XI. Coleção de Hematomas

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Lyssa levantou o tronco, sentando-se no chão apoiada sobre os cotovelos, e encarou a bruxa que esticava para ela um cantil de água, o qual aceitou e esvaziou com prazer.

- Precisa confiar mais em seus instintos. - Alick falou, sentando-se ao lado da fada.

- Meus instintos me dizem para correr daqui e fugir pela floresta. - Lyssa respondeu, percebendo somente então o quanto estava ofegante.

- Quem diz isto é a sua mente. - A bruxa retrucou com ar de sabedoria. - Fadas são lutadoras, guardiãs da floresta. Sua mente, no entanto, se acovarda perante o que desconhece. Deixe seus instintos guiá-la.

- Talvez eu tenha nascido com algum defeito. - Ela disse, apontando para o próprio corpo suado e rindo baixo.

Não era mentira, no entanto. Desde que a bruxa Sentinela a escolhera dentre as jovens garotas da Árvore, ela sentira aquele puxão constante para longe daqueles troncos velhos. A magia dali era agradável, sim. A floresta a enchia de energia e ela sabia que devia defendê-la. Mas aquele puxão estava presente, chamando-a para longe da Árvore, da Gruta e do Acampamento, sabiam os deuses para onde.

- Bertha, Adarla e Mist. - Alick apontava para as três bruxas que conduziam o treinamento dos demais recrutas. - Elas que coordenam tudo por aqui.

- As que passaram a manhã toda me encarando como se fosse uma besta a ser aniquilada? - Lyssa não brincava. A bruxa fez um biquinho com os lábios antes de falar.

- Como eu disse, elas vão acabar aceitando sua presença. Digamos que as coisas estão um tanto desesperadoras para que se desperdice a força de uma fada como você. - A pausa que Alick fez era claramente a espera por uma pergunta que nunca veio. - Depois do que aconteceu ontem, eu insisti para que me deixassem treiná-la nos primeiros dias. Não vou mentir e dizer que elas resistiram à ideia.

Agora sim, Lyssa riu. Era triste que tivesse causado aquele tipo de comoção entre as bruxas? Provavelmente. Mas o desconforto delas a agradava, por qualquer que fosse o motivo bizarro.

- Não quero nem imaginar o que elas  teriam feito comigo se você não estivesse  aqui. - Falou, com a respiração um pouco mais calma.

- Provavelmente chegaria ao final deste dia com mais do que alguns hematomas. - Alick brincou. - Mas viva, se é com isso que está preocupada.

A bruxa se levantou e, com um gesto rápido, ordenou que Lyssa fizesse o mesmo. O descanso tinha acabado, então.

O restante da manhã seguiu a passos largos conforme Alick tentava ensinar à fada os movimentos mais básicos do combate. Enquanto os feéricos e bruxas ao redor já lutavam com armas e feitiços simples, como se já estivessem acostumados àquele tipo de ambiente, Lyssa tinha que se esforçar para entender e seguir as ordens e conselhos da bruxa.

"Paciência é uma virtude", ela ouvira alguém dizer num daqueles dias que passara na Árvore. Tomando essa afirmação como verdade, ela Alick era uma bruxa extremamente virtuosa. A própria Lyssa se perguntava se seria capaz de lidar com tanta incompetência após cada golpe certeiro que ela falhava em defender, cada movimento que ela falhava em repetir.

Sentindo-se esgotada, cada vez mais cansada e lenta, incapaz de suprimir as consecutivas investidas contra seu corpo, a fada sentiu que logo teria que pedir para parar. Sabia que Alick provavelmente a faria continuar, mesmo que estivesse exausta, mas a perspectiva de encerrar o treino era, ainda assim, tentadora.

Quase que instintivamente, ela buscou entre as árvores, na floresta, pela energia que por ela circulava, pela magia que alimentava todas as fadas. Aquela energia, visível somente para o seu tipo, a preencheu e deu novas forças, renovou sua capacidade de reagir aos ataques de Alick, que pareceu perceber a recuperação e aumentou a intensidade e a velocidade dos golpes. Sem direito a revidar, instruída a defender-se o melhor que pudesse, Lyssa pelo menos conseguia agora reagir de forma apropriada.

- Eu disse para não usar magia. - Alick parecia irritada, falando entre um soco e outro. Com um movimento e uma finta rápida, a bruxa meteu-lhe uma cotovelada no queixo, jogando-a no chão. - Não podemos arriscar que perca o controle.

Apoiada sobre um dos cotovelos - estava ficando acostumada àquela posição - Lyssa encarou a amiga enquanto esfregava o queixo com a mão livre. Ao menos não estava sangrando, pensou ela. Alick esticou uma mão, oferecendo apoio para que se levantasse, mas a fada recusou, levantando com as próprias forças para encarar a outra.

- A energia simplesmente vem. - Ela disse, encarando a bruxa. - Sentiu que eu estava fraca e simplesmente reagiu.

- Aprenderá a controlar isso. - Lyssa não compreendia a atitude grosseira da bruxa. Não tinha machucado ninguém. - Como pode garantir que isso não se tornará uma nova explosão daquelas? - Alick parou de disparar as palavras e, olhando para as folhas verdes acima, respirou fundo. - Vamos parar por hoje. Descanse e esteja pronta para amanhã.



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*Este capítulo possui 1558 palavras*

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora