs a mão na poça que se formava aos seus pés, sujando-a comsangue do traidor, e riscou a própria testa com aquele líquido vermelho fétido.Foi somente então que gritos de comemoração e alívio começaram a explodir entreos soldados fiéis vitoriosos.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Where stories live. Discover now