LXXX. Inimigos às Portas

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— Muito bem, Alick das Ferro-Brasil e Lyssa, das fadas. — Declarou Asmin. — Acho que já ouvi tudo que precisava a respeito de sua jornada. Discutiremos o conteúdo do livro depois que eu tiver uma palavra com Fedra. — A bruxa olhou diretamente para a Rainha das Fadas, que parecia pensativa. — Preparem uma cerimônia para Azar Fura-Coração. Podemos não ter um corpo para enterrar, mas ao menos podemos homenageá-la.

— O que aconteceu à Fura-Coração? — Fedra perguntou. O coração de Lyssa se acelerou ao ouvir o nome da bruxa falecida.

— Morreu durante nossa missão. — Respondeu Alick. — Elfos.

Aquilo pareceu explicação suficiente para a fada, que olhou novamente para Lyssa, parecendo perceber a confusão e angústia em sua expressão quase que imediatamente.

— Matriarca, antes que tenhamos nossa audiência, — a Rainha pediu — gostaria de um minuto para conversar com Lyssa.

A fada mais jovem foi pega de surpresa por aquele pedido. Imaginara que a Rainha simplesmente deixaria que ela seguisse seu rumo sem fazer uma exigência daquelas. Fosse Ode no lugar de Asmin, Lyssa tinha certeza que a Matriarca se sentiria ofendida pelo pedido.

A Flor-Invernal, no entanto, pensou por um segundo antes de assentir com a cabeça. Sem esperar que sua sorte mudasse, Lyssa seguiu Fedra imediatamente para fora da Gruta, caminhando ao seu lado para longe do lar das bruxas. A jovem fada definitivamente não sentira falta daquela caverna.

— Precisa aprender a limpar o sangue de sua espada. — A Rainha falou e Lyssa imediatamente encarou a arma que ainda estava presa a sua cintura. — As bruxas não tem esse costume, mas tudo que você precisa fazer é aquecer o sangue até que este desapareça. Sem derreter o metal, é claro.

— E sem atear fogo aos arredores. — Foi tudo que a fada pensou em dizer.

— Ordenarei que Estella continue seu treinamento imediatamente. — Fedra parou de caminhar sob a luz fraca do sol que penetrava num espaço sem árvores, uma clareira na floresta densa. — Se ainda tivermos tempo para isso.

— Eles estão vindo, não estão? — Lyssa não se preocupava em esconder seu medo.

— Sim. — Fedra engoliu em seco. — Enfrentamos uma parte do exército em Linea. Quando perceberem que seus batedores não retornaram da Floresta, será uma questão de tempo até que enfiem suas tropas para cá.

As duas ficaram em silêncio por quase cinco minutos. O que quer que a Rainha quisesse falar para Lyssa, ela parecia não encontrar a maneira certa de começar aquele assunto. Então, a jovem decidiu tirar de sua garganta o que realmente lhe incomodava.

— Eu sei da verdade. — A sobrancelha arqueada de Fedra pedia que ela continuasse falando. — Era para eu ser sua herdeira.

Fedra sorriu, tranquilizadora. Parecia aliviada que Lyssa fora quem desejara começar aquela conversa. "Talvez fosse isso que ela quisesse falar", a fada pensou.

— As bruxas tiveram coragem de contar? — Perguntou, fazendo com que a raiva que a pequena sentia voltasse à sua mente. Hesitante, ela explicou.

— Foi... outra pessoa. — Novamente, Fedra parecia confusa, desta vez em relação à sua hesitação. Quando viu que Lyssa não parecia disposta a explicar, pôs-se ela mesma a falar.

— Quem quer que tenha te contado, não mentiu. — Falou. Uma pequena parte da fada ainda torcia para que fosse mentira. — Desde meu próprio nascimento, uma fada não nascia tão perto do núcleo da Árvore quanto você. No momento em que saiu do casulo, ficou claro qual posto deveria ocupar. O mundo está mudando rapidamente e eu acredito que você veio para fazer parte dessa mudança.

— Por que me deixou ir, então? — Estava irritada com a falta de honestidade das bruxas, mas também com a fraqueza de sua Rainha, que não impediu que fosse levada para longe de casa.

— Infelizmente, quando firmamos o acordo da Aliança, a Matriarca adquiriu poder supremo sobre todas as criaturas. Quando a sentinela disse que você seria recrutada, não pude fazer nada.

Fedra parou de falar enquanto Lyssa refletia sobre suas palavras. A jovem fada ainda se sentia perdida, ainda que acreditasse no que a Rainha dissera. Mal tinha nascido e se tornara uma peça num jogo político que sequer sabia que existia.

— E por que elas não me contaram? — Perguntou, após alguns segundos. Fedra suspirou profundamente, como se esperasse por aquilo e não quisesse realmente responder.

— Provavelmente tiveram medo de sua reação. Ou que eu tentasse revindicá-la caso viesse até mim com esse conhecimento. — Fedra pôs as mãos sobre os ombros de Lyssa de maneira carinhosa. — Quem contou para você?

A fada hesitou novamente. Ainda não se sentia confortável para falar sobre aquela noite e tamlouco tinha certeza se devia compartilhar aquela experiência estranha para alguém. E se pensassem que estava louca?

— Foi uma... Elfa. — Falou, por fim. — Ela me visitou em sonho na noite em que Azar morreu.

A Rainha das fadas parecia não compreender. Paralisada, ela apenas encarava os olhos de Lyssa enquanto a pequena esperava por uma reação. Por fim, Fedra apenas soltou seus ombros e se virou para encarar a floresta ao redor.

— Bem, agora que sabe, elas terão que ser honestas. — Foi tudo que ela disse. — Agora escute bem, Lyssa.

— Algo errado? — A pequena perguntou, curiosidade brilhando em seu olhar.

— Muitas coisas. — A Rainha sorriu. — Os elfos estão a caminho da Floresta. Você deve voltar à Árvore e treinar com as outras. Como herdeira, deve estar pronta para defender nosso lar.

— M-mas... — Lyssa gaguejou. — E a Gruta?

— Lidarei com Asmin Flor-Invernal. — A Rainha parecia resoluta. — Não é justo que as bruxas continuem com suas artimanhas. Se a batalha chegar até nós, devemos estar unidas e prontas para lutar.

— Mas não vamos junto ao exército?

— As mais experientes e fortes, sim. — Fedra falava com cada vez mais urgência na voz. — Mas a maior parte deve ficar para servir como última linha de defesa.

Lyssa sentia-se dividida. Não queria que aparentasse ter fugido dos deveres com a Matriarca para retornar para as asas de Fedra, não queria deixar Alick decepcionada. Mas desejava cumprir com o que sua Rainha desejava. Era ela quem estivera lá para recebê-la neste mundo, afinal.

— Não terá que governar. — Fedra continuou. — Eisa fará esse trabalho por enquanto. Tudo que peço é que se prepare para a batalha.

— Espere. — A jovem interrompeu. — Você vai embora?

— Devo partir numa jornada. — A Rainha tentava soar segura, mas Lyssa podia perceber que suas asas se agitavam, junto a sua magia. — Vou em busca de aliados. Espero retornar antes que seja tarde demais.

— Aliados?

— Deixe que eu me preocupo com isso, pequenina. — Fedra pôs uma das mãos no rosto da fada. — Agora vá até a Árvore e encontre Estella. Transmita minhas ordens. Retornarei à Gruta para falar com Asmin Flor-Invernal.

Lyssa não queria retornar. Começava a se acostumar com a ideia de permanecer na Gruta. Não podia contestar a palavra de sua rainha, tampouco podia abandonar seu dever. Ela segurou a mão de Fedra que ainda segurava seu rosto e a fada mais velha sorriu docemente.

— Não se preocupe, menina. — A Rainha falou. — O jogo do destino é complicado demais para que possamos entendê-lo, mas temos que cumprir com nossos papéis.

Dito isso, Fedra desvencilhou-se da mão de Lyssa e levantou voo, aguardando somente pelo consentimento silencioso e hesitante da jovem para partir em velocidade por entre as árvores, rumo à Gruta.

Sozinha, encarando a floresta surpreendentemente silenciosa, Lyssa refletiu sobre tudo que acabara de acontecer. Tudo parecia pesar em sua mente de forma a tornar seus pensamentos nebulosos e lentos.

Tentando não se deixar levar pela própria confusão, ela seguiu as ordens de Fedra e caminhou lentamente até a Árvore.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Where stories live. Discover now