FIM DE UMA ERA

22 8 0
                                    

Segunda feira. O famoso dia da preguiça para os brasileiros, é para Toni o reinicio de sua vida. O dia em que planeja rebobinar o filme de sua vida e o pôr em outro estado físico e, quiçá, mental. Na boca do jovem que acabara de despertar, um sabor distinto, diferente ao que jantou no dia anterior. Não era comida. Era uma sensação, uma coisa inexplicável que invadia o céu da sua boca, causando um formigamento completo por toda a área interna adentrando a garganta e ecoando pelo estômago como uma azia. A janela aberta lhe mostrou um lapso mental, uma coisa que sentia que deveria se lembrar, mas nada há para recordar, pensava.
– Esqueci a janela aberta – concluiu. Não era nada demais, mas porque estava sentindo que isso foi uma coisa tão grave?
Aberta, a janela do esquecimento do dia anterior expelia um exuberante sol ameno, uma temperatura agradável que esconde, por de baixo, o valor de raios fervorosos. Ventava nessa segunda, mas o céu azul não deixava que as nuvens o fechassem e impedissem o jovem de suspirar imaginando que a magia do dia estava lhe dizendo que tudo correria bem, que ele não devia se preocupar com nada, que em breve sua nova vida lhe mostraria as possibilidades de viver feliz, ao menos, uma vida com esperanças de melhorar o seu futuro. Toni, ajoelhado em sua cama, olhava para o céu. Lembrou-se de quando o seu pai lhe disse para afastar a cama da janela, para assim poder ficar de pé vislumbrando o dia. Mas Toni nunca quis fazer isso. Da forma que estava, exatamente abaixo, ele podia ficar de joelhos e era mais fácil para também sentar na moldura da janela, coisa que fazia muito quando tinha entre quatorze e quinze anos. Adorava apreciar a noite. Faz tempo que não senta janela.
Nostálgico, escancara as grandes janelas de madeiras pintadas de amarelo e senta-se procurando ver alguma coisa por cima do seu muro. Via poucas coisas, mas era possível ver parte da calçada contrária ao seu muro. Não havia ninguém passando nessa segunda. Talvez por estar muito cedo. Voltou o seu olhar para o céu. Viu alguns pássaros. Talvez fossem patos, andorinhas, urubus... a distância não permitia saber com exatidão, e Toni nunca foi do tipo que entende de pássaros.
Um suspiro rompe o som que o vento sopra em seu ouvido. – É hoje – suspira. Três batidas baixas estalam na porta. Toni se assusta, mas não entende o por quê.
– Filho, já está acordado?
– Sim, pai. Se não estivesse ne?
– Ah, que bom. O café está pronto.
Após mais alguns minutos apreciando sua última visão do local privilegiado, Toni sabe que este será o último, ao menos, não retornaria durante muito tempo. E a notícia que ganhara a casa de sua mãe, ainda perambulava por sua mente. Dormir naquele quarto, talvez, não fosse mais viável. Afinal, o seu pai estava casado e, se tudo der certo, como Rosa falou no dia anterior, quando jogavam e brincavam na sala, eles iriam ter um bebê. Como um bom irmão mais velho e pessoa sensata, seria preciso sair do quarto e ceder ao irmãozinho ou irmãzinha.
Dentes escovados, banho tomado, cabelo penteado com o seu pente garfo, presente do pai – um dos pentes presentes do pai, pois tem três: um de madeira, um de aço e um de plástico, o qual penteia nesse momento o seu cabelo. Já a mesa de café da manhã, se lembra da Rosa. As manhãs são mais divertidas quando ela está. Não por ela ser engraçada, mas Antônio fica mais engraçado, mais feliz e até suas piadas sem graça costumam parecer hilárias. Rosa estava de plantão, mas prometeu que iria ao aeroporto.
– Então filho – Antônio senta a mesa sério –, temos que ter... – dá uma pausa, respira fundo – temos que ter àquela conversa, heinnn... – Dá uma gargalhada –. Ouviu não é garotão?
– Ah, pai. Não me assusta. Pensei que fosse falar sério, ao menos uma vez.
– Eu? Pra quê? Que coisa chata.
– O senhor é o meu pai. Deveria dar o exemplo.
– E estou. Filho, nem tudo na vida é tão sério. Você precisa relaxar um pouco.
– Eu... estou relaxado.
– É mesmo? Está? Então porque até agora não pegou o seu pão, passou alguma coisa, comeu? Está a quase cinco minutos olhando para o nada.
– Estou? É... não sei. Estou um pouco pensativo hoje...
– Tudo bem. Normal, irá viajar, conhecer outro país. Uma vida completamente diferente.
– Deve ser isso. – Olha o pão de forma.
– Mas é claro que é isso. Eu sou seu pai, sei das coisas. – Pega um copo de vidro e põe suco de laranja para Toni, lhe serve. Toni pega o pão de forma, põe manteiga, queijo e presunto, depois põe na grill.
