XXXIII. Os Reis de Outrora

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Os soldados sacaram suas espadas, como se tivessem ensaiado por meses para aquele momento. Dalária sopesou novamente os prós e contras daquela medida. Àquela altura, decidiu, não havia retorno. Não podia recuar e fingir que nada acontecera. Tinha que agir com pulso firme e irrefreável.

- Dou-lhes uma simples escolha. - Ela continuou, finalizando o irritante barulho dos sussurros que ecoavam pelo salão. - Entreguem o assassino, ou aqueles relacionados a ele. - Tinha certeza de que havia mais de um daqueles malditos envolvidos no atentado. - Cada minuto passado sem uma resposta, um de vocês irá morrer. Meus homens não farão distinção de posição, herança ou status. Um irá morrer a cada minuto em que eu não saiba o nome do traidor. Se todos aqueles aqui presentes morrerem, ao menos terei alguns quartos livres neste palácio ao final deste dia.

Os três primeiros que morreram tiveram o sangue derramado sob o olhar cético dos demais. Nenhum deles acreditara que Dalária levaria aquilo até o fim, não tinham fé em sua capacidade de agir com firmeza quando necessário. Doze morreram antes que o primeiro daqueles imbecis tentasse romper o cerco da guarda palaciana e fugir do salão. Este morreu também. Vinte e quatro, dos mais de duzentos ali presentes, foram os que conheceram a face de Bagla naquele dia. Vinte e quatro membros da corte foram o preço pago até que um dos cortesões ali presentes erguesse a mão e entregasse quatro conspiradores.

Decepcionada, a rainha encarara a multidão à sua frente antes de tomar mais uma perigosa decisão.

- Entristece-me que tenha demorado tanto para que alguém erguesse a mão. - Ela olhou para eles, os olhos azuis inteligentes examinando e julgando cada um daqueles elfos, machos e fêmeas. - Sinto em ter de puni-los pela falta de lealdade. Guardas, dividam-nos em grupos de dez. - E os guardas o fizeram. - Agora, aos senhores, - ela apontou na direção da corte reunida - peço que escolham um de cada grupo. O décimo de cada grupo encontrará estes vinte e quatro do outro lado do véu da morte.

E aquele dia ficara conhecido como o Dia do Décimo. Uma punição terrível, autoritária e implacável que moldara seu relacionamento com a corte pelos próximos trezentos anos. Tinham duvidado de sua capacidade de exercer a justiça dura e pagaram por tal afronta. Desde aquele dia, nunca tinham desafiado a força de sua coroa novamente.

Agora, a estátua de seu pai a encarava com aqueles olhos brancos gelados, um olhar que não dizia nada e, ao mesmo tempo, dizia muitas coisas. Julgamento, era o que lhe parecia naquele momento. O Rei olhava para a filha como que julgando suas ações, suas escolhas e, principalmente, aquela que ela enfrentava naquele momento. Marchar para Alis, para uma possível campanha contra os selvagens, ou ficar ali e proteger os sacerdotes que cantavam na montanha?

- Por que não ambos? - Perguntara-lhe Vélis. - Fique aqui e envie um general para liderar suas tropas.

- Se eu ficar e minhas tropas forem, - ela respondeu - parecerei uma fraca covarde. É melhor que eu sequer me pronuncie em relação a isso.

- Minha rainha, com todo o respeito, está tornando complicado um assunto demasiado simples. - Insolente, o conselheiro falava em tom baixo, para não chamar atenção dos muitos ouvidos que podiam estar escondidos por trás das plantas do grande jardim. - A questão é simples: vá ou não vá. Por que se preocupa tanto?

- Caro Vélis, parece que nasceste ontem. - A rainha replicou. - Sabe quanto custa atravessar o continente com um exército? Sabe quantos desses reis estão esperando por um deslize para tomar estes territórios? - Dalária pôs as mãos na têmpora, cansada. - Se me precipitar e sair daqui com tudo que tenho, além de deixar os sacerdotes desprotegidos, posso retornar para encontrar meu reino nas mãos de um desses imbecis. Se deixar metade das tropas, serei amaldiçoada por Célion e seus aliados mais íntimos por negligenciar seu apelo. Se ficar, considerar-me-hão uma covarde. A questão não é simples, nunca foi.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora