INTELIGÊNCIA TEM COR

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Novembro de dois mil e vinte dois. Para um aluno comum com as melhores notas, esse seria o mês da liberdade escolar, mas não para Toni. Se não fosse o esforço limite que teve que fazer para adquirir boas notas na matéria de educação física, Toni teria terminado seu ano letivo em outubro. Mas foi obrigado a cumprir horas, porque o professor cismou com sua cara, — ele supunha. Apesar de sempre gabaritar as provas teóricas, as aulas físicas eram sua negação, todavia, ele sabia que conseguiria ser aprovado com a média. Isso, claro, se não fosse pelo professor mais apelidado da escola, o professor Leôncio, ou o professor do bigodão, ou o professor da blazer branca...
Os apelidos para o professor Jorge eram tantos, que o aluno Bruno, do terceiro ano, o desenhista da escola, fez uma revista em quadrinhos com ele como protagonista. Na revista, cada apelido tinha uma personalidade diferente, e seu carro branco, era sua nave espacial, onde ele era um vilão que matava adolescentes com bolas de pedras. A revista era visualizada apenas pelos alunos, que pagavam Bruno para ter uma edição, já que o garoto fazia tudo sozinho, imprimindo em seu computador. Quando o professor Jorge descobriu, deu suspensão para o garoto, mas sua revista jamais parou de circular por entre as turmas.
Toni nunca simpatizou com o professor Jorge, quando, por acaso, conseguiu uma das revistas em quadrinhos, por um aluno do primeiro ano, já que de sua turma e principalmente do terceiro ano, ninguém dava-lhe muita atenção; Toni não só adorou a revista, como não conseguia tirar a imagem das personas criadas por Bruno de sua cabeça. E sempre que via o professor, ficava pensando em qual imagem ele iria personificar, e em como Bruno era inteligente e observador, pois o professor, de acordo com as conversas entre os alunos, era bipolar, e seu humor mudava muito em questão de segundos. Toni não entendia, como Jorge, ora estava feliz e sorridente e, ora rigoroso e distribuindo esporros nos alunos por brincadeiras que, ao seu ver, eram inocentes.
O que Toni não esperava, era que a sua inimizade com o professor poderia lhe gerar feridas eternas.
Como Toni tinha apenas a matéria de educação física como obrigação, ele precisava apenas chegar às oito da manhã, cumprir o horário até às nove e meia e ir para sua casa. Simples assim. Tão simples que três de seus colegas de turma acharam injusto. Daí, seguiram Toni até a saída e, quando ele já estava quase virando a esquina, eles iniciaram o show de horrores.
- Ei, é você mesmo pneu de pernas.
Toni ouviu a voz de Gabriel, o garoto mais loiro que já viu na vida. Tão loiro que, ao sol, seu cabelo parece branco. Um jovem arrogante com uma educação duvidosa. Educado para as meninas, mal-educado para os meninos e necessariamente educado para os professores. Toni respirou fundo e continuou o seu andar.
- Tá surdo, Cabelo de Saco!
A voz de Miguel surgiu como grito de festejo em dias de futebol no Maracanã. Miguel, o famoso lutador de jiu-jitsu do terceiro ano. Gentil na maioria das vezes, mas se provocado, se torna uma bomba relógio, explodindo seu jeito agressivo para quem tiver na frente. Tinha fama de o brigão da escola, mas nunca era dedurado, pois sua família, toda de lutadores, era dona de algumas academias no bairro e em outros lugares, o que lhe fazia ser o segundo mais rico do colegio, para o padrão da classe média, e claro, o mais temido. Seu cabelo preto cortado a máquina 1, revelava o seu apreço pelos métodos militares. O que em sua família era lei: ou se torna lutador profissional, ou militar e no futuro, responsável ou, em seu caso, dono de academias.
— Será que o Preto Nerd fedido não está ouvindo os seus superiores falar?
E a terceira voz era do primeiro mais rico da escola e terceiro filho dos donos da instituição de ensino, Ezequiel. O adolescente mais arrogante do terceiro ano, este que se orgulha por ser o único ruivo em todo colégio. Ezequiel, diferente dos amigos, não se preocupa em ser gentil. Faz o que der vontade, ofende quem quer ofender e sabe que, apesar de pisar nos colegas de escola, e principalmente, quem ele considera inferior, terão todos comendo em suas mãos com medo de serem denunciados a diretora, sua mãe.
Toni sabia o que eles queriam, fazia dias que eles rondavam-no e faziam ameaças durante os jogos de futebol e entre um esbarrão e outro nos intervalos e corredores. Toni não queria confusão e sempre fugia, mas as palavras de Ezequiel lhe fizeram lembrar de um dos famosos sermões de seu pai no café da manhã:
- Filho, não importa se você está nessa escola de valor exorbitante da zona sul do Rio de Janeiro, no primeiro ou no terceiro ano. Você mereceu estar lá. Foi convidado por ser inteligente o suficiente para ganhar uma bolsa de estudos de 100%. Ninguém lá dentro é melhor que você. Saiba disso, entenda isso. Não deixe que te menosprezem.
As palavras de seu pai foram até sua mente como um sonho bom e revigorante que lhe encheram o peito.
- Superiores, se fossem assim tão superiores, não teriam que voltar para escola para recuperar suas notas baixas.
As palavras não tem via única. E Toni descobriu isso quando ouviu um:
- Corre neguinho!
Toni correu o máximo que pôde, mas fugir de três adolescentes com estrutura física de atleta, quando se é quase sedentário, não é tarefa fácil. Miguel foi o primeiro a alcança-lo, lhe dando-lhe uma rasteira. Gabriel, sem pensar, deu-lhe um chute no estômago.
A ideia do trio era apenas assustar, nada mais. Porém, Ezequiel perdeu a cabeça com as palavras de Toni e ao chegar, chutou o rosto do garoto, o que, no mesmo instante, ouviu -se um sonoro estalar. Ezequiel quebrou o nariz de Toni, fazendo com que o garoto urrasse de dor.
- Quinho, o que você fez? Era só para...
- Cala a boca, Gabriel. Vai, pega aquele pedaço de pau e bate nele.
- Tá louco, eu não vou fazer isso!
- Você é um frouxo mesmo!
- E você, vai participar disso, sua família é de lutadores, não de gangue de ruas.
- É daí. Eles não vão saber de nada. — Miguel chega bem próximo do amigo e o encara ferozmente. - Ou você vai falar alguma coisa?
- Eu sou um de vocês. Só não concordo com violência gratuita.
— Vai deixar um merdinha desses se achar melhor que nós? Somos elite, ele não pode ser melhor que nossa raça.
— Claro que não. Ele também me dá asco. Eu sei que ele pensa que é melhor...
— Então, cara! Relaxe. Tá na cara que ele trapaceia, ninguém gabaritos todas as provas. É impossível.
— Vão ficar namorando, ou vão me ajudar a dar uma lição nesse lixo?
- Acorda Gabriel, é só uma brincadeira. — Ezequiel completa as palavras de Miguel. — Gente como ele está acostumada com umas chicotadazinhas.
A "brincadeira" durou uns quinze segundos de chutes e madeiradas em Toni, que se defendia como podia, encolhido e protegendo o nariz já quebrado. Até que Ezequiel deu uma madeirada na cabeça do garoto que perdeu a consciência. O trio ainda não estava satisfeito, e teriam continuado, se não fosse por uma buzina de carro os espantando. Assustados, o trio de arcanjos maléficos correu e voltou para a escola, deixando Toni sangrando na calçada.

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