O QUE O FUTEBOL TEM A DIZER

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Com as mulheres da casa Viajando, Cleiton teve a ideia fantástica de fazer uma festa no quintal de sua casa. Assim que Maria marcou a data das passagens, Cleiton marcou a data com os amigos. Pediu-lhes que levassem refrigerante, bebida alcoólica, comidas... No convite virtual que fez para enviar via rede social, estava escrito: VENHA PARA A MAIOR FESTA DO ANO. Não tinha como dar errado, entretanto, esqueceu de um grande detalhe chamado: pai. Quando o garoto se deu conta que seu pai não teria nada para fazer neste dia, ou melhor, nestes dias, já que marcou de sábado para domingo, já era tarde demais. Cleiton não pensou em pedir, pois seus pais são, em sua visão, muito caretas. Uma família católica que em pleno 2022 o força a ir na igreja aos domingos, não iria aceitar uma festa com bebida alcoólica com a presença de todo o terceiro ano do ensino médio e ainda alguns vizinhos de sua idade.
Gilberto sabia que estava um pouco distante dos filhos, e saber que teria um final de semana inteiro com Cleiton, o deixou animado a fazer alguma coisa. Ele não tinha dinheiro suficiente para fazer uma viajem, e Cleiton estava compromissado com o futebol, a poucos de fechar um contrato importante. De certo, ele não aceitaria nem se tivesse dinheiro para uma super viajem. Distante dos passeios dos jovens, Gilberto partiu para a ideia obvia, na busca do que fazer com seu filho. O pouco que sabia do filho era resumido na palavra futebol. Então, Gilberto preparou uma surpresa para o jovem. Os antigos amigos de Cleiton, que Gilberto conhecia eram seus vizinhos que cresceram com o garoto. Gilberto sabia que seria uma boa ideia chama-los, mas como o assunto é futebol, os amigos que ele precisava chamar/conhecer, eram da escolinha de futebol. Com a mente focada em conhecer os pais dos jovens da escolinha de futebol, dias antes da viajem, Gilberto foi, na surdina, a um jogo do filho. Na arquibancada, ele conversou com alguns pais, fez amizades e os chamou para uma pequena confraternização. Um pai chamou o outro, que conhecia outro, que conhecia todos... e nesse telefone sem fio, Gilberto marcou na tarde de sábado um futebol de pais e filhos com churrasco. Pronto, tudo certo. Futebol, churrasco e uma boa noite com novos amigos.
Sexta feira da revelação, ou seria a sexta feira do desembaraço. Na manhã da viagem, pai e filho foram ao aeroporto levar Maria e Luna. Foi um momento estranho; Gilberto deu um beijo na face da filha, e forçou um selinho na esposa e proferiu palavras de boa viajem, divirtam-se... As palavras de Gilberto eram sinceras, mas soavam mecânicas. Cleiton beijou sua mãe e fez uma careta para sua irmã, ainda assim desejou boa viajem.
No taxi para casa, o ar para Cleiton estava com uma leve pressão. O garoto respirava de forma forçada e sentia que o seu coração estava mais acelerado que o comum. Tudo isso, porque seu pai lhe disse:
— Que bom que passaremos o final de semana juntos. Vou tentar pedir dispensa do trabalho esse final de semana.
Cleiton nunca desejou tanto que o seu pai fosse para o trabalho. O suor frio revelava uma tensão de criminoso. Ou desmarco a festa, ou conto ao meu pai e rezo para não ter o pior.
Excitado com o momento, na ida para casa, Gilberto ligou para seu patrão e inventou que estava com mau estar, que não poderia comparecer. No caminho, Gilberto pediu ao taxista que parasse no shopping mais próximo. Gilberto sabia que não poderia dar a filha mais nova tantas regalias e esquecer do mais velho. Ele não tinha mais dinheiro guardado, como fizera com Luna, mas tinha um cartão de créditos que usava apenas para emergências. E essa é uma emergência familiar, ponderou o pai feliz que sorria sozinho ao olhar o shopping se aproximar pela janela do carro.
