PÓS PARQUE

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Desde o primeiro dia que resolveram se entregar a relação, passaram a sentir uma sensação. Algo surreal que os circundava. Essa energia lhes dizia que o mundo iria girar ao redor de suas vontades, desejos, sonhos... desde que estivessem juntos; mas tanto Rosa quanto Antônio não haviam falado sobre esse forte sentimento os envolvendo.
Ao saírem do Parque Lage, pegaram um carro, e durante o caminho pouco falavam. Rosa estava com uma expressão de felicidade unida a uma apreensão. Ela não conseguia discernir o que estava em seu peito, sua mente seu corpo. Suas mãos não soavam, mas um formigamento lhe indicava nervosismo.
Antônio procurou, com carinhos e piadas sutis, não externar a sua tensão, mas como Rosa já observara a muito tempo, sua transparência denunciava através de piadas sem graça, uma nítida e falha tentativa de fuga.
Desistindo da piadas, optou por conversar o que sua paixão emanava:
- Eu sinto como se fosse ontem que saímos, nos conhecemos e nos beijamos pela primeira vez.
Escapando um sorriso terno e humorado, Rosa retrucou:
- Parecemos um casal de adolescentes.
- Já me perguntei isso...
- Se somos adolescentes?
- Não. Se esse sentimento que nos devora, de tão intenso nos torna infantis.
- E é uma coisa ruim?
- Não, jamais. Por isso não quero pensar que foi ontem que nos conhecemos, mas é inevitável não pensar que na verdade é como se fosse.
- Não sinto o mesmo!
As palavras deixaram Antônio confuso e com medo do que viria a seguir, mas tranquila e serena, Rosa segurou sua mão e prosseguiu.
- Eu sinto como fosse hoje - calma, entendo, pode parecer ilógico. Porque é hoje, agora, esse exato momento. Não precisamos datar as coisas. Ser como os casais comuns, que medem o tempo em "psudo-datas-importantes".
- Eu... Não sei se... Está me dizendo para esquecermos o que passou? Ou não lembrar de... do dia em questão? Olha, isso não é desculpas porque é ruim com datas, não?!
- Não, seu bobo! Hoje está sendo maravilhoso, tanto quanto o dia que fomos ao Muhcab. Passeamos pelo Rio de Janeiro despercebidos do tempo ao redor. Apenas queríamos estar ali. Sei da impossibilidade de todos os dias felizes - não quero mentir pra mim e menos ainda para você; no entanto, quando focamos apenas em um determinado dia, acabamos o colocando como párea para tudo a seguir. E não tem que ser assim. Lembrar de datas como essa, agora, é até gostoso, mas esquecê-la para criar uma nova é mais que sentir nostalgia. É sermos constantes borboletas saindo do casulo: sempre pode haver mais belezas quando escolhemos voar.
- Olha, Borboletinha! Ainda acho que está na profissão errada. Eu não sei se concordo inteiramente com essa ideia. Porém quero sim viver cada momento com você, sendo ele o último ou primeiro.
- E algo mais importa?
Já estavam prontos para selarem a conversa com um beijo, quando o motorista com os olhos brilhando por estar prestando atenção na conversa, assinalou a chegada ao destinatário.
Ao descerem do carro, a palma da mão direita de Antônio encontrou os dedos da mão esquerda da Rosa. Ela o olhou, sorriu e permitiu que seus dedos se entrelaçassem e adentrassem no recinto.
Lá dentro, Antônio sugeriu um suco de laranja, que Rosa aceitou e bebeu como quem matara a sede do perambular nos corredores das ruas lotadas do Centro da Cidade do Rio de Janeiro, como as rua dou Ouvidor, Alfândega e outras que compõem o conglomerado popular do Saara. Antônio pôs Ella Fitzgerald para tocar no seu Home Theater, esperou que o sol caísse por inteiro para sugerir algo além de um suco do dia anterior.
Caçou um vinho, whiskies, qualquer bebida para quebrar o clima de um casal de adolescentes prestes a realizar sua primeira vez. Como ele dificilmente bebe, e incentiva o mesmo ao filho, não possui estoque de bebidas. Tinha esperanças de uma garrafa de um licor de café que ganhara do seu cunhado no casamento, mas na procura, se lembrou que tomou toda a garrafa no dia que Ângela partiu. O que menos queria era deixar Rosa desconfortável sentada no sofá da sala, mas estava acontecendo.
