UMA TAÇA, A DIGNIDADE E UM ENIGMA

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Sentada na cadeira se plástico branca, debruçada no vidro da proteção do corrimão da varanda, Ângela acumulaca as taças de Dry Martini. Se as taças não fosse de plástico transparente, ela já teria quebrado no mínimo três das cinco que já bebera. Esquecida na varanda e não curtindo nada da festa, Ângela ouviu uma voz grave, máscula e segura atrás de sua cadeira.
— Vamos fazer uma aposta?
Sem virar para saber de quem vira a voz, ela responde ironica.
— Ah, meu amor! Está fazendo essa pergunta a pessoa errada. Eu odeio perder.
— Por isso está bebendo? Por ter ganho?
— Eu não posso beber para comemorar?
— Sozinha, em uma festa de final de ano, faltando poucas horas para o novo ano... Bom, não acho que tenha ganhado.
Aos soluços, Ângela tenta se levantar, mas sente suas pernas fraquejarem. Ainda não está bebada ao ponto de perder a noção, mas sua cabeça gira como pião infantil. Centra o olhar, desiste de tomar mais um gole, vira-se para o homem, sorri e volta a olhar as águas.
— Quer saber... não interessa. Cansado de macho.
— Macho, essa expressão é curiosa. Muito usada pelas feministas, mas... ela simboliza apenas o lado animal, do qual, a mulher também tem...
— Nossa, que chato! Sou uma fêmea, e daí? Mas você acha que somos iguais?
— Porque seríamos diferentes? Ou você é perfeita e não comete erros?
— O meu senhor — sente-se perdendo o controle, recua na frase —, O... qual o seu nome?
— Dinobrega, mas todos me chamam de...
— Dino. Óbvio. Esse assunto tá me dando dor de cabeça, poderia me deixar em paz?
— Mas é claro que sim. Só achei que uma mulher com sua classe, adoraria uma aposta. Afinal, como disse, não gosta de perder. Logo, já almeja a vitoria antes de entrar no jogo.
O mar está calmo, a brisa gelada está gostosa e já deixou suas maçãs coradas. Ângela já havia perdido coisas nessa noite: talvez amigos por fazer fofoca do seu ex, talvez o ex para sempre por, dedução pessoal, ter fugido dela, e, olhando as cinco taças no chão, tudo indicava que a sua dignidade estava por um fio.
— Eu não sou mulher de cair em conversinha. — Puxando toda força que tinha para se manter com o olhar na face embaçada do homem, Angela procurou o seu estado normal e o pôs em prática — Quer algo de mim? Uma aposta disse? Aham... Tudo bem, me convença a aceitar.
O homem puxou uma cadeira e sentou ao seu lado, o que facilitou a vida de Ângela que já estava ficando com dores no pescoço por ficar olhando para o alto.
— Estamos na mesma situação nessa festa. Ambos estamos achando ela um porre. Eu vim por ter conhecido o Leandro a muito tempo na empresa, quando eu ainda não a assumira com o falecimento do meu pai. Ficamos amigos e... hoje estou aqui.
— Linda história, acabou?
— Minha vida tem sido um tédio. Nada nem ninguém me satisfaz e...
— Pode parar. Está me confundindo com alguma prostituta?
— Jamais. Jamais te ofenderia a esse ponto. Perguntei sobre você, antes de me aproximar. Leandro disse que é uma boa mulher e está solteira. Você me fascinou desde o momento que adentrou aquela porta.
— Isso é uma cantada? Agiliza, que já estou ficando com sede.
— Você não quer beber mais...
— Lê pensamentos?
— Não quer ficar nesse lugar...
— Hummm... isso você deduziu pelo meu tédio.
— E quer algo que te devore como mulher, que te faça sair da mesmice, que te pegue de jeito, que te tire da zona de conforto dessa salto quinze preto que está em seus delicados pés...
— Ai, por favor. Vai dar uma de Cristian Gray?
— Não. Me chamam de O Nobre. Não exatamente por ser diminutivo ou apelido do meu nome. Me chamam assim por ser generoso e dar as pessoas o que elas querem.