Gilberto conversou com o filho, disse que não tinha muito para gastar, mas que ia fazer o possível para ele ter o que quisesse neste dia. Nas lojas, Cleiton foi preciso: na loja de esportes, escolheu uma chuteira e um blusão do seu time rubro negro de coração. Depois, em outra loja, comprou uma bermuda azul, um blusão preto de mangas curtas e um chinelo de grife — já pensando na festa de sábado. Para finalizar, foram na praça de alimentação e almoçaram hambúrgueres com guaraná.
— Essa parte fica entre nós. Se a sua mãe descobrir que almoçamos essa besteira, ela me mata.
Cleiton, já de boca cheia, apenas concordou.
Já era tarde quando foram para casa. Cleiton, olhando a felicidade estampada no sorriso sincero do pai, sentia que estava traindo-o. Ele nunca fora tão legal, ele constatou, mas estava se esforçando para lhe dar o melhor final de semana. Então tomou a decisão de falar a verdade.
— Pai, preciso te contar uma coisa, eu... não sei por onde começar, mas...
Cleiton, sentado no sofá da sala, enquanto Gilberto procurava algum canal com futebol, puxou forças divinas para prosseguir com suas palavras.
— Eu... marquei uma festa aqui com os meus amigos. — O nervosismo de Cleiton disparou, as palavras saíram como um carro desgovernado. — Me desculpe, não quis te ofender, nem desrespeitar o senhor. Eu nunca fiz uma festa, e achei que essa seria a melhor oportunidade. Chamei uns amigos da escola, até alguns do bairro, como o Marquinhos, o senhor conhece, e a Carla também. Bom, essa a mãe não vai com a cara dela, acha ela um pouco promíscua. Mas também tem a Cátia, essa ela diz que é boa menina. Mas também tem outras meninas da escola. Eu juro que não farei nada de errado. Eu vou limpar tudo. A ideia é fazer a festa do quintal, para a rua. Aproveitar e pôr umas cadeiras do... O seu João disse que me emprestaria umas cadeiras e mesas de sua barraca, disse para eu devolver no domingo pela manhã. Eu não sei se consigo de manhã, mas devolver no domingo é certo. Eu não vou beber, o senhor sabe, sou jogador, a minha saúde em primeiro lugar...
Cleiton não conseguia parar de falar. Era uma junção de desabafo, culpa e confissão descontrolada. Quando Cleiton, enfim parou, já estava falando até de suas notas da escola, uma menina que conhecera e perdeu a virgindade... Foram tantas coisas que ficou vermelho e sem ar.
Para o espanto e medo de Cleiton, Gilberto gargalhou caindo no sofá. Após alguns minutos rindo e olhando o seu filho atônito, Gilberto dirigiu ao filho:
— Tudo que eu queria era te ouvir e me aproximar de você. Agora, nesses quinze minutos, sei mais de você do que sei de sua mãe em vinte anos de casados.
Cleiton ainda estava estupefato. Forçou um sorriso amigável para sentir-se enturmado da reação do pai. Mas a verdade é que não fazia ideia do que viria a seguir, e isso o deixava ainda mais nervoso.
— Filho. Eu já fui adolescente, não precisa ficar desse jeito. Sei que sempre fui careta e, mesmo quando criança, não era festeiro, mas isso não quer dizer que não te entenda. Me diz, que horas é a sua FESTA DO ANO?
— ÀS 21h, mas ninguém chega na hora...
— Ah, que perfeito. Como não sabia que iria ter essa FESTA DO ANO — Gilberto sorria cada vez que dizia festa do ano, e lembrava do momento que o filho falara sem parar —, eu marquei com os pais dos seus amigos da escolinha de futebol, uma confraternização de pai e filhos, com direito a churrasco. Então, só te peço que, antes da... FESTA DO ANO, vá comigo ao futebol, depois até te ajudo nos preparativos. E antes que pense que terá a minha ilustre presença por aqui, saiba que não ficarei. Vou na casa do seu tio, ou dou um passeio. Não se preocupe.
Cleiton suspirou de alegria e abraçou o seu pai agradecendo-o sem parar. Por último, Gilberto ordenou que cumprisse a promessa de não beber e que arrumasse a casa, pois queria chegar no dia seguinte e não ver vestígios de nada.
— Afinal, sua mãe enfartaria se soubesse.
Com sorrisos e mais conversas de pai e filho, a noite se foi.

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