ERA UMA VEZ O QUE PODERIA ACONTECER

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Quantas histórias contamos para nosso coração, para não acreditar na dor iminente causada por uma decepção amorosa?
O aproximar das meninas lhe deu uma recordação peculiar de um passado tão esquecido quanto a sua primeira chupeta que fora parar no ralo do banheiro de seus avós, enquanto fugia de sua mãe em uma brincadeira de pique-pega. Agora, Toni se lembrava da sua primeira, única e prematura namorada que teve quando nem sabia o que era namoro. Nesta época, frequentava com sua mãe a casa de seus avós e, vez ou outra, até o seu pai acompanhava. Sua avó adorava dizer que ele ia casar-se com sua vizinha, uma menina de sete anos, como ele, que morava na casa ao lado. Ela, também era incentivada pelos pais. O casal infantil não fazia ideia do os adultos queriam dizer com namoro, casamento... mas descobriram juntos o que era beijo, em uma brincadeira inocente após verem a novela com as famílias que conversavam na sala. Os dois foram para atrás do sofá e resolveram provar o que, na novela, parecia muito gostoso. Na hora, não sentiram nada. Mas descobriram que isso selava uma coisa a mais que uma amizade — não sabiam por quê, mas foi o que disse a mãe da menina ao ver os dois se beijando.
— Agora Toni, você terá que casar com a Cacá.
Carina, ou Cacá, sorria docemente feliz por saber que ia ter a festa que vira na novela. Para ela, significava comida, bebida, amigos, família... tudo, menos compromisso eterno. Já Toni, que prestava mais atenção nos seus brinquedos no momento da novela, não tinha motivos para achar a ideia de casamento boa. Tudo que enxergava era o divertimento das inúmeras brincadeiras de seus familiares e vizinhos. Por cinco anos essa forçada relação infantil perdurou. Até Carina, já distante das investidas das famílias, começou a namorar um garoto de sua escola.
Carina, na proporção que ia crescendo, ia transformado sua relação com Toni em uma brincadeira realizada por sua mãe. Mas Toni, ao contrário, ia levando mais a sério. Quando, em um Natal na casa de sua avó, que futuramente seria o último, descobriu diretamente de Carina, que ela estava namorando. A menina, sem noção da profundidade para Toni, lhe contou de forma divertida.
— Ah, Toninho. Nosso namoro de mentira acabou. Eu agora tenho um namorado de verdade.
Toni, sem graça, apenas sorriu e confirmou que nada tinha com Carina, mas após ela e sua família irem embora, poucos minutos antes da passagem do dia vinte e quatro para o dia vinte e cinco, Toni se viu olhando as estrelas e vendo um mundo inteiro explodir diante de seus olhos. Toni não uma criança tão sonhadora, mas tem um defeito irreparável de criar expectativas a cerca de uma promessa, uma jura, simples palavras que dão a entender que virá um presente. Por isso, no céu, ele enxergava toda a vida que poderia ter se esvaindo como um passe de mágica maléfica criada para lhe levar tristeza. As lágrimas caíram involuntárias, sua boca queria dizer algum consolo, seu coração doía sem ao menos saber o que era amor. Era uma relação infantil idealizada por adultos para seu entretenimento. No entanto, a dor que Toni sentiu não tinha nada infante.
A última notícia que teve de Carina, apesar de jovem, é que estava casada, com um rapaz três anos mais velho que ela, tinham um filho e moravam em Campos do Jordão, interior do estado do Rio de Janeiro.
Ter essa memória latejando enquanto a menina cabelos encaracolados se aproximava, só o deixou mais tenso, boca seca, respiração ofegante e suando frio. A cada passo em sua direção, o Natal trágico vinha a tona, o sorriso brincalhão de Carina dizendo que eles eram amigos, que ela arrumara um namorado, e suas salgadas lágrimas caindo enquanto estava sentado na varanda de seus avós.
— Oi.
Apesar de estar olhando diretamente para a menina misteriosa, Toni estremeceu com a saudação simpática das meninas.
— Não quis te assustar — tranquilizou a menina de cabelos cacheados. — Eu poderia jurar que estava olhando na nossa direção.
— Eu, sim, estava... quero dizer, não, é que... não esperava que falassem comigo.
— E porque não garoto — perguntou a outra menina com um tom irônico e estranhamente admirado —! Você é gatinho. Quem não quer — dá uma cutucada na parceira —, não é Gisele?
— Por favor, Miriam, não começa.
— Iiihhh... Eu hein! Você e esse seu jeito retraído e... sonsooo...
Brincam e, por uns segundos, esquecem de Toni.
— Você se mudou a pouco tempo, não foi? Ainda não tinha visto você pelo bairro.
— Sim, eu e... minha mãe e eu nos mudamos a pouco tempo, quatro meses.
— Logo vi, aqui só tem cara feio. Tirando o gostoso do meu namorado.
— Mi, Pare.
— Ai, Gi! O que eu disse demais? Ele não sabe o que é um homem gostoso? Não é colega? — Toni não responde e franze o cenho.
— Você quer convidar ele ou quer assustá-lo.
— Duas coisas erradas! Não dê uma de sonsa agora. É você que quer convidar, para dar uma lição no...
— Você fala demais, Gisele Alcântara.
— Boca de siri, não está mais aqui quem falou.
— Como você é novo aqui, não deve conhecer a nossa festa de final de ano. — Toni assente. — Pois então, eu minha prima faladeira, amigos e vizinhos, fazemos uma festinha com a ajuda de todos...
— E nada de gente velha!
— Boca de siri? Aham! — Toni sorri. As primas parecem irmãs do tipo que discutem e discordam o tempo todo, mas são unidas acima de tudo. — A ideia é você levar alguma comida, temos uma lista para isso. E também bebida. Já a bebida fica a seu critério. Se não toma bebida alcoólica, te aconselho levar duas bebidas ao seu gosto. Porque lá todos bebem, então, além de água, só terá o que você levar.
— Parece que é bem legal. Pode contar comigo. Onde fica esse lugar?
— Logo no final da rua, virando a esquerda. É o salão de festas do nosso tio.
Final da rua virando a esquerda, logo, Toni pensou, que se elas estavam na outra calçada, a direita, tinham a intenção de falar com ele. Será que na primeira vez que a viu também?
— Por sorte menino, nós estamos com a lista agora aqui. Que coincidência, não é prima?
— Ai, ai... nem falo mais nada.
Miriam puxou um pedaço de papel que estava no bolso de trás de sua prima e deu para Toni. Enquanto Toni procurava o que escolher, as duas não paravam de falar, brincar se julgarem as atitudes uma da outra.
— Escolhi. Não tenho... — antes de terminar a frase, Miriam puxou uma caneta rosada de ponta fina do outro bolso da prima.
— Lesada, hein. Por isso está — olha para Toni e pisca com um olho — solteiraaa...
Toni segura um sorriso, Gisele empurra humoradamente sua prima e sorri em seguida.
— Que desnecessária!
— Sou sua prima, só quero ajudar.
Toni anota, e entrega a lista e a caneta para as meninas. Miriam pega rápido e sorri.
— Ahhh... que bom! Estava faltando isso. E por favor, não vá fazer como o banana do Vitinho. Ah, você não deve conhecer. É um magricela chato que mora três casas depois da sua, subindo a rua. Ele disse ano passado que levaria rabanada, mas não levou. Comprou um bolo ruim de padaria e foi na cara de pau. A verdade é que rabanada e qualquer outra coisa que dê trabalho, ninguém quer acolher.
— Vamos, Miriam. Temos que ver as mesas. Meu tio falou pra levar isso logo, porque ele vai cedo para a praia.
— Cedo de que ano? Ele não sabe que o trânsito é péssimo. Já é quase quatro horas e...
— Exatamente por isso, vamos.
Gisele se despediu de Toni puxando a sua atrevida prima. Toni, feliz, entrou, depois de uns minutos ouviu as duas falando do outro lado do muro indo novamente na direção do salão de festas.
— Eu vou ficar na boa, não vou criar expectativas de nada.
E foi com essa frase na mente que Toni falou com sua mãe, que assentiu e adorou a ideia, assim ela poderia ir a praia ver a queima de fogos. Toni e Ângela foram ao mercado, compraram os ingredientes, o último pão de rabanadas. No dia seguinte, ainda empolgado e excitado de ansiedade, Toni sugeriu fazer cedo a sobremesa, mas Ângela não permitiu.
— Quando chegar a noite, não estará apenas fria, vai estar gelada.
Foi obrigado a concordar e se conter. Passou o dia pensando no que vestir, em como se comportar, como falar... até que às dezoito horas Ângela o chamou para fazer as rabanadas — o único momento de distração deste dia. Terminado, tanto Toni quanto Ângela, foram separar as melhores roupas para saírem.
Obcecado por seu momento festeiro, nem lembrou de perguntar sua mãe onde e com quem sairia. "Talvez fosse com o meu pai". Devaneou pelo caminho rua a baixo.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now