MUARA

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Muara Tipiá. Indígena de pai e mãe. Sua ida ao Rio de Janeiro se deu pelos seus pais, que insistem que parte de sua antiga tribo vive no Rio, mas eles, ainda não encontraram nenhum vestígio.
Desde os primórdios as tribos são dizimadas pelos supostos colonizadores que obrigaram-nas ser catequizadas. Nisso, a tribo da Muara, foi uma que teve muita influência portuguesa e até hoje é perseguida, mesmo ela ter fugido para mata adentro. Muitos desta tribo se espalharam, uns foram para outros estados, outros continuaram na Amazônia. O pai de Muara é um homem de mente aberta e aceita novas ideias e descobertas. Com isso, ele aceitou fazer cursos gratuitos do governo. Não por não aceitar sua condição de aborígene, mas para poder fazer com que suas filhas, filhos e esposa, tivessem melhores possibilidades de vida; para assim, não ficarem fugindo o tempo todo da obrigatória "civilização".
Upuã, pai de Muara, fez cursos de línguas estrangeiras, sendo ele especializado em Tupi, língua que os brasileiros dizem ser nativa de todos os índios, apesar de sua tribo ter a própria e não divulgada; também inglês, português francês e latim. Upuã dedica a sua vida a isso e ensina o que pode aos seus seis filhos. Já com cinquenta anos, decidiu fazer faculdade de letras para poder formalizar o seu aprendizado. Guaciá, mãe de Muara é costureira e, na tribo, era ela que fazia as vestimentas. Uma das culturas passadas de mãe para filhas. Muara e família chegaram ao Rio de Janeiro quando a menina tinha apenas cinco anos, seu pai, decidido se formar na faculdade, levou ela e mais dois filhos mais novos, mais velhos que Muara.
Uma das coisas que Upuã preza, é que o dialeto da tribo passe para todas as gerações, assim, dentro de sua casa, o próprio não fala outras línguas e exige que todos respeitem seus ancestrais. Isso é ótimo para a sua cultura, mas dificultou um pouco o aprendizado de Muara. Aprendeu a escrever e as outras matérias, mas no momento de falar, se embolava entre o português e sua língua nativa.
A família morava na comunidade do Cantagalo, no Rio de Janeiro. Upuã dizia que um dia sairiam de lá para um local mais digno e respeitado pelo governo. Visto que, mesmo gostando da vizinhança, teve dificuldades de arrumar trabalho para custear a sua faculdade e sua esposa não consegue trabalhos fixos de costureira. Toda vez que diziam onde moravam, vinha umas respostas ensaiadas dos gerentes ou secretarias: Gostei do seu currículo, logo, logo iremos entrar em contato. Gostei da sua disposição, mas no momento não estamos contratando. Gostei de você, talvez no próximo mês iremos te convidar a nossa empresa...
Upuã ficou quatro anos vendendo produtos na orla da Zona Sul, até conseguir um emprego de carteira assinada como porteiro em um grande prédio. Isso, graças a uma conversa que teve coma senhora pouco mais velha que ele.
Quando Upuã se formou, Muara já estava com quatorze anos e a partir dali, toda boa escola que ele lecionava, conseguia bolsa de estudos para a filha e os demais irmãos.
Guaciá ainda costura, mas também pega um trabalho avulso e outro como faxineira, empregada doméstica, mas nunca emprego fixo - por opção.
Muara é uma menina calada, tímida e com um olhar profundo cheios de mistérios. Conversa pouco e dirige a palavra apenas a quem conhece ou puxa algum assunto que lhe interessa. Sua beleza física é uma coisa que muitos elogiam, mas ela não é muito vaidosa, se cuida regularmente com pouco luxo e dificilmente usa maquiagem. Como namora a muito tempo com André, não tem noção das investidas de outros garotos e não vê isso acontecer. André está constantemente com ela, assim outros não chegam diretamente para lhe fazer elogios ou flerte, mas os olhares maliciosos são notados por todos ao redor.
No ensino médio, Muara se sentia um pouco sufocada com a relação com André. Não sabia o que fazer ou como fazer para terminar a relação. Tinha medo do que poderia acontecer caso não tivesse com o rapaz. Ela sempre o achou inseguro e imaturo para a vida. Se via crescendo e aprendendo e o via preso em um passado de terror. A relação do casal nunca houve um "eu te amo", pois a naturalidade que iniciaram a relação não lhes deu a possibilidade de pensar nessas coisas. Quando começaram a pensar se realmente amavam um ao outro, já estavam juntos a anos e entrelaçados por suas famílias. Ambos não saberiam dizer se é apego ou amor, paixão ou amizade. Muara foi a primeira a tentar uma saída da relação quando notou que André estava distante em um universo mental obscuro, mas ao mesmo tempo, não queria que ele ficasse sozinho com pensamentos pecaminosos e, quem sabe, poderia desenvolver depressão pela solidão.
Muara e André eram um casal por conveniência, mas não notavam isso. Queriam estar um com o outro, pelo outro, nunca por eles mesmos.
Na festa de Cleiton, Muara conheceu todo o grupo. Só tinha amizade com a Carla, por já ter estudado com ela e já havia visto Cleiton algumas vezes. Mas foi o olhar em outra pessoa que a tirou da mesmice chamada namoro com André.
Amor, tesão, paixão... nunca foram sentimentos que ela conseguiria mesclar a sua relação com André, mas na festa, ela sentiu uma coisa similar a isso por outra pessoa. Ao vê-lo chegar, o seu sorriso diferente dos homens que ela estava acostumada a ver. Com um jeito contido, ao mesmo tempo generoso. De antemão, parecia uma pessoa que desprezava as outras, mas passada a festa e ter ficado com ele e todo o grupo sentados na sala de estar, viu o seu lado sensível e disposto a ajudar um amigo. Muara viu algo que poucos enxergaram no rapaz. Ela entendeu que o seu jeito esnobe era uma fuga da gritaria do mundo que o envolvia. Este, tentava se esquivar das falácias com a sua sabedoria pessoal, seu conhecimento nos livros e viagens que fez desde criança. Ele não era uma pessoa ruim. Era uma vitima da sociedade ao redor que o fazia ser distante dos que o consideram inferiores.
Muara jamais lera alguém com tantos detalhes como o leu. Quando o garoto falava, ela se sentia hipnotizada em cada letra que ele oferecia, e ela, degustava como um prato predileto. Seu coração indicava uma tensão ao rapaz, sua mente pedia que conhecesse mais esta figura distinta que maliciava a sua sanidade, umidificava suas mãos e penetrava seus olhos nos dele.
Quem seria esse garoto loiro de olhos claros que estava deixando a menina índia, que antes se sentia propriedade do André, a desejar estar ouvindo e abraçando-o?

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now