– Vamos sair às oito?
– Sim, esqueceu?
– Não... tô sentindo... um vazio. Sinto que estou esquecendo alguma coisa. Não sei o que é.
– Nada.
– Nada?
– Isso, nada. Isso é a rotina te chamando. Você vai mudar como uma borboleta...
– Borboleta? Que analogia ruim.
– Ruim? É perfeita. Você não só vai mudar de ambiente, vai mudar de vida por completo. A sua rotina, a sua vida aqui, está te dizendo para ficar. Sabe por quê? É seguro. Aqui você conhece tudo e todos, logo, é o seu porto seguro. Mas você não pode temer o novo. O novo pode ser uma metamorfose de evolução, como, como... – olha para Toni esperando a resposta.
– Borboleta.
– Viu, exato. Não se preocupe com nada. Essa sensação é comum. Após o seu tempo de adaptação, de entendimento do lugar, quando conhecer uma nova rotina. Tudo irá ficar bem. Provável que até queira ficar por lá, abandonar o seu lindo pai humorista.
– Pai, drama não combina com o senhor.
– Drama, drama... eu? Que isso, é a pura verdade – finge chorar. – Viver ou não viver nos Estates, eis a questão.
– Por isso prefiro Nelson Rodrigues.
– Brincadeiras a parte. Seja firme na sua decisão. Eu... Não, não vou fazer o discurso que já conhece sobre futuro, crescimento familiar... essas coisas. Vá por você, cresça e estude por você. Não tenha medo do novo, tenha medo de não aproveitar as possibilidades e morrer cheio de arrependimentos.
Toni não diz nada. Dá um meio sorriso para o pai, mas não o olha nos olhos. Pega o pão, dá uma mordida e come devagar, como se apreciasse cada dentada, no entanto, está tão longe que quase não sente o sabor.
O dia seguiu tranquilo, calmo. Toni se trocou, pegou sua mala e saiu com o pai em um carro de aplicativo. No aeroporto, Ângela e seu marido já o esperavam. Antônio cumprimenta o casal de longe, Toni abraça sua mãe e aperta a mão do homem que Ângela apresenta como seu esposo. Conversam rápido enquanto vão de encontro a uma pequena lanchonete. Toni diz estar cheio, satisfeito com o café da manhã, mas Ângela insiste e compra alguns biscoitos processados e põe em sua mochila. Antônio atendeu ao telefone, era Rosa, acabara de chegar e ele foi busca-la.
Toni, sentado olhando a cena estranha se formar, notou que o estranhamento dos casais. Todos se cumprimentaram educadamente, mas era notável que não havia amizades. Pareciam pessoas que acabaram de ser esbarrar na rua e por educação deram um apertado "bom dia". Rosa chegou com um livro e o deu para Toni.
– Você vai gostar desse. É de uma menina que viajou para uma terra fantástica. O nome dela e a família dela são origem Africana. – Ângela olhou de esguelha com um ar esnobe.
– Árvores Gêmeas? Gostei do nome. Obrigado... – Antes de continuar o agradecimento, Ângela o corta.
– Filho, precisa de dinheiro para comprar alguma coisa? Eu estou com o meu cartão aqui, se quiser também tem dinheiro.
– Não mãe, obrigado. O que me deu nem toque, lembra?
– Ah, sou esquecida – mentiu.
Faltava uma hora para Toni pegar o avião. Após um silêncio aterrador, Antônio tentou quebrar o gelo com Dino, lhe perguntando sobre trabalhos. Ângela não dirigiu uma palavra a Rosa nesse interim, só falava e se dirigia a Toni. Depois do check-in, despacho das malas, todos se despediram. E Toni seguiu o corredor de embarque calado e pensativo. Do outro lado, após uns minutos, todos se olharam, deram um amargo "até logo" e partiram.
Nenhum voo era tão alto quanto os pensamentos do jovem estudante. Olhando pela janela na primeira classe, insistência de Ângela, mesmo ele dizendo não precisar, Toni se perguntava como ficaria o seu pai, se ele e Rosa realmente teriam filhos, se ele a amaria para sempre, se eles foram mesmo feitos um para o outro. E sua mãe. E àquele cara com olhar soberbo, mas ao mesmo tempo extremamente simpático como apresentador de tevê? E eles, teriam filhos? E a Carina??? E seus antigos amigos de escola, alguns que lhe ligaram para saber quando seria sua viagem, alguns nem lembravam que ele existia e muitos ele mesmo não se lembrava. E a menina que vira na tevê, que conhecera a anos atrás na escola, quando ele estava sentado pensando no que fazer da vida? E o Brasil? O Brasil é o Brasil com ou sem ele, mas e ele? Seria o mesmo sem a sua terra Natal?
As perguntas que vagavam a mente do rapaz eram demais para associar. Mas agora não tinha mais voltas. Tinha que ir, seguir em frente nesse caminho que estava traçando. Seu pai estava certo, ele pensava. Tem que seguir sem arrependimentos. Está fazendo isso por ele e ninguém mais... 

O QUE NOS FALTA ...🔞Kde žijí příběhy. Začni objevovat