AO CAIR DA NOITE

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Um estrépito som assustou Maria ao chegar em casa. Todas as luzes estavam apagadas, mas podia jurar que ouviu alguém passando na escuridão. Receosa, pegou a vassoura que estava atrás da porta da sala e, vagarosamente, caminhou em direção ao corredor. Chegando lá, não havia ninguém, mas a porta do seu quarto estava aberta. Já indo em direção ao seu quarto, notou que a porta do quarto de sua filha também estava aberta.
– O que essa menina está aprontando?
Como a essa hora somente Luna e Cleiton estão em casa, pensou na conclusão precipitada de que ela foi ao seu quarto e ao ouvir o som de alguém abrindo a porta, ela correu para o seu. Porém, ao empurrar a porta do quarto da filha, ficou abismada com a imagem, no mínimo, curiosa. Adentrando, arregalou os olhos ao ver sua filha seminua e descoberta e, tudo indicava, que estava dormindo profundamente. Os olhos de Maria estavam sobre sua filha desnuda, no entanto, sua mente estava sendo arremessada a um passado deixado no poço do esquecimento.
– Vem, menina. – Maria olhava com os olhos arregalados.
– Senta no colo do padre. – Sua mão começou a tremer.
– Não vai querer brigar com Jesus, vai? – Seu corpo ficou inerte.
– Aqui é a casa do senhor. Faça tudo que eu mandar. – Sua mão fazia movimentos estranhos na genitália do padre.
– Minhas palavras vêm do céu. – Os gemidos e falas se misturavam enquanto suas lágrimas caíam.
– Isso, faz desse jeitinho. Ah, que boa menina, que boa menina... Tudo vai ficar bem agora.
Após o retornar ao mundo real, Maria corre para o seu quarto. Me sua mente, pensamentos pecaminosos entram em colapso. Seria o seu marido a tocar em Luna? Chegando no quarto, encontra a janela aberta, mas a cama intacta e nenhum rastro. Gilberto estava fora, ela sabia. Conhecia Gilberto desde pequeno, nunca imaginou que ele fosse capaz de fazer uma coisa dessas, mas, sua cabeça dizia, ele é homem; homens são homens hoje e amanhã. Pensou também que estava imaginando coisas, penso que poderia estar acusando uma pessoa boa, pensou que poderia ser o filho. Quando foi ao Quarto de Cleiton, a mesma coisa: quarto vazio e cama feita. Esse era o novo horário de trabalho de Gilberto, porém ela não tem muitas informações do serviço, será que esse trabalho realmente existe? Não seria uma desculpa para ficar em casa longe dela? Não, não é isso, ela conhece Gilberto, ele pode não ser o homem mais bondoso que já conheceu, mas isso já uma coisa muito além. O que não saia de sua cabeça era que a pessoa que adentrou sua casa, não arrombou nada. A porta não tinha sinais de arrombamento. Seria como se soubesse o que estava fazendo. Era alguém que sabia que aquela era a única janela da casa sem grades.
Maria voltou ao quarto da filha, a cobriu e sentou na sala para esperar Gilberto. Cleiton chegou primeiro em sua casa. Vendo a mãe sentada no sofá da sala, já foi se desculpando, disse que só foi tomar um sorvete com Carla e que não ficou muito tempo fora. Já passava das vinte e três horas. Maria costuma ligar às vinte e duas e quando ligou, Cleiton disse estar indo dormir. Era uma mentira. Ela, já com a mente cheia, disse que eles conversariam no dia seguinte, que ela não estava bem para papo. Ele foi tomar banho, comeu uma banana, tomou um suco de laranja e foi deitar. Quinze minutos depois Gilberto chegou.
– Onde vocês estava a essa hora?
– Que pergunta é essa? Vai, agora, depois de dezessete anos, querer dar uma de mulher ciumenta?
– Não me importo com você, mas com os meus filhos.
– Então porque não fica em casa com eles?
– Para cozinhar para você? Não. Prefiro viver por mim.
– Acho que está se contrariando: quer viver por você, ou se importa somente com os seus filhos?
– Uma coisa não anula a outra.
– Se não anula, porque quer saber de mim? E não deles que, provavelmente estão dormindo a essa hora.
– Era para você estar em casa, tomar conta dos seus filhos e...
– Oi, oi, oi... Pode parar. E você? Era para estar onde? Arranjou um emprego que passa mais tempo longe de casa do que eu; aparece do nada, numa sexta feira a noite; fica me enchendo de perguntas que, sem nexo, se acha na razão de, assim como eu, não estar em casa. Você também podia estar em casa e... Cassete! Do que estamos falando? Estamos brigando por quê?
