FAMÍLIA FERREIRA

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Há pessoas que acreditam que a chegada do mês de dezembro, mais próximo do dia vinte e cinco, o espírito natalino invade corações e faz com que muitas pessoas se sintam bem, solidárias e dispostas a ajudar o próximo. Se isso é verdade? Cabe a cada um dizer.
Na casa da Ângela, antiga Ângela Ferreira, está seu filho Toni e seu ex-marido Antônio. Nesta data algo os uniu, no entanto, não era o espírito natalino. Ângela por ciúmes aceitou o convite de Antônio para passar o Natal com o filho e, por uma última vez, se permitirem ser uma família feliz. Antônio não estava se sentindo como achou que estaria quando enviou a mensagem por e-mail. Nos seus pensamentos vinham muitas coisas como sorriso, carisma, inteligência, sabedoria e uma beleza externa musical. E tudo isso envolvendo um nome: Rosa.
Sentado no sofá da sala, Antônio olhava a árvore de natal que comprara com o seu filho no shopping. Toni estava no quarto dando feliz natal para os amigos. Na cozinha, Ângela preparava rabanadas, o que fez Antônio ficar mais estupefato, pois mesmo quando casados, fazia cinco anos ou mais que ela não se prontificava. Dizia que as coisas da casa tinham que ser divididas e a rabanada era da parte do seu marido. Por muito tempo ele quem fazia, mas agora, nem ajuda ela aceitou.
Antônio se indagava:

Como seria estar com ela, na casa dela, com a família dela??? Rosa, um nome que não faz tão jus a pessoa. Pois ela não tem os espinhos desta planta - ao menos ainda não os vi. Meu filho ficou preso demais sobre meus braços, e agora sinto o quanto eu o mantive acorrentado. Mas nada é pior que as tentativas pífias de voltar para Ângela. Talvez tenha sido um erro ter mandado o e-mail. Toni não é mais criança e eu... nosso relacionamento já acabou. Se não fosse a Rosa, eu não teria destravado o meu passado. Não teria me desprendido a Ângela. Eu posso dizer agora, eu fui apegado a essa mulher. Ela sabia que essa relação havia acabado a muito tempo. Todavia, eu não quis aceitar. Ah, eu me sinto patético. Para sair poço, precisei das cordas de uma mulher, em contraponto, caí por um empurrão de outra. Mas... a causa? Seria a minha fraqueza por não saber lidar com elas?

Distraído, Antônio não vê Ângela se aproximar com um pirex de vidro repleto de rabanadas.
- Quer uma?
O susto não foi apenas por tirá-lo do transe, mas por ela oferecer. Ângela é o tipo de pessoa que diz que a ceia do Natal deve ser consumida após a meia noite.
- Não, obrigado. Eu... vou esperar.
Tentando um sorriso, Antônio se esquivou do olhar simpático de Ângela.
- Tudo bem, vou pôr na mesa. Se mudar de ideia.
A simpatia de sua ex estava começando a lhe causar desconforto. Antônio procurou focar no pernil, no peru, arroz com frutas, sucos de uva e manga em garrafas de vidro, vasilha de frutas como manga, pera, laranja, maçã, banana, uva verde e tinta... e outras guloseimas que Ângela passou o dia fazendo e pondo na mesa de vidro temperado que a pediu ajuda de Antônio para pôr na sala.
- Olha, está tudo bem. - Ângela senta ao lado de Antônio - Pode ficar a vontade. Entendo sua apreensão.
O telefone da cozinha toca, Ângela ignora e continua a puxar assunto.
- O que vai fazer no réveillon? Já pensou em...
Aproveitando o tocar do telefone, Antônio se esquiva do olhar, da conversa e até reza mentalmente para essa situação chegar ao fim.
- Está tocando muito, melhor atender.
- Que nada - chega mais perto, tão próximo que seu hálito de bala de hortelã é sentido por Antônio -, é Natal, só pode ser felicitações. Logo, irão ligar novamente.
Para a salvação de Antônio, Toni chega a sala. Ele veste a roupa que seu pai comprou no shopping.
- Filho - se levanta apressadamente -, você tá bonitão, hein!
- Algo me diz que o senhor é suspeito.
- Claro que sou. Sou o seu pai, eu sei das coisas.
Com uma expressão forçadamente simpática, Ângela se levanta, concorda com Antônio e elogia seu filho. O telefone continua a tocar.
- Vou atender na cozinha. Fiquem a vontade.
- Obrigado mãe, posso comer uma rabanada?
- Não, apenas meia noite.
Antônio abaixa a cabeça com um sorriso maroto. Diz algo como "essa mulher está muito estranha", seguido pôr "o que será que ela quer?". Toni interrompe:
- Tudo bem, pai?
- Sim, sim... lembrei de uma piada. Quer ouvir?
- Pai, é Natal. Não quero sorrir e não chorar.
- Ei, isso foi abusivo.
-Abusivo? Parece a mãe falando!
Enquanto a conversa e brincadeira de pai e filho continuam na sala de estar com a tevê ligada em um filme que ninguém vê, Ângela atende sem paciência o telefone na cozinha.
- Oi, querida. Me esqueceu?
- Oi, mãe. Feliz Natal para a senhora e todos aí. Eu...
- O quer dizer com isso? Você não virá pra cá?
- Não, mãe. Eu resolvi passar com minha família?
- E, novamente, o que quer dizer com isso? Que família é essa, a qual se refere? Pois até onde sei, você se separou do seu... esse a quem, um dia, chamou de marido.
- Sim, me separei, mãe. Mas resolvemos que, por conta do Toni, passaríamos o Natal juntos.
- Ah, mas que bobagem! O Toni não é mais criança. Que desculpa é essa? Vocês voltaram, tenho certeza! Eu já ouvi essa de "pelo Toni". Disse a mesma coisa sobre o aniversário dele e...
- Mãe, só liguei para desejar um feliz...
- E o Toni, está mesmo bem? Quem bateu nele. Tem alguma coisa que não está me contando? Ele apanhou mesmo de outros garotos? O que me disse não faz sentido. Já te falei, racismo é invenção de gente preguiçosa e desocupada. Essa gente... vive inventado coisas tolas para disfarçar a lengalenga. Se ele apanhou, provocou alguém...
- Mãe, e o pai. Está bem? Ele tem conseguido se levantar?
- Seu pai é outro. Também tinha essa história de racistas no trabalho. O trabalho que lhe deu tudo. Se não fosse o patrão dele, nem teríamos um lar. Vivia reclamando que não era respeitado, que queria crescer. Ora, veja só! Quer crescer, ele que estudasse mais. Ao invés disso, quis ficar reclamando do privilégio de ter um emprego digno. Na nossa época, as pessoas trabalhavam mais e falavam menos. Bons tempos. Não sei como ele ficou mole.
- Deve ser por que quase ficou aleijado operando máquinas pesadas e não recebeu uma indenização direita, de acordo com tudo que contribuiu.
- De acordo? Ah, menina. Ele quis processar o patrão. Todo mundo se machuca o tempo todo. Ele é especial? Me diz? Ele tinha que aceitar o que lhe ofereceram e ponto.
- Um bom "cala a boca".
- Você falando assim? Você que sempre esteve do meu lado?
- É mãe! Agora que o Toni passou por isso, eu, estou vendo as coisas por um outro ângulo. Talvez a senhora, simplesmente, pudesse ficar do lado do papai. Ao invés de só o julgar.
- Que abuso é esse Ângela? Eu estou certa, se eu tivesse errada eu...
- Mãe, a senhora nunca assume um erro. Eu nunca vi.
- Como pode dizer isso? Quando o cachorro morreu eu disse: desculpe, eu pus o veneno para o rato, eu não queria que a Lesse comesse.
- Mae, por favor. Está comparando o papai e o Toni com um cachorro? E pior, tenho em mim que a senhora não pôs para o rato...
- O que quer dizer?
- Entendeu bem Dona Angélica. A senhora nunca gostou da minha cadelinha.
- Seu pai e suas ideias idiotas. Não tinha tanto apreço por ela, confesso, mas dizer que quis mata-la?
- E quis?
- Seu pai está na cozinha, não consegue ficar quieto. Essa hérnia ainda vai...
- Mata-lo?
- Feliz Natal. Diz para o Toni que mandei um beijo.
Desliga.
Antônio estava chegando a cozinha, notou que era sua ex-sogra. Ia ignorar, mas resolveu testar.
- Está tudo bem com sua mãe?
- Sim, obrigada. Ela e o pai mandaram Feliz Natal.
- Ela?
O que seria isso? Antônio entrara em um mundo paralelo onde Ângela e seus pais o amavam?
- E você, vai ligar para sua família?
Ou quiçá uma ironia da vida, uma brincadeira sem graça da Ângela?
- Não tenho o que falar com eles. Um dia, talvez, eu volte àquela casa.
Ela sabe o quanto ele odeia sua família postiça e o quão mal fizeram a ele. De certo, ela está sendo irônica. Mas suas palavras parecem muito convincentes.
- Te entendo. Bom, quer algo da cozinha?
- Sim, quero um copo d'água. Apesar da chuva lá fora, o calor aqui dentro está de outro mundo.
- Nem me fale! Estou quase tirando a roupa.
O que isso queria dizer? Uma analogia ao calor, ou um convite indiscreto?
Notando o olhar reprovador e confuso do ex, Ângela explicou:
- Estou com esse vestido azul quente desde cedo. O que escolhi para passar o Natal é claro.
- Ah... melhor, melhor... eu mesmo não quis vir de calça jeans.
Após beber a sua água que pegou no filtro da bica da pia, Antônio voltou a sala. Três horas a tão chegada hora veio. Quem visse os Ferreira nessa noite, poderia jurar que eram a mais bela e unida família que já viram: sorrisos, abraços, comes e bebes até se empanturrarem... O abraço de Feliz Natal foi triplo, mas não impediu Ângela de tentar um selinho em Antônio que, astuto, virou o rosto e beijou a face de Toni.
Duas horas depois, Toni estava dormindo no sofá da sala. Ângela sugeriu que o deixasse dormir ali mesmo, mas Antônio poderia dormir no quarto do filho. Negando, preferiu ficar ali, no sofá de assento duplo, ao lado do filho no sofá de assento triplo.
Ângela não queria que a noite terminasse dessa forma, mas o cansaço do passar o dia cozinhando a deixou exausta.

O QUE NOS FALTA ...🔞Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin