FAMÍLIA SANTOS

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Ouso dizer que há somente dois momentos no ano em que a pessoa que fica perante o fogo constante e confortante do fogão de quatro bocas branco e preto da família Santos é Gilberto. Apesar do seu amor pela culinária, seus horários de trabalho não colidem com horário de almoço e janta. Natal e Réveillon, esses são os nomes que unem Gilberto a cozinha, deixando as calejadas mãos de Maria descansarem, passear durante a tarde, fazer compras de Natal como roupas e calçados e, diferente desse ano, ir a missa de domingo.
Gilberto ama essas datas, não apenas por ser um católico e comemorar desde criança com sua família, mas também por ter a oportunidade cozinhar e ceder aos caprichos da família em pedirem, apesar de não precisar, as suas guloseimas preferidas. Luna faz questão da rabanada.
- Nenhuma rabanada é tão molhadinha e açucarada como a que o senhor faz, pai.
Este elogio é quase um texto decorado da menina todos os anos. Tem as palavras perfeitas para idolatrar as cheirosas rabanadas do pai. Cleiton prefere o panetone de chocolate com calda de caramelo. Gosta com tanto fervor, que já pediu ao pai algumas vezes para fazer para ele levar para festas na escola. O pedido mais simples, segundo Gilberto, é o da Maria Maria. Sua esposa não é tipo de pessoa que ama doces, então desde sempre seu único pedido são os salgadinhos de bacalhau e, para dar um toque diversificado, uma pimenta misturada por Gilberto que ele faz apenas no Natal - e Maria tenta render o máximo possível no decorrer do ano seguinte.
Gilberto, apesar de ser o cozinheiro oficial das festas de final de ano, não tem um prato predileto, mas se perguntarem, ele diz que é o manjar de coco com ameixas secas. Prato que só faz no ano novo.
Mais de dezoito anos de casados, porém, jamais tiveram um Natal com os seus pais. Gilberto e Maria, dias antes, resolveram que esse Natal uniria suas famílias. Gilberto não tem problemas com os pais, pelo contrário, liga para eles constantemente vai, com a família, a festas de aniversários. Quem ele pouco tolera é o seu irmão. Este em idade é mais velho, mas em atitudes, parece uma criança birrenta. Para a festa de final de ano, Gilberto cedeu e convidou o irmão, que afirmou ir, mas não apareceu.
Oposto a Gilberto, Maria não tem bom relacionamento com os pais. Desde que se casou, ela pouco liga e, em pequenos momentos, os viu pessoalmente. Foi Gilberto que conseguiu convencer a esposa a reconciliar com os pais.
- Não sabemos o que nos espera. Esse ano não está sendo fácil e, talvez, o próximo seja mais complicado, tanto quanto pode ser ótimo. Eu quero passar essa data com meus pais. Os seus são mais velhos que os meus e, entendo que tenha problemas com eles, mas, de coração, tente se aproximar deles agora. Arrependimento é tão corrosivo quanto ácido.
Maria, três dias após a viagem com Luna, estava mais distante que antes, e não queria ouvir sermão do marido. Principalmente, sentada no sofá da sala, faltando poucos minutos para a novela das oito horas. No entanto, seguiu as palavras e no dia seguinte, assim como ele, ligou para seus pais. Foram horas de conversa, lágrimas e pedido de desculpas de ambos os lados. Maria, pela primeira vez após a saída da casa dos pais, falou sobre o ocorrido na adolescência.
- Nos perdoe filha. Não tínhamos a instrução dos tempos atuais. Talvez não queira saber, mas quem sabe te conforte: aquele padre faleceu faz uns dois anos. Foi infarto. Mas depois disso, os fiéis diminuíram e houve histórias, boatos de meninas abusadas por ele. Eu... como mãe, quis te ligar, te perguntar se isso aconteceu com você. Mas tive medo de ser verdade. E orgulho por não sermos amigas.
A conversa continuou com o seu pai, que falou pouco, se emocionou muito e implorou por desculpas para a filha chorosa do outro lado da linha telefônica. Solange e Euzébio aceitaram o convite. No mesmo dia, ao entardecer, ambos foram as compras e levaram presentes para seus netos, genro e, claro, para sua filha Maria.
Luna e Cleiton adoraram este Natal, pois como não eram mais crianças e com poucos parentes e amigos, não estavam acostumados a receberem tantos presentes. Era presente dos pais de Gilberto, dos pais da Maria, de Gilberto e Maria e também de outras pessoas. Cleiton recebeu presentes do seu amigo Diogo e da sua namorada Carla, que apareceu lá rapidamente para lhe entregar. A menina queria entrar, mas além de ter medo da Maria, estava com sua casa lotada dos parentes de sua mãe. Já Diogo mandou no dia seguinte, mas não entregou pessoalmente. Pediu um entregador que fosse a sua casa e lhe desse o par de chuteiras.
Luna ficou intrigada por receber um presente de Joana. Desde a viagem que não se viam, então pensou que sua amizade tinha acabado. Joana foi no dia 24 a tarde, entregou um vestido numa caixa colorida de papelão com um bilhete dentro. Entrou por alguns minutos, desejou feliz Natal a todos e partiu.

Na viagem entendi uma coisa: são nossas diferenças que nos torna amigas. Não desista disso. Aprendi com você e espero também dar-lhe algo a crescer para sua vida.
Ass. Jô

Luna ficou emocionada. Palavras simples, mas sinceras que resumia de fato sua amizade. Talvez ela também tenha aprendido algo com esta viagem, e agora sabe que foi bem mais do que imaginava.
Esta era a segunda vez no ano que a casa da família Santos estava cheia. Mas agora não era por pessoas estranhas, mau educadas ou bêbadas. Era por uma família que, em quase duas décadas não se viam.
A chuva natalina estava molhando mais que o Rio de Janeiro. Nesta casa, estava levando mágoas, lágrimas, desavenças... Muitos sentimentos negativos estavam sendo lavados e trocados por ternura, lagrimas de felicidades, abraços de pai, mãe, avôs, avós e netos.
Após a meia noite, foi difícil arranjar lugar para todos dormirem, mas em casa de pobre todos sabem: é como coração de mãe. Cabe mais um, e se forem pessoas amadas, terão bem mais que um canto para dormir.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now