LXIII. O Elfo e as Bruxas

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— Mas... — Eralyn procurou palavras para tentar salvar a vida do companheiro, mas não havia nada. Ele parou de pensar quando sentiu o cuspe de Gehr molhar seu rosto.

— Não preciso da sua ajuda, traidor. — O elfo falou, amargo. — Se for para morrer nas mãos dessas aí, morrerei. Mas não hei de subordinar-me à sua vontade.

O desertor engoliu em seco, tentando bolar um plano. Tinha que haver uma maneira de tirar Gehr dali e, quem sabe, fazer com que este trouxesse reforços. Era imperativo que encontrasse uma maneira de avisar o Duque sobre a localização da Aliança, uma maneira que fugisse do feitiço de confusão cujo efeito ele claramente sofria.

Após alguns minutos de reflexão, decidiu que tentaria manter o amigo vivo até o anoitecer e, então, daria um jeito de libertá-lo. Passaria o restante do dia tentando encontrar uma forma de enviar a mensagem para a legião de maneira eficaz.

***

Com o cair da noite veio a quietude usual da planície, quando os animais iam para suas tocas e somente as coisas mais estranhas caminhavam sobre a terra. Eralyn apenas observou enquanto Azar se retirava para longe deles com seu livro, provavelmente para refletir sobre as anotações que fizera durante aquele dia.

O guerreiro conseguira, a duro custo, manter Gehr vivo. Apesar da tortura, dos experimentos, seus cuidados improvisados foram suficientes para manter seu corpo funcionando, ainda que debilitado. De início, o companheiro tentara resistir, afirmando que não precisava de sua ajuda. Mas, após algumas horas, tornou-se demasiado fraco para resistir aos cuidados.

A fada ainda não retornara. O que quer que estivesse fazendo, onde quer que estivesse, nem mesmo seu cheiro podia ser sentido. Apenas o rastro de sua passagem, mas não o odor fresco que ele sentiria caso ela estivesse perto. Isso significava que tinha apenas que remover Alick da equação para libertar Gehr.

Para sua sorte, a bruxa Ferro-Brasil parecia nervosa, olhando a todo momento para a direção pela qual Azar partira, como se conseguisse ver o que a bruxa fazia e não aprovasse nem um pouco.

— Vejo que não gosta da ideia. — Ele comentou casualmente. Alick pareceu demorar alguns segundos para reconhecer seu comentário.

— Por mais que eu queira ver seus colegas mortos, ou fugindo com o rabo entre as pernas para qualquer que seja o lugar de onde vieram, tenho medo dessa coisa. — A bruxa respondeu. — Azar não é ela mesma desde que começou a mexer com isso. Está mais distante, só pensa em testar seus novos poderes e esqueceu-se completamente que temos que voltar logo para a... — Ela interrompeu sua fala, lembrando-se de com quem falava. — Estou preocupada.

— Akseron. — Falou o elfo, recebendo um olhar confuso da bruxa. — É como chamamos o mundo além do Mar de Tempestades. É de onde viemos.

— Você conhece Akseron? — Eralyn riu da pergunta.

— Acho que ninguém vivo conhece. Não do lado de cá, obviamente. — Era estranho falar daquilo com o inimigo, mas tinha que ganhar a confiança da bruxa. — Depois que nossos ancestrais atravessaram, nenhuma outra embarcação conseguiu sobreviver aos tornados e relâmpagos. Tudo que se sabe é que existem treze reinos, assim como aqui, e que não há outras criaturas inteligentes.

— Não há? — O olhar no rosto de Alick era de curiosidade pura. — Vocês os mataram também?

— Algumas lendas afirmam que lá haviam anões também, mas desapareceram antes mesmo que os elfos surgissem no mundo. Quando atravessamos para cá, tínhamos como missão povoar o mundo e purificá-lo, então nos pusemos a trabalhar.

