A fada caminhou pelo solo molhado e cheio de coisas vivas da floresta, sem saber exatamente para onde estava indo. Sequer lembrava o caminho de volta para a Árvore, não tivera tempo para memorizar todas as curvas e reentrâncias pelas quais passara nas mãos da Sentinela. Ela permitiu que seus pés a levassem em frente, virando onde parecia certo virar e seguindo quando parecia certo seguir. Alick dissera para que seguisse seus instintos, não dissera? Bem, talvez não exatamente daquela maneira, mas a interpretação era livre.

Não encontrou muitas criaturas em seu caminho. Alguns pássaros, roedores e mamíferos menores, sim, mas nenhum ser com o qual pudesse conversar e conhecer. Aquela parte da floresta era vazia e antiga. A magia ali era agitada e poderosa, rebelde, percebeu Lyssa. Talvez as criaturas da floresta não gostassem daquilo que não conseguiam controlar, pensou. Ou talvez fosse aquela outra coisa, aquela sensação que começava a aparecer em seu peito conforme ela caminhava em frente, passando ao lado de um velho e gigantesco carvalho. Mais que uma sensação, aquilo parecia um aviso para que ela parasse de seguir e desse meia volta, como se a floresta a estivesse aconselhando a cessar sua exploração. Mas seus passos continuavam guiando-a naquela direção.

Lyssa caminhou até perder a noção de quanto tempo se passara, mas logo percebeu que as árvores estavam ficando mais jovens e as folhas, mais claras. Os espaços entre as copas cresceram e a luz do sol penetrava com maior facilidade para aquecer a floresta e fazer florescer a vida. Estava se distanciando da área central. Esperava conseguir voltar por conta própria para a Gruta.

Esquecendo a preocupação, a fada seguiu em frente até chegar a um pequeno riacho que corria por entre as árvores, barulhento, ecoando por toda a área ao redor. Era uma água violenta e agitada. Aquela sensação que a levara até ali cessou repentinamente, deixando um vazio estranho em sua mente, como se tivesse perdido um apoio que a mantinha em pé. Era como se alguém a houvesse pegado pela mão e levado até ali e, repentinamente, ido embora sem aviso.

- Bem, - falou para si mesma - o que estou fazendo aqui?

"Use seus instintos", Alick dissera. Bem, ela os usara e eles a tinham levado até ali. Fora instinto ou algum chamado externo? Isso importa? Lyssa se perguntava. Agora, a jovem fada encarava o riacho ruidoso enquanto mordia o lábio inferior e tentava por o cérebro para funcionar. Respirando fundo, ela fechou os olhos e sentiu a magia ao redor, buscando o que quer que aquela sensação tentava mostrá-la. Era uma magia diferente, percebeu com surpresa. Não o calor reconfortante da Árvore ou a umidade bruta da Gruta, mas uma magia fria, quase congelante, que contrastava com seu fogo, que agora se agitava como que em resposta a uma agressão. Com medo que sua magia acabasse ateando fogo àquela floresta involuntariamente, a fada tentou se acalmar, controlar a confusão que corria por suas veias. Com os olhos fechados, ela não percebeu quando uma onda de força se ergueu do córrego e a atingiu com força.

Deitada no chão, novamente, com os olhos agora escancarados e tentando entender o que acontecera, Lyssa demorou alguns segundos para perceber que seu corpo estava em chamas. Assim como a grama ao seu redor. E a árvore mais próxima. Sua própria magia tinha se erguido para protegê-la daquela força agressora. O que quer que fosse, tinha recuado perante o fogo dourado, mas parecia manter-se à espreita, observando a fada com atentos olhos invisíveis.

Lyssa amaldiçoou a bruxa que a levara da Árvore, reconhecendo que nada daquilo teria acontecido se aquela maldita tivesse ficado quieta e deixado que a pequena fada cumprisse com o ciclo natural das coisas, que passasse o próximo ano entre as suas, que aprendesse a lidar com a própria natureza antes de ter de lidar com todo o resto. Uma lágrima correu por sua bochecha, uma lágrima de ódio e tristeza, e ela podia sentir que sua magia se agitava novamente, como fizera no dia anterior quando a Sentinela a atacara.

