VIAJANDO DENTRO DOS SONHOS

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A relatividade de um valor de um presente é muito alta, para quem recebe tal nomenclatura. Um papel pode ser um mero papel para alguns, e um significado além das nuvens para outros. Luna tinha alguns desejos a realizar na vida. Alguns, era mais como uma coisa infante, e outros como uma realização de vida. Dentre esses e outros caprichos que ela teve no decorrer dos seus recentes quinze anos, pôde desfrutar de alguns, com apenas um envelope cheio de afeto familiar.
Quando criança, Luna admirava os pássaros. A pequena que brincava no pequeno quintal de sua casa, se viu admirando um ninho que uns pássaros fizeram no pé de mamão. A vida que ali nascia cativou a menina. Por uns minutos, ela esqueceu da boneca de cabelos loiros, e sorriu involuntariamente ao notar o chegar de um pássaro no ninho que, para ela, estava vazio. Quando este pássaro chegara, ela se aproximou vagarosamente e viu que havia dois ovos. O melhor era que, por sorte, estavam chocando. Apreciar a vida destes animais lhe fez pensar na maravilha que é poder ser algo que pode ir-se para onde quiser num bater de asas.
Eles nascem e já são livres para irem até o outro lado do mundo, num bater de asas.
Nascer para voar. Era esta a lição que Luna vira neste dia e, que até os seus onze anos, ela achou que queria ser um pássaro.
Já com doze anos, ela viu uma propaganda linda de uma empresa de aviação. Na tevê, tinha mulheres sorridentes, que podiam ir para muitos lugares do mundo, conhecer pessoas e países distintos. Luna foi tomada por uma boa sensação que lhe fez lembrar de uma frase bem antiga: Nascer para voar. Luna, já com o pensamento mais maduro, sabia que jamais iria voar como os pássaros, mas, e se ela pudesse ser como as aeromoças do comercial? Se vestir bem, estar sempre feliz, conhecer muitas pessoas, países... Dessa forma, ela seria livre para voar.
A jovem de doze anos ficou encantada com a ideia de ser aeromoça. A partir daí, ela só conseguia pensar nisso. Em todos os aniversários e fora deles, ela pedia para passear de avião. Não ligava para onde, não se importava com destino, só queria entrar no avião, ver como é. E futuramente, ela também seria uma das moças bonitas do comercial. O tempo foi passando, a ideia de voar foi ficando para trás como um sonho gostoso que se sonha em noites frias. Luna foi deixando de lado, pois a sua condição social não permitia tal coisa. Então pois na cabeça que se um dia fosse voar, se aeromoça, seria por seus méritos, seu dinheiro. Nascer para voar. A frase já estava quase esquecida em seu interior.
O que Luna não sabia, era que quando os seus pais notaram o seu desejo e amor por voar, eles iniciaram um processo de abrir uma conta para um dia, pagarem um curso de aeromoça para a menina. No entanto, a vida humilde e muitas vezes injustas, lhes tirava essa opção, com isso, eles eram obrigados a retirarem o dinheiro e gastarem com alimentos e roupas para a família. No ano de 2020, houve uma imensa pandemia. Uma coisa horrível que abalou o mundo. Muitas pessoas perderam seus empregos, passaram fome e morreram do devastador vírus global. Maria Maria foi uma dessas pessoas demitidas, mas a sua demissão foi algo que ela não reclamou. Diferente de muitos desta época, ela recebeu os seus honorários de forma correta. Daí iniciou com o marido a primeira parte do plano do presente da Luna.
— Gil. Eu vou voltar a vender quentinhas. No centro da cidade. Faz alguns anos que parei, por conta desta empresa de empregadas domésticas. Mas tenho certeza que ainda consigo ter alguns clientes por lá.
— Mas fará isso agora? Não quer descansar, enquanto os trabalhos não recomeçam? Logo, logo você pegará outro emprego.
— Eu não quero retornar para este tipo de trabalho. Quando estou vendendo quentinhas eu sinto que é algo meu. Me sinto bem com isso.
— Mas, essa pandemia?
— Eu vou tomar as medidas de segurança. O importante não sou eu agora, e sim o que faremos com a minha rescisão.
— Não entendi.
— Uma parte comprarei os alimentos e os produtos para as quentinhas. E a outra vai direto para a conta que fizemos para a Luna. Eu já pensei em tudo: Vou reiniciar a conta com base nesse dinheiro que receberei da empresa, daí tanto eu, com os meus lucros, quanto você, vamos colocando pequenas partes. Algo que não irá fazer falta por ser de baixo valor, mas em grande escala, fará a diferença. E eu só voltarei a comprar os alimentos, com a venda das primeiras quentinhas, logo, não precisaremos desse capital inicial alto.
E assim foi. Maria Maria reiniciou a conta com o marido. Quando os quinze anos vieram, faltava ainda saber para onde iriam, afinal, não iria apenas comprar umas passagens de avião, entrarem e descerem de volta para casa.
Foi aí que entrou Cleiton na história. Maria e Gilberto não tinham ideia de lugar que a filha gostaria de ir. Com discrição, perguntaram, via mensagem de celular, se o filho sabia um local que sua irmã gostaria de ir. Em primeira instância, ele disse não saber, mas depois lembrou de um dia, ou melhor, mais um dia que discutiram, que ela havia dito que se pudesse iria voando para seu local favorito e descansaria longe dele. Que era um parque temático de um grande estúdio internacional em Orlando, na Flórida. Que na verdade era um estúdio de um dos seus filmes favoritos. Que tinha bruxos, varinhas mágicas, feitiços, vassouras que voavam...
Nem Maria e nem Gilberto se lembravam que a filha gostava deste filme. Mas a última frase, VASSOURAS QUE VOAVAM, fez total sentido. O negócio da filha não era a magia, mas tudo que podia a levar a voar, constataram.
Mas com isso, veio um problema. Ir para um lugar desses é muito caro, e eles jamais a deixariam ir sozinha. Maria e Gilberto, com o tempo, pararam de ir ao banco, ou verem o extrato da conta. A missão do casal era apenas depositar ou transferir a verba. Então quando foram tirar o extrato para ver se era possível a viajem, tomaram um baita susto.
Maria trabalhara na empresa a quase dez anos, então pôde se dar o luxo de pegar um valor digno dos seus serviços. Com esse dinheiro, somado ao das quentinhas e o capital do marido, tudo rendendo sem tirar um centavo se quer, chegou a um valor que seria possível comprar a passagem da filha, a dela para ir com ela, e ainda, caso a filha quisesse, levar uma amiga. Já que sabia que Gilberto tem pavor de avião e Cleiton, talvez, não quisesse ir em uma viajem com a sua irmã. Mas o melhor, ainda estava por vir. Ainda sobraria algo para ela comprar roupas e malas no shopping e, para não serem injustos, separaram também algo para Cleiton.
Com o envelope nas mãos, aberto, Luna pulou de alegria. Por alguma razão, ela sentia que o presente era tanto do seu pai, quanto da sua mãe e, por algum milagre divino, tanto quanto do seu irmão. As passagens de avião, junto com um cartão de créditos saltaram como pipoca de tanta emoção. Seu pai pediu que se contivesse, afinal, ainda são papéis e não podiam molhar. Mas Luna não conseguia ouvi-lo neste momento. Ela sentou no sofá e chorou olhando para o seu presente que, até alguns minutos, lhe parecia impossível.
Nascer para voar. Seria esse o momento?

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