Era difícil para Eralyn não sacar sua faca e enfiá-la no pescoço da bruxa naquele exato momento. No entanto, sabia que não conseguiria vencer Azar Fura-Coração e sua magia negra uma vez que esta estivesse alertada pela morte da amiga. Teria que esperar pelo momento oportuno, teria que aguentar aquela farsa por mais algum tempo.

Ao seu lado, Gehr gemia baixo enquanto tentava encontrar alguma posição que não doesse para dormir um pouco. Vez ou outra, quando percebia que o desertor o observava, lançava-lhe um olhar cheio de ódio que dizia bem o que pretendia fazer assim que saísse daquela situação. Eralyn engoliu em seco quando Alick se levantou.

— Vou checar Azar. — Anunciou a bruxa. — Fique de olho nesse aí.

— Sim, senhora. — Ele respondeu enquanto tomava um gole de seu cantil.

A Ferro-Brasil partiu pela mata na direção pela qual a outra caminhara minutos antes, deixando os dois elfos sozinhos com o corpo do soldado falecido. Aguçando sua audição com um feitiço simples, Eralyn aguardou até que os passos dela estivessem distantes demais para que ela escutasse o que ele tinha a dizer. Por precaução, ele ergueu um escudo de ar ao redor de si e de Gehr, isolando-os acusticamente do mundo ao redor.

Ajoelhou-se ao lado do prisioneiro e disse:

— Escute bem o que vou dizer. — Gehr não parecia disposto a fazê-lo. — Esqueça seu ódio por um minuto e escute. Vamos trabalhar juntos uma última vez, o que acha?

O elfo pareceu ponderar, olhando para todos os lados como se considerasse se tinha outra alternativa. Por fim, ele tornou a olhar na direção de Eralyn, o rosto surrado e cansado, sangrando em alguns pontos onde Azar experimentara sua magia negra. Seu olhar dizia para que o companheiro prosseguisse.

— Vou soltá-lo. — O guerreiro começou a explicar seu plano, sob o olhar atento do amigo. — E você vai me nocautear e, então, fugir. Vá pelo norte e encontre o Duque. Diga a ele que a Aliança se encontra... — Ele não consegui se lembrar quais palavras deveriam vir em seguida.

Gehr o encarava confuso e desconfiado, como se não conseguisse acreditar no que ouvia e não entendesse o porquê daquela hesitação. Eralyn revirou sua mente, olhou ao redor, buscando a informação que tinha que transmitir. Foi então que finalmente entendeu.

Quantos elfos estiveram tão próximos quanto ele estava de adentrar a Floresta Negra? Quantos teriam chegado até ali e dado meia volta devido a um feitiço que tão obviamente confundia sua mente? Floresta Negra era o lugar, ele tinha certeza. Como ninguém percebera aquilo antes? "Um feitiço muito bem construído", pensou.

Num papel, antes que a informação lhe escapasse novamente, Eralyn escreveu a mensagem. Teve que parar algumas vezes, tentando relembrar a informação, mas finalmente conseguiu. Colocou na pequena folha tudo que o Duque precisava saber para avançar sobre aquelas bruxas com todas as suas forças. Se aquela mensagem chegasse até o elfo, aquela guerra finalmente seria resolvida e a arma de Azar Fura-Coração pouco importaria para o desfecho de tudo.

— Entregue essa mensagem ao Duque. Há um feitiço de confusão. — Gehr apenas encarava o papel, como se duvidasse daquelas palavras. — Está me entendendo? Pelos deuses, você tem que levar isso até ele. Faça-o e, depois, pode vir atrás de mim. Deixe que eu lido com a bruxa e sua magia maldita.

Finalmente, após muitos minutos de ponderamento, o elfo aprisionado afirmou positivamente com a cabeça e indicou com o rosto para que Eralyn enfiasse o papel num compartimento secreto no interior de sua camisa, provavelmente feito para guardar facas. O desertor o fez e, então, soltou as mãos do amigo, que imediatamente agarrou uma pedra e bateu em sua cabeça, deixando-o inconsciente.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora