CAFÉ AMARGO

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Antônio estava ansioso para conversar com a ex-esposa. Após o último café da manhã com o filho, ele ficou preocupado e contatou Ângela marcando no mesmo dia, o que para ele foi uma surpresa, visto que na maioria das vezes, ela foge da conversa e diz que não passa de motivos para ele tentar uma reconciliação.
O local marcado era costumeiro na época que iniciaram seu namoro. Uma formosa cafeteria no Centro da Cidade, com uma decoração formal pelos móveis de madeiras, e contemporânea por conta do cardápio e sobremesas de diversos países.
Ângela chega, seu olhar para o ex-marido não é dos mais gentis. Ela está bem vestida, parece uma atriz de Hollywood, com um vestido preto e um salto quinze vermelho, óculos escuros grandes, com armação branca arredondada. Ele, com uma roupa leve, uma casual bermuda, blusão branco e chinelo. Então, cordial, se levanta a sua chegada, que senta sem responder o seu "bom dia".
- Porque você escolheu essa cafeteria? Eu nunca mais pisei nesse local.
- Imaginei que não. Por isso marquei aqui. Pensei que poderia ser... que pudesse fazer um clima de paz.
- Clima de paz? Ah, faça-me o favor Antônio. Você não me chamou aqui para essa bobagem, não é?!
- Anjo... quero dizer, Ângela. Eu não quero discutir...
- Nunca quer!
A ironia nas palavras, mostrava, apesar de óculos, que o seu olhar era de puro desdém.
— Quer pedir um café, eu estava esperando...
— Sabe o que gosto, já devia ter pedido.
Antônio engole seco a sua saliva, esperava um clima menos hostil. Então chama a garçonete, faz o clássico pedido de ambos. Ele, um café puro e bolo de chocolate amargo; ela, cappuccino e bolo de laranja. Ângela não tirava os olhos do celular, ignorando o mundo ao redor. Antônio pigarreia, ela nota, põe o celular em cima da mesa, tira os óculos e o fita.
- Eu... Tudo bem, vamos direto ao assunto. Marquei essa reunião porque estou sentindo nosso filho diferente, mais distante que o comum. Sei que ele é inteligente, sempre esteve em um universo além do nosso, mas estou sentindo que ele está triste. E não está se abrindo para mim.
- Ele parece muito bem para mim. Ele é um adolescente superdotado em uma escola comum. Ele deve estar se sentindo deslocado. Relaxe, isso irá mudar logo. Falta um mês para o fim do ano letivo. Quando ele for para a faculdade isso passará.
- Eu não sei, ele...
- Conversa com ele e para de drama.
- Eu converso com ele, sempre conversei. Diferente de você que nunca se importou, ficava sempre em festas, horários absurdos nos trabalhos e...
- E o quê? Vai começar com sua teoria de traição? Você é um ciumento louco. Nunca teve provas. Eu só queria sair, passear, viver a minha vida. Você queria uma dona de casa. Eu não sou assim.
- Nunca te impedi de fazer nada. Você supunha que eu não ia gostar e seguiu o caminho de sumir da sua família. Me culpa por ter te engravidado. Ou melhor, me culpa por não ter tido grana para o seu aborto.
As palavras de Antônio saíram mais alto do que ele esperava, tudo saiu de seu controle. Ao redor, as poucas pessoas que habitavam a cafeteria olharam para eles, lhes deixando em silêncio e ruborizados. A energia do casal era um descontrole que eles não conseguiam segurar.
- Eu sabia que ia chegar nessa conversa. Por isso só aceito falar com você por telefone. — Ameaça levantar-se, mas retorna, olha nos olhos do Antônio. — Assim desligo na sua cara e fim.
- Anjo...
- Não sou seu anjo. Isso acabou Antônio. Se toca. Você criou um mundo de marido e mulher, família e empregos perfeitos e nesse mundo, você queria me ver em casa cozinhando para você. Se decepcionou por saber que isso era um sonho seu, apenas seu. A ilusão que você criou, incluiu o Toni e a mim.
- Ângela, pare com isso. Ok, entendi. Eu juro, não vim para brigar, não te chamei para falar do passado, foi... inevitável. Perdão, eu...
- Ah, para com isso! Sabia que ia chegar a isso. Foi assim por anos, muitos anos. Ainda não sei como conseguimos passar tantos anos morando juntos, se no primeiro ano sabíamos que não daria certo. Ou melhor, eu sei, você é ótimo na cama; era assim que eu vivia, acreditando que, ao gozar, o conto de fadas se tornaria real.
— Pra que isso? De onde está vindo esse ódio?
Um novo silêncio. A garçonete traz o pedido. Ela se afasta, eles retornam a conversa.
— Éramos tão apaixonados.
— Sim, não discordo. E esse era o problema.
— Como o amor pode ser um problema?
— Nos perdíamos tanto no amor, que fingíamos que não odiávamos nossos defeitos.
— E tentamos aceitar...
— Tentamos ignorar, o que não é a mesma coisa. Antônio, seja sincero. Nunca aceitamos os defeitos um do outro, nunca aceitamos os amigos um do outro, nunca aceitamos as famílias um do outro. Eu odiava a sua mãe postiça. E você odiava a minha mãe, ela que olhava pra você e via um vagabundo.
— Você nunca me contou isso?
— Viu, ignoramos a realidade.
— Comodismo é uma doença.
— Quer saber a verdade? Nunca foi real.
- Pra mim foi real.
- Antônio. Sua família adotada pobre, branca e preconceituosa acabou com a sua mente. Hoje você é um cara que sonha com um mundo justo através dos olhos do Toni. Isso é uma piada, acorde.
- Eu...
- Obrigada por pagar o café. Assim ficarei acordada sentada no... escritório do meu patrão.
Ângela não tocou no bolo, pegou o cappuccino, foi até o balcão e pediu que pusessem em um copo descartável e saiu sem olhar para trás. Antônio ficou um tempo refletindo olhando para o bolo de laranja. Respirou fundo, suspirou, deu uma golada no café, pediu a conta e se foi.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now