DO ÓCIO A ROTINA

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Rotina. Algumas pessoas são tão presas a isso, que sentem que necessitam deste habito vicioso para viverem em harmonia com a sua mente e corpo. Uma pausa dessa constância vida é pedida todos as noites a Deus, Oxalá, Tupã, Buda... a qualquer divindade que possa lhes ouvir e dizer o que podem fazer para mudarem suas vidas enfadonhas, no entanto, será que é mesmo isso que o individuo acostumado ao movimentos sistemáticos realmente quer? A mente e o corpo precisam de uma sintonia, muitas vezes desgastamos demais o corpo, outra, mais vezes a mente... Quando isso acontece, precisamos de um momento de ócio. A verdade é que não existe o ócio completo ou o momento infinito, tudo que se move para e tudo que é inerte se movimenta.
A família Santos viveu um Natal perfeito, um Réveillon digno de uma família unida – isso poderia ser para sempre? A resposta é simples: a eternidade é um estado da mente causado para que busquemos desafios mentais para crermos, cada vez mais, em novas realizações, sonhos impossíveis, desejos ocultos da mente que divagamos ao fecharmos os olhos.
Janeiro de dois mil e vinte e três foi de longe o melhor mês desta família, mas não podia ser fortes como um diamante, se não seria cobiçado como o nióbio e buscado pelos tolos como ouro. Já na entrada de fevereiro a mudança da família se iniciou. Cleiton estava nos preparativos para sua viagem internacional. Mesmo vendo seu irmão nervoso, Luna o provocou com suas brincadeiras:
— Que bom! Farei do seu quarto um escritório, ou um atelier, ou talvez uma casa de bonecas. Já não sei onde pôr as minhas lindinhas.
— Nem ouse fazer do meu quarto uma coisa ridícula dessas.
— Olha, está ofendendo minhas amigas. Elas também são gente.
— Saí daí sua doida —Luna franziu o cenho e fez um bico —, vou trancar meu quarto com dois cadeados.
— Eu vou quebrar tudo seu insuportável. Quando voltar, eu terei feito o seu quarto de sala de chazinho.
— Se eu voltar. Pois serei milionário.
— Que não volte.
E as birras e ofensas retornaram.
Cleiton estava com o coração a flor da pele, qualquer brincadeira o deixava mais atônito, descontrolado e propício a falácias. Seus pais orgulhos e ao mesmo tempo receosos, tentavam todos os dias lhe aconselhar, falar dos perigos de se viver em outro país. Tentavam também, acalmá-lo e a aproveitar a cada momento, mas logo retornavam aos cuidados.
– Se alimente bem.
– Não vá para cama muito tarde.
– Cuidado com falsas amizades.
– Está levando todos os seus agasalhos?
– Mulher é bom, mas não perca o foco dos seus objetivos. Não faça escolhas que vá te prejudicar em campo, ou com o clube.
– Que bom que está solteiro filho, assim conseguirá ir no caminho em que os desejos são apenas no seu futuro.
E foi com essas palavras de sua mãe que Cleiton levou a sua mente a sua... relação peculiar com Carla. Apesar dos meses passados e alguns amigos saberem que ele iria para a Europa, Carla ainda não sabia e Cleiton implorou para que não contassem. Aconselhado por Wanderson, decidiu que escolheria um momento, uma data propícia para falar sobre a viagem, os preparativos e, o mais importante, o fim desta relação que ele jamais considerou um namoro. De sua parte, ia partir e deixa-la ao léu, mas Wanderson disse ser um golpe muito baixo e de má fé, uma atitude de mau caráter. Que por mais que ele não a considere sua namorada, deveria ter o mínimo de respeito com a menina e se dar o respeito de partir como um homem de verdade. Se esse conselho tivesse vindo em outro momento, provavelmente Cleiton não ouviria, mas foi exatamente no dia em que seu avô foi hospitalizado por ter sua coluna travada. E no caminho para o treino, Cleiton ouviu calado as palavras do amigo que ficou o treino inteiro na arquibancada esperando o jogo terminar. Pensativo e emotivo por tudo que estava acontecendo, Cleiton aceitou o conselho e disse que assim que o ano seguinte começasse por inteiro, ele reservaria um tempo hábil para ela. Golpe baixo ou não, Cleiton ainda estava considerando a ideia de partir sem se dar o trabalho de compartilhar com a menina sua decisão.
Gilberto havia conseguido ficar o mês de janeiro sem procurar outros trabalhos, mas a chegada de fevereiro o lembrou que seu relacionamento com sua esposa estava longe de ser normal. Por um tempo, até se tocaram, se abraçaram, mas na cama, nas duas únicas vezes que se permitiram, foi mecânico e um desprazer para ambos. Maria Maria não conseguia parar de pensar que toda a sua vida era forçada, que tudo que estava fazendo ali, na cama, era obra de uma cultura ignorante que ela sentia que estava presa e não conseguia desatar um nó que a enforcava. Não queria estar ali, e nestas duas vezes, a lembrança de sua adolescência veio a toma, e para sentir menos enjoada no ato, ela levou a sua mente a degustar os poucos momentos que passou com a sua amiga, a quem teve sua primeira e única relação sexual lésbica. Chegou até a sorrir quando Gilberto expeliu o leite viril, mas não por ele, e sim por ela e sua amiga do passado que experimentaram o momento de orgasmo inocente. Gilberto fazia o mesmo; seus olhos não enxergavam mais a sua esposa. Seus pensamentos se lambuzavam de prazer, mas agora era um prazer que outrora lhe felicitou, lhe mostrou paixão, tesão e até, por uns minutos, carinho e amor.
Nessa loucura de relação distante em que o prazer é um ato em que a mente divaga por outras pessoas. Gilberto se fechou no mundo dos inúmeros trabalhos esporádicos; Maria fez o mesmo, ora fazia seus salgadinhos, ora fazia trabalhos de cozinheira, ora fazia faxinas na sua casa e em quem quisesse lhe pagar para isso. Ambos sumiram de sua residência. Vindo ora ou outra para jantarem ou trocarem de roupas.
Luna, com a ajuda de Jey, mãe de Joana sua melhor amiga, conseguiu uma bolsa de estudos para o curso de inglês que sua amiga fazia desde pequena. O curso era dia sim, dia não. Alguns dias que não estava na Barra da Tijuca fazendo o curso, ia para a casa de Joana praticar mais ainda as palavras e frases que custavam a entrar em sua cabeça. No entanto, Luna ainda era a mais assídua na casa. Ela pouco se importava em ficar sozinha, já que tinha a liberdade que não teve por muito tempo de brincar na rua jogando futebol com os garotos e uma menina e outra.
E assim a rotina da família Santos retornou.
Cleiton em seu futebol.
Gilberto com os seus trabalhos.
Maria buscando um emprego fixo.
Luna estudando mais do que nunca.
E todos tão distantes, mas tão distantes que as festividades de final de ano se tornaram uma lembrança boa escondida em seus corações. Ou separada nos seus cérebros por um senso de razão que os puseram sobre uma realidade óbvia: a felicidade é momentânea.

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