- Me desculpe te deixar assim, eu... - as palavras pareciam não terem sido inventadas, estava nervoso - queria que fosse diferente.
- Antônio. Era sobre isso que conversávamos. Para quê planos? A verdade? Estamos nervosos, é um fato.
- Não somos crianças, eu... pensei que seria mais fácil, mas... isso é ilusão.
- Antes de mais nada, quero te falar uma coisa. Vai parecer idiota, tendencioso, não sei! E por favor, não ria.
Antônio a olhou, fez uma careta, queria falar algo ou fazer uma brincadeira, mas notou a seriedade e se calou.
- Eu... nunca, fiz isso. Eu sou... virgem. Antes que pergunte ou confabule algo, quero que saiba que sim, eu tentei com outros caras. Mas... nunca passou da primeira parte.
Antônio, desnorteado, sentou ao seu lado e pegou em sua mão.
- É... aconteceu algo... ruim, na sua infância que... te... travou?
- Não, ao menos, não que eu saiba. Eu só tenho medo, muito medo. É grotesco uma médica falar dessas coisas, mas eu sempre me imagino chorando, com sangue por todo o meu corpo e com muita dor.
- Então é o sangue? E sua menstruação? Também tem... pavor?
- Não. Viu, eu não sei me expressar quando falo sobre isso. Eu quero, olhe para mim, eu quero muito fazer isso com você. Mas tenho medo, um pânico que me priva, me prende a imagens que não existem. De uma dor que nunca tive. Eu... me perdoe pelo que vou dizer, mas... eu sinto como se fosse ser estuprada. Eu não queria usar essa palavra, não gosto de pensar nisso, mas... é isso que sinto. É tão... estranho...
- Não se desculpe pelo que não é sua culpa. Você já procurou ajuda?
- Sim, sempre. Minha psicóloga disse que quando chegar a hora eu vou permitir, que é um pânico, apenas. Um tipo de fobia. Um medo de uma fantasia horrenda da minha mente.
- Então... eu... bom, não sei que dizer, fazer... me sinto, estranho.
- Por favor, não se sinta culpado por nada. Talvez essa seja a hora e...
- Talvez não.
As palavras de Antônio ecoaram na sala como um grito de socorro em filmes de terror. Estremecendo a espinha dos dois com olhares recíprocos dotados de sentimentos sem denominações.
- Não me olhe assim, esse olhar triste. Eu quero tentar...
- E podemos nos frustrar.
- Se tiver que lutar com isso, lutarei. Não vou perder você por conta dessa paranoia.
Antônio respirou profundamente, soltou o ar, permitiu que os pensamentos se alinhassem na mente. Se deu conta que estava sendo egoísta. Queria fazer sexo pelo seu desejo e, quiçá, paixão por esta linda mulher, mas e ela? Esse era um problema antigo que ela lutava por anos, ele não tinha direito de pegar para si e estragar uma relação que ainda está no começo.
- Rosa. Que, bobo eu sou, como você mesma diz. Não tenho o direito de me frustrar com um problema que não é meu. Você, com certeza, já o condena. Vamos ver um filme, comer pipocas, eu vou no mercado, ou melhor, vamos ao mercado, daí compramos guloseimas, algo para beber e ficamos abraçados até adormecermos. Isso, da minha parte, é idiota e, uma feminista chamaria de coisa de homem. Não "precisamos" fazer sexo. E se chegamos nesse impasse de ter que falar isso, é porque não é mesmo o momento. Não quero e não vou forçar nada.
Rosa já estava abrindo a boca para falar algo, uma desculpa, um obrigado, ou qualquer outra coisa, mas Antônio foi rápido e continuou.
- Então, vamos deixar isso de lado - por enquanto, e sair para uma noite de filmes e comer besteira?
Rosa aceitou, sorriu, abraçou-o e, antes de sair lembrou que não ligara para sua mãe. Ligou, avisou que dormiria fora, disse com quem. Tudo certo, saíram para o mercado.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now