– Era pra você estar em casa – continua repetindo essa frase como um resmungo, uma prece, em um tom baixo, com os olhos indo do passado ao presente.
– Maria, o que está acontecendo?
Maria o olha nos olhos, parece procurar uma resposta que sabe que não irá encontrar. Minutos atrás cogitou a ideia de que foi Gilberto a entrar no quarto de sua filha e despi-la. Mas no fundo sabia que não. Suas brigas de casal eram bobas e na maioria sem sentido. Todas para disfarçar uma relação pífia, que não existia a anos e que para ela nunca existiu da forma católica que lhe incumbiram na igreja. Após uma pausa fixando na face do seu marido, Maria respira fundo e deixa as palavras tomarem o seu rumo.
– Alguém entrou aqui – Gilberto ameaça falar, mas ela continua –, alguém passou pela janela do nosso quarto. Essa pessoa sabia, sabia... eu... não sei como, ou quem, mas... essa pessoa sabia que essa janela era a única sem grades e... – Pausa, seus olhos se enchem de lágrimas, abaixa a cabeça.
Gilberto senta ao seu lado – Maria, o que aconteceu? Levaram alguma, te fizeram alguma coisa, nossos filhos, eles...
– Estão dormindo.
– Então...
– Abusaram da nossa filha.
Gilberto gelou, ficou imóvel. A sua garotinha, sua filha, o seu bebê... alguém a tocou? Quem, quem faria isso? Quem entraria em sua residência para fazer uma coisa horrenda dessas? Ele não podia acreditar, isso não pode ser verdade.
– Maria. O que você está falando? Disse que nossos filhos estão dormindo e, agora, diz que abusaram da Luna?
– Era pra você estar em casa...
– Maria...
– Quando eu cheguei, ouvi um barulho – começa a contar a história olhando para tudo que pronuncia, vê cada detalhe que expõe –. Daí peguei a vassoura, foi como uma reação involuntária, poderia ser um rato, um gato... sei lá. Mas... eu podia jurar que vi alguém correndo na escuridão. Fui até o corredor, nossa porta estava aberta, pensei que fosse você, pensei que pudesse ser uma das crianças... o quarto da Luna estava aberto. Concluí que ela tinha entrado lá e, não sei, coisas de meninas, adolescentes, que queria mexer em alguma coisa... eu... Passei pelo correr, eu passei ali e... a porta do quarto dela estava aberta... Era pra você estar em casa.
– Maria. Nós dois estávamos na rua. – Maria o olha, seus olhos lacrimejam sem parar, ela não os seca, parece não ver nitidamente. Gilberto força o seu maxilar, faz forças para não desabar como sua esposa. Ela parece distante, conta uma história que acabara de acontecer, mas a sua narrativa não parece sobre Luna. Gilberto quer se levantar, ver se a sua filha está bem, mas e a sua esposa, está bem?
– Quando entrei no quarto dela – que idiota, até pensei em entrar já lhe dando uma bronca –, quando entrei, ela estava sem o seu cobertor, a janela aberta, um vento gelado estava vindo de fora e... o seu corpo, o seu corpo estava... ela... estava sem calcinhas, a parte de cima levantada, estava de bruços e... Gilberto, alguém entrou aqui. – Gilberto tenta se levantar, diz que verá Luna, vai saber se ela está bem, mas Maria não permite. – Não. Deixa a minha menina em paz.
– O quê? Você está...
– Não, eu... Deixa ela dormir. Chega de homens no quarto dela...
– Maria eu sou...
– Um homem. Não quero nenhum homem no quarto dela.
Gilberto pensou em esbravejar, dar um sermão sobre ser pai, ser um homem diferente, ser a pessoa que a protege, que protege a família... Mas estava claro que não foi homem suficiente para isso, que não estava quando precisaram, que sua esposa, por mais que tenha lhe julgado nesse momento como um qualquer, ela estava certa. Ele era um homem e, tudo indicava, que um homem abusou de sua filha.
Nesta noite, pela primeira vez, Maria contou tudo que aconteceu com ela quando era adolescente. Gilberto ouviu calado e estupefato. Sabia que a sua esposa tinha problemas com sua infância, mas jamais imaginou o quão grandes eram. Mesmo se quisesse falar, não conseguiria acrescentar em nada, pois além de ela falar sem parar, ele, como ela já havia dito, ele é um homem, e um homem deflorou sua esposa, um homem, supostamente, deflorou sua filha, um homem não pode opinar sobre um corpo feminino que já fora violado.

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