- Mas o quê? - Ela perguntou quando uma parede de gelo puro e maciço se avolumou perante si, separando-a do lago.

A fada não teve escolha senão libertar toda aquela agitação, o poder que fervilhava dentro de si, querendo sair, quando a parede desceu sobre ela. A explosão de fogo fez com que o sólido derretesse e torna-se simples água, que encharcou o corpo de Lyssa com um "tsssss" conforme tocava as chamas que dançavam em sua pele. Estava totalmente exausta, percebeu. Ali não havia aquela energia mágica que a alimentara, que nutria seu poder. Mais um ataque como aquele a mataria, tinha certeza.

Não demorou muito para que a energia gelada se modificasse novamente, tomando forma e cercando a fada, deixando-a sem saída.

- Quem é você? - Perguntou para a parede de gelo. - O que quer de mim?

Nenhuma resposta.

- Mas que droga! - As lágrimas corriam livremente por seus olhos. Ela tentou conjurar uma nova onda de magia, sem sucesso.

Quando Lyssa já se preparava para deixar a curta vida que tivera e juntar-se às suas ancestrais nas runas cravadas nos galhos da Árvore, o gelo cedeu, transformando-se novamente em pura energia e espalhando-se pelo ambiente como se nunca tivesse ameaçado sua vida. De perto do lago, um bater de palmas chamou a atenção da fada, que olhou imediata e inquisidoramente na direção da origem do som.

- Agora entendo como conseguiu fazer aquilo com a Jyan. - A bruxa que batia palmas falou, colocando as mãos na cintura e encarando a fada. - Ela está bem mal, sabia? - A bruxa pensou um pouco. - Não, acho que Alick não diria isso para a fadinha de estimação dela.

- O-o que q-quer de mim? - Lyssa sentia-se novamente da mesma forma que se sentira frente à Matriarca: inútil, desajeitada e sem valor algum.

- As Fura-Coração não costumam deixar que este tipo de ofensa saia impune. - O sorriso no rosto da estranha fez com que as pernas da fada tremessem.

Estranha não, percebeu Lyssa enquanto tentava por-se em pé. Aquela bruxa estivera lá quando o acidente acontecera. Era uma das instrutoras que cuidava dos jovens feéricos durante o teste.

- F-foi um acidente. - Tentou explicar, já sabendo que tentava em vão.

- Acidentes... - a bruxa a encarou conforme se aproximava cada vez mais, como um predador se aproxima de sua presa. - Sim, acidentes acontecem. Aliás, acho que a pobre fadinha está prestes a sofrer um.

Antes que a sádica agressora pudesse fazer qualquer coisa, Lyssa tomou fôlego e, juntando o que restava de sua magia, atirou seu poder contra a bruxa. Inútil, como tudo que ela tentava fazer em sua mísera e curta vida. A bruxa simplesmente olhou para a fraca chama que saíra das mãos da fada e riu, apagando-as com uma parede de energia gelada.

- Contra Jyan, você estava em seu território, fadinha. É mais forte onde as fadas são mais fortes. - Ela riu com desdém. - Aqui, em meu espaço, você não é nada.

Lyssa queria abraçar a bruxa por dizer a ela exatamente o que fazer. Com as forças que lhe restavam, a fada correu na direção que ela acreditava ser o centro da floresta, onde a Árvore a esperava com todo o esplendor do poder de sua raça. A inimiga gritou quando seu ataque atingiu o chão, inefetivo contra o alvo.

Com todas as forças que tinha, ela correu e correu até sentir aquela energia fria dissipar-se no ar e a energia calorosa da floresta retornar e preencher seu corpo com as forças que precisava para escapar da bruxa.

Mais veloz graças à energia renovada e impulsionada pelo desespero e pelo medo, Lyssa conseguiu distanciar-se da assassina, cujos gritos ficaram para trás, cada vez mais distantes para que as finas e pontudas orelhas da fada conseguissem captá-los. Mas ela só parou quando encontrou território familiar novamente, quando a bela e gigantesca estrutura de madeira da Árvore, com seus rios de magia etérea e as dezenas de fadas que voavam por todos os lados, aquele lugar tão aconchegante, surgiu à sua frente entre os carvalhos antigos.



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*Este capítulo possui 2100 palavras*

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Where stories live. Discover now