— Nossa, você ensaiou essa fala, não ensaiou? Me diz, quem te chama assim?
— Meus funcionários e as pessoas que pago para satisfazerem seus próprios desejos.
— Peraí, é o quê? Você paga uma pessoa para satisfazer o próprio desejo, "da pessoa?". E você ganha o quê?
— Discrição total ao realizar o meu, apenas olhando e apreciando essa satisfação.
— Só isso? Ah, tá, acredito. Por favor, me deixa aqui. Vou pedir mais um Dry...
— Se eu realizar o seu desejo, financeiro óbvio, não sou um gênio da lâmpada, você permite que eu tenha a minha satisfação?
Ângela já estava conseguindo ver melhor. A onda da bebida estava passando. Já bebera muito mais que isso na adolescência, mas nunca tão rápido quanto bebeu os drinks. Notou a seriedade nas palavras do homem misterioso: ou ele falava sério, ou era um louco que acreditava fielmente em uma mentira muito bem ensaiada.
— Uma coisa não ficou claro na sua história. O queria essa satisfação? Não acredito que seja apenas sorrisos.
— Não, não é. Eu realizo o seu desejo financeiro, não vou tocar em você, posso garantir a sua segurança da maneira que achar necessário. Até contratos já me pediram, vídeo e tals. Mas só conto quando garantir a "sua discrição", assim como garanto a minha.
— É arriscado demais, não acha? Eu não te conheço, apesar de ter uma aparência familiar, não somos amigos, conhecidos, parentes... Porque lhe daria lealdade?
— Por isso sugeri a aposta.
— E qual seria?
— Aposto que em menos de dez minutos você vai se pasmar. E se isso acontecer, você permite a minha satisfação.
Ângela pensou, semi-serrou os olhas buscando uma leitura nos dele. Mas era inútil. Ele era sereno, falava com segurança, tinha um sorriso simpático e, para sua perdição, era um homem branco de cabelos grisalhos, aprocimadamente uns quarenta anos e muito bonito. O seu charme alinhado ao blazer branco por cima de um blusão azul e uma bermuda branca, o deixavam com uma aparência de "sou rico mas sociável". Para completar usava uma sandália branca, que por mais que a surrasse, dava para notar que era bem cara.
— Tudo bem. Pasme-me.
— Cinquenta mil na sua conta agora ou um cheque escrito a mão.
— O quê? Isso é...
— Eu sou dono da metade dos prédios aqui, meu rosto é conhecido por causa dos outdoors que, provavelmente, viu na estrada. E também, em breve serei vereador. Me diz, quer na conta ou em cheque? Ah, e não quero a sua nudez, eu garanto.
Ele estava certo. Ângela ficou pasma, porém mais confusa. Porque um homem dessa estirpe estaria lhe dando assim, de mãos limpas, um cheque de cinquenta mil reais? Isso é irreal, ilógico... E ele, pelo que dissera, era famoso. Não poderia simplesmente lhe cusar algum mal, sem que todos soubessem, isso além dos convidados da festa.
— Isso é loucura!
— Está pasma.
Queria dizer que não, mas seria negar uma coisa tão óbvia que até um cego veria a sua hesitação.
— Tudo bem, me conheceu, qual a sua satisfação?
— Não, por favor. Eu insisto — tirou um talão de cheques, pôs o valor e assinou —. Talvez ache que é sem fundos e por isso falei da conta, pois poderia transferir agora. Mas acho que está insegura comigo tendo em posse dos seus números bancários. Tudo bem, aqui está.
Era um cheque nominal. O que ele queria? Demonstrar poder? Pisar em pessoas que não tem tanto dinheiro ao ponto de esbanjar, ou ele fala a verdade e só quer ter a tal... satisfação?
— Fala logo, o que é sua satisfação?
— Eu já falei, você apenas não juntou as coisas ou não quis juntar. Em parte, já matou a charada óbvia, mas noutra, não é como parece.
— Mas disse que não quer me tocar.
— Um homem em sã consciência que não queira te tocar tem problemas mentais ou é gay. Mas eu não falei em querer ou não querer? Deixo os "quereres" para outra hora. Eu falo de "satisfação".
— Diz logo o que quer.

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