SURPRESA

355 7 0
                                    

Dentre as coisas que Antônio planejou conversar com Ângela no dia que ela distribui grosseria na cafeteria, estava um pedido natalino. A reação hostil de Ângela o fez recuar. Somente ao ver seu filho prostrado em uma cama de hospital entristecido, que Antônio recobrou a consciência do plano amistoso em família.

Bons dias.
Peço, em nome do nosso filho, que não ignore este e-mail.
Que fique claro, esse é um e-mail em prol dele, somente.
Este Natal seria o nosso primeiro sem que estejamos todos presentes na mesma residência. Seria para dar início ao verdadeiro entendimento do fim da nossa relação - e de certa forma é exatamente isso: você, Toni e eu estaríamos experimentando e consumando uma festividade familiar, sem a família (completa).
Quero lhe pedir que, devido aos acontecimentos recentes, mudemos a ordem dessa decisão.
Não somos um casal, sabemos disso e não quero brigar, discutir ou criar drama com isso. Somos ex-marido e mulher, mas jamais teremos um ex-filho.
Não quero fazer piadas com essas coisas de espírito natalino, tocar o seu coração, e rezar por um bom senso mágico dos filmes desta data. Quero apenas que aprendamos a lidar com a nossa nova vida que, um dia, será a única, definitiva e real. Então, por que não ser positiva?
Eu lhe envio o e-mail pois talvez não queira me receber pessoalmente e aqui posso pôr apenas as coisas necessárias.
Se poder, por favor, responda antes do Toni receber alta médica. Assim poderemos dar-lhe a notícia como um presente surpresa.
Fique bem.

Cinco dias antes do jovem sair do hospital, Antônio enviou este e-mail para sua ex-esposa. Contudo, Ângela não lhe respondeu e tudo indicava que assim seria.
Minutos antes de entrar no carro de aplicativo, quando Antônio acabara de ajudar seu filho a se ajeitar no banco traseiro, ela deu sua resposta.
- Sim. Tudo bem. Passemos esse Natal em família.
Após a resposta, Ângela fixou o olhar no prédio do hospital, para a janela do terceiro andar onde se encontrava Toni. Não havia ninguém, nenhuma silhueta, sombra... mesmo assim, não impediu que Ângela esboçasse um sorriso triunfante. Por um sopro do pouco vento que batia na segunda feira ensolarada, Ângela lembrou-se dos sorrisos trocados por Antônio e a enfermeira. Ela não sabia o que havia com os dois, mas de fato, para ela, não iria perder para uma jovenzinha qualquer.
Antônio já havia deixado o e-mail de lado e se contentado com a sua realidade costumeira e declinado novos planos. Dentre as novas possibilidades, estava a confirmação que fez a Rosa por uma de suas longas conversas por telefone. Disse ele que passaria essa data com ela e sua família em Petrópolis. Abismado com a repentina resposta, apenas meneou a cabeça em confirmação. Seu olhar não escondeu a surpresa, mas Ângela tinha o seu famoso olhar seguro em sua direção. Em seu cérebro, um comichão começou a dançar sobre seus miolos, o assombrando com indagações presas em cofres sem chaves ao seu alcance.
Antônio não solucionaria o seu problema, apenas, pensando em como resolver o seu problema. Precisava agir, e já sabia o que tinha que fazer. Então, ao deixar seu filho na casa de Ângela, foi para o seu rotineiro trabalho, a noite ligou e conversou com Rosa e disse-lhe que precisava conversar com ela, nada alarmante, mas precisavam falar. Queria então que saíssem mais uma vez para algum local interessante do Rio de Janeiro. A primeira sugestão foi a Quinta da Boa Vista, situada no bairro de São Cristóvão. Uma grande área verde com lagos e uma grande construção antiga e, adendo, um zoológico. Rosa preferiu que não fosse por lá. Contou que considera linda a paisagem e já foi algumas vezes, mas o real motivo, foi quando descobriu o que era o lugar no passado. Rosa relatou que ali fora uma das maiores residências de um grande mercador de escravos. E por isso não conseguia mais andar pelo local sem imaginar seus antepassados sofrendo nas mãos do senhor branco contrabandista. Como ainda era segunda feira, decidiram que durante a semana iriam ir resolvendo aos poucos e, um com o outro, dariam sugestões.
Após uma noite tranquila de sono desejando sonhar com Rosa, Antônio adormeceu e, num piscar de olhos, era terça-feira. Essa seria uma semana de trabalhos na parte da tarde então não queria perder nenhum minuto longe do filho. Escovar os dentes, café da manhã, banho, roupas limpas, ônibus - quase lotado, e enfim na casa de Ângela. Pela primeira vez naquela semana estava entrando além da portaria da casa de sua ex-esposa. Chamou, ela atendeu, disse o que faria, passou pela sala, notou os móveis idênticos a sua antiga casa de casado. Lembrou também que ela havia escolhido cada móvel da casa em que ele reside nos dias atuais, e que, apesar de ela ter pagado por alguns, ela abdicou de todos. E agora entendeu o porquê. Muitos dos móveis são quase gêmeos. Alguns, como o sofá e a estante, mudam detalhes, nada imperceptíveis. O sofá é um grande sofá em forma de L, de cor marfim. Em sua casa é de cor bege. A estante é branca com tons marrons claros. Em sua casa é branca com um marrom escuro nas portas e gavetas. Uma e outra coisa mudava, mas era tudo similar e a maioria da mesma marca. Nada controladora e apegada, elucidava Antônio indo direto ao quarto de Toni que Ângela indicou.
Antônio esperou que Toni acordasse de vez. Esperou no quarto do filho ele escovar os dentes, tomar café da manhã e, já arrumado, saíram. No caminho, Antônio explicou para seu filho do que se tratava. Contou-lhe que esse Natal poderia ser o último em família, mas que ele e sua mãe haviam combinado que seriam somente os três, juntos e sem briga. Toni agradeceu, mas ainda faltava saber o porquê estavam saindo e ele não disse nada lá em sua casa. Antônio, calado, dentro do carro de aplicativo, apenas sorriu e só foi responder a pergunta de seu filho quando, já fora do carro, dentro do shopping, ele parou em uma loja para comprarem uma árvore de Natal.
- Ficamos sem algumas semanas por conta do que aconteceu. Mas agora vamos às compras de Natal.
Antônio, devagar e cuidadoso com o seu filho de muletas, o levou em todas as lojas que Toni sugeriu. Escolheram a árvore, mas só levaram no final do passeio. Uma árvore de dois metros de altura. Um pinheiro de plástico com neves artificiais, pisca-piscas, enfeites e, em outras lojas, para pôr abaixo da árvore, Toni comprou uma calça jeans cor de vinho, um blusão com mangas curtas branco, um sapato preto de couro. Antônio, solidário, comprou outro blusão para o filho, este azul cor do céu. Também resolveu comprar para Ângela um vestido rodado branco com flores quase invisíveis, também brancas que, ao vestir, iria até os joelhos. Tinha um decote curto e sem mangas. Para si, Antônio comprou apenas um blusão salmão.
Após passarem na praça de alimentação e se empanturrarem com pizza e refrigerante, voltaram a loja da árvore de natal, compraram e se foram.

O QUE NOS FALTA ...🔞Kde žijí příběhy. Začni objevovat