DIA DE SORRIR

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Por conta do trabalho, Antônio ficou ausente por dois dias do hospital em que Toni se encontrava. Ângela ia diariamente na parte da tarde visitar o filho.
Quando Antônio retornou, ao entrar na sala, bateu de frente com a enfermeira Gomes. Ambos ficaram ruborizados.
- Eu queria lhe pedir desculpas, senhor Antônio, por... àquele dia.
- Ei, por favor. Apenas Gomes. Ou seria Toninho?
A brincadeira fez Gomes ficar confusa e compelida a deixar um sorriso transparecer.
- Eu que lhe devo desculpas. Eu fiz àquela cena deprimente, e ainda acabei com o seu horário se almoço.
- Que isso. Não precisa... eu comi algo na cantina mesmo.
- Ai caramba, te fiz comer essas coisas?! Antes de mais nada e, novamente, obrigado por me encontrar.
- Ainda não entendo essa frase?
- Eu estava perdido. Dentro de mim. Na infância passei por vários psicólogos. Na adolescência, uns cinco, e adulto uns três. E, lhe garanto, nenhum deles me tirou dessa caixa perdida.
- Mas... isso foi... bom?
- Ah, sim. Com certeza. No trabalho, nunca trabalhei tão focado. No entanto, quando cheguei em casa chorei por horas. Soluçava, melecava as toalhas - Antônio sorriu fazendo o gesto de limpar o nariz -, que nojo! Maaassss... foi ótimo. Eu não choro desde o jardim de infância. Eu tinha um nó na garganta e no peito me impedindo de chorar. Quando acordei no dia seguinte estava leve. De uma maneira que nunca senti antes. Cheguei a conclusão que sempre estive com um peso, e pela primeira vez ele caiu por terra.
- Eu, fico feliz que esteja melhor. E, caramba! Que bom que ajudei, de alguma forma. Eu pensei que não quisesse me ver mais. Quase pedi transferência. Eu me senti muito mau.
- Perdão. Minha vontade, quando acordei na manhã seguinte, era de vir e te dar um abraço. Mas tive um imprevisto no serviço e não pude vir nos dias anteriores. E teria te ligado, porém, não tenho o seu telefone.
— Obrigado por vir esclarecer, mas agora tenho que ir. Tenho outros quartos para visitar.
— Mas...
Antes que Antônio continuasse, a enfermeira Gomes interviu.
— Se ainda quiser me levar para... jantar. Fique com o meu número.
A enfermeira pegou um pedaço de papel, mesmo quando Antônio disse-lhe para falar o número que anotaria no celular.
— Me chame de antiquada, mas eu quero esse papel de volta. Porém, desenhe o meu nome nele. Você lembra do meu primeiro nome?
Antônio sorriu, assentiu e aceitou o papel. A enfermeira saiu, ele ficou um tempo com o filho e após a chegada de Ângela, ele se foi.
Após este dia, Antônio tentou marcar um almoço, mas Gomes disse que não queria ter que comer depressa por conta do horário do hospital, então preferia deixar para um momento de folga. O dia de folga poderia ser amanhã, depois ou sabe lá quando, então Antônio se pôs a marcar um jantar. Gomes pareceu mais dedicada a querer, até marcaram dia e local, mas Gomes alegou uma emergência hospitalar e que teria que desmarcar. Antônio não se deu por vencido. Os dias eram cruéis. Toni estava se recuperando lentamente, dezembro estava dando indícios natalinos e a cada tentativa, Gomes dizia: Me perdoe, preciso estudar para a faculdade. Me perdoe, preciso ver a minha mãe, ela não está bem. Me perdoe, o meu pai faleceu ontem. Me perdoe, eu juro, a faculdade está tirando a minha pele, terei que remarcar. Me perdoe... Me perdoe... Me perdoe...
As desculpas eram tantas que Antônio se rendeu.
Não havia porquê continuar a insistir. Mesmo no hospital, local que ela trabalhava, ele pouco a via. Chegou a pensar que ela trocara de turno, só para não vê-lo.
Até que nas vésperas da alta de Toni, ela ligou. Antônio atendeu, sabia que era ela, mas estava imaginando que ela só queria pedir desculpas e dispensar formalmente, ou magoa-lo ainda mais. Com inúmeros pensamentos negativos na mente, Antônio nada disse ao telefone:

– Oi, alô. Sei que deve estar de saco cheio de ouvir essa frase: "me perdoe". E sei que, a essa altura, deve ter desistido de minha pessoa. E vou entender se não quiser me ver, nem pintada de ouro. Não tiro a sua razão. Não vou ficar aqui, horas explicando os acontecidos, saiba que, de antemão, quero dizer que esse ano é o meu último como enfermeira, ano que vem, já serei formada e procurarei emprego de doutora.
Eu falo muito, rsrs... como sempre fui, desde a escola. Se ainda estiver me ouvindo, eu quero te convidar para sair. Tomar um drink, um suco, uma água... Não me importo com o cardápio da noite ou dia. Quero apenas estar com você — isso soou meio clichê ou piegas. E talvez seja isso. Sei que me ouve, pois a sua respiração me incentiva a continuar, então, digo, para onde quiser ir, comigo, irei. Quero o meu desenho do meu nome — lembrou do meu nome, não é?!
Toninho, eu... quero te abraçar e poder curtir esse natal você. E se me der mais uma chance, passarei a noite pedindo desculpas e lhe mostrando o quanto estou disposta a estar do seu lado.

Por uns minutos, Gomes esperou que ele dissesse algo, nem que fosse para xingá-la, ou repudiar a sua tentativa inútil de perdão. Até que, já angustiada, resolveu desligar o telefone, e foi quando, segundos antes do desligar, ouviu a voz de Antônio:

– Sabe... às coisas acontecem de maneiras estranhas. Quando te chamei para almoçar, na primeira vez, queria apenas um ombro amigo, sem segundas intenções, apenas para conversar ou não falar nada. Lá, no restaurante, redescobri uma amiga do passado, e ela, destravou o meu passado me presenteando com a minha memória. Depois, quis ter algo mais, ainda sem segundas intenções. Ter-te na minha vida, pois foi você que me fez uma pessoa melhor, mesmo que por uns minutos. Quando começou a me rejeitar, por conta dos seus problemas pessoais, me senti um inútil. Não por ser rejeitado por uma mulher linda, que você é, mas uma rejeição... distinta para mim. Uma rejeição por não poder lhe dizer o quanto te acho maravilhosa. Eu não estou com raiva de você. Cheguei a sentir raiva de mim, por não te tratar como deveria, por não ter a oportunidade de te agradecer formalmente. E, no decorrer, acabei percebendo que... eu estou atraído por um forte desejo. Pode ser bobeira ou, como falei, apenas por me sentir rejeitado da falta da "não gratidão". Não sei explicar.
Agora, quando eu já estava procurando esquecer. Você me liga. Você. A pessoa que, a alguns minutos, estava em meus pensamentos e, eu, me esforçando a tomar vergonha na cara e não te ligar.
Rosa. Eu fiz o seu desenho e, ainda não sei quando, mas vou te entregar quando você estiver disponível para mim.

Uma onda peculiar lhes acalmou, por uns segundos, ambos ouviram suas respirações. Até que, talvez ao mesmo tempo, ambos começaram a sorrir compulsivamente. De um lado, ele pedia desculpas, do outro ela pedia desculpas e insistia que ele não deveria pedir desculpas. Quando conseguiram recobrar a noção, ela disse:
— Amanhã é meu dia